Em novembro, o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, apontava fevereiro como o mês para a conclusão do PREVPAP, o Programa de Regularização de Vínculos Precários na Administração Pública, mas o processo está longe de terminar na Universidade do Porto (UP).

António Sousa Pereira assumiu isso mesmo no Parlamento, onde foi na terça-feira, a pedido do Bloco de Esquerda. No dia seguinte, reuniu com a Comissão de Requerentes do PREVPAP da UP e com sindicatos, descontentes com os resultados provisórios do programa na instituição. 

Números: o PREVPAP na Universidade do Porto.

A Comissão de Avaliação Bipartida da UP recebeu cerca de 600 requerimentos. Destes, foram analisados 243, 173 dos quais referentes a carreiras especiais (docentes e investigadores). Apenas cinco deles, todos relativos a situação de docência, receberam parecer favorável, o que corresponde a uma taxa de aprovação de 3%, inferior à media nacional (9,3%). Na Universidade do Porto, ainda nenhum investigador foi abrangido pelo PREVPAP. 

Na Comissão Parlamentar de Educação e Ciência, na terça-feira (12), o Reitor justificou estes números. A maioria dos requerentes das carreiras especiais é investigador num instituto privado, associado da UP. Apesar de assinarem os trabalhos com o nome da Universidade e de contribuírem para o seu prestígio, estes investigadores não são reconhecidos como trabalhadores da instituição.

A justificação, para António Sousa Pereira, parte do vínculo ao privado e do “sistema de financiamento dual“, isto é, ensino e investigação têm uma fonte de financiamento diferente – a primeira é financiada pelo Orçamento do Estado, a segunda pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).

A contestar este entendimento estão associações e sindicados, que já estão a elaborar um parecer jurídico, segundo avançaram ao JPN. Renata Freitas, responsável pelo núcleo portuense da Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), afirma que “estes institutos privados só são privados de nome“. “O terreno é da Universidade, as instalações são da Universidade, quem manda nos Institutos são pessoas da Universidade. No próprio Tribunal de Contas têm que apresentar as contas dos Institutos todos e entram no relatório de atividades”, garante Renata Freitas, também bolseira de Ciência e Tecnologia no i3S, o Instituto de Investigação e Inovação em Saúde.

Números: o PREVPAP no Ensino Superior.

Isabel Gomes, da Comissão de Requerentes do PREVPAP da UP, concorda com a perspetiva da dirigente da ABIC e fala numa “interdependência” entre os organismos. “A Universidade fornece edifícios e recursos logísticos e humanos e tem em troca a produção científica e a assinatura dos artigos, bem como a divulgação das inovações científicas com a chancela da Universidade do Porto, e depois não os reconhece no âmbito deste programa”, afirma ao JPN.

Isabel é também ela bolseira de Gestão de Ciência e Tecnologia, na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, e pretende regularizar o vínculo que tem há mais de cinco anos. “Um vínculo aparentemente regular, mas eu tenho subsistido através de bolsas”, explica. “[Quero] garantir os meus direitos laborais, tal como os meus colegas que desempenham funções homólogas e que estão contratados, que têm esses direitos assegurados, e eu não”, conclui.

O subfinanciamento é também queixa comum nas várias Instituições do Ensino Superior (IES) e neste ponto concordam Reitor e Requerentes. “Preferem não vincular as pessoas, tendo em conta como se comporta o Estado e a diminuição de fundos que tem havido com o Ensino Superior”, afirma Renata Freitas, que vê também um “certo conservadorismo” na Academia, sentido na falta de confronto com o governo na exigência de verbas. “Diziam: ‘Nós queremos mais dinheiro, queremos aproveitar agora o PREVPAP’ e eles não fazem isso, ficam na sombra e ficam numa posição defensiva e conservadora”, considera.

António Sousa Pereira, na Comissão Parlamentar, relembrou a regra do equilíbrio orçamental, inserida na lei do Orçamento do Estado deste ano, e garantiu que, se todos os requerentes fossem contratados, a Universidade do Porto declarava insolvência no final do ano, uma vez que a integração destes trabalhadores significaria, nas contas apresentadas pelo Reitor, mais 35 milhões de euros por ano.

O programa que regulariza os vínculos precários criou expectativas não correspondidas. A Comissão de Requerentes da UP, em comunicado a que o JPN teve acesso, considera, por isso, o PREVPAP “o maior logro vendido pelo MCTES/Governo aos investigadores e docentes precários das universidades portuguesas”.

“A UP tem muito pouca gente precária”

O Bloco de Esquerda (BE) levou o Reitor da Universidade do Porto, António Sousa Pereira, à Comissão Parlamentar de Ciência e Educação, na terça-feira, para discutir, justamente, a aplicação do PREVPAP na instituição. Luís Monteiro, deputado do BE, sublinhou a relação de dependência entre a UP e os institutos privados e acusou a Universidade de querer “descartar-se das suas responsabilidades”.

António Sousa Pereira tem 56 anos.

O Reitor da UP, António Sousa Pereira, garante que não há troca de “cêntimos” entre os institutos de investigação e a UP. Foto: Universidade do Porto

Em resposta às acusações, o Reitor declarou que os institutos estão “dentro do perímetro de influência da UP”, mas que não pode ser atribuída à Universidade a responsabilidade de contratação dos investigadores. “Estes organismos [institutos privados] não recebem um cêntimo da UP, nem a UP recebe um cêntimo para os financiar”. O formato do financiamento impede que muitos dos requerentes beneficiem do PREVPAP. 

Segundo o Reitor, estes investigadores “não fazem sequer parte do sistema de informação da Universidade” e “não desempenham as funções de docência ao abrigo do seu contrato de investigadores”, assinando um contrato adicional para o efeito. O sucessor de Sebastião Feyo de Azevedo advertiu ainda que não tem poder de decisão nestes institutos e dá o exemplo do CiiMAR, o Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental, em que a UP tem um em 222 assentos da Assembleia Geral. “Não tem [a UP] qualquer capacidade de definir a política do Instituto”, acrescentou o Reitor.

“É uma situação que exige uma discussão de fundo sobre qual é o modelo que nós queremos para financiar a Ciência em Portugal. Mas, neste momento, o modelo é este”, concluiu António Sousa Pereira. Retirados das contas os investigadores destes institutos, que perfazem a maioria dos requerentes, o Reitor garante que “a UP, efetivamente, tem muito pouca gente precária”.

António Sousa Pereira reconheceu a posição dos investigadores com vínculo privado. “Há aqui uma situação de justiça que é gritante”, disse. “Existem pequenas unidades de investigação sediadas dentro da Universidade (…) e nessas, por força de imperativo legal, nós estamos a propor a contratação de investigadores. Cria-se uma situação de assimetria e uma injustiça relativa”, assumiu.

Sobre o financiamento, o Reitor realçou a regra do equilíbrio orçamental: “Neste momento, abrir qualquer concurso é violar a lei do Orçamento do Estado, porque não existe um mecanismo previsto para compensar isso”. “O Reitor da UP (…) tem de cumprir a lei do Orçamento do Estado que vossas excelências votaram”, atirou António Sousa Pereira ao BE.

Por fim, o Reitor afirmou que a conclusão do processo em fevereiro “é impossível” e que a UP não fez ainda nem um terço das reuniões necessárias.

Resultados à vista, expectativas baixam

Depois da entrega de uma moção na Reitoria no dia 14 de janeiro, no final de uma concentração para contestar os resultados do programa, a Comissão de Requerentes do PREVPAP da UP e Sindicatos foram recebidos pelo Reitor da Universidade do Porto na tarde de quarta-feira (13). Apresentadas as preocupações, o Reitor, segundo Isabel Gomes, manteve uma “posição idêntica” à que foi transmitida na Comissão Parlamentar.

A investigadora prevê que “aquilo que vai acontecer no PREVPAP na UP é a regularização dos poucos vínculos precários que restam, mas nas carreiras técnicas”, ficando de fora as de docente e investigador.

“O programa em si é demasiado lato e permite diferentes interpretações”, conclui Isabel Gomes. O objetivo será “insistir numa interpretação que inclua estes investigadores e docentes, exatamente pela oportunidade de ser lido de diferentes maneiras”.

Para Renata Freitas, da Associação dos Bolseiros de Investigação Científica, há um mínimo no processo do PREVPAP. “Espero, sinceramente, que, pelo menos, eles integrem os bolseiros de Ciência e Tecnologia, é a minha expectativa mais baixa; se isto não é coberto pelo PREVPAP, não sei o que poderá ser”.

O PREVPAP

O Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública tem como objetivo a “eliminação progressiva do recurso a trabalho precário e a programas de tipo ocupacional no setor público como forma de colmatar necessidades de longa duração para o funcionamento dos diferentes serviços públicos”.

Os candidatos ao programa devem ser trabalhadores da Administração direta e indireta do Estado, sem um vínculo jurídico adequado ao serviço que executam. São elegíveis funcionários que tenham “exercido funções sujeitas a poder hierárquico, de disciplina e direção, e a horário de trabalho”. As funções dos trabalhadores devem também constituir “necessidades permanentes” dos serviços ou entidades.

A análise dos requerimentos submetidos é levada a cabo pela CAB-CTES, a Comissão de Avaliação Bipartida dos Centros de Tecnologia do Ensino Superior.

Artigo editado por Filipa Silva