A célebre artista portuguesa reúne o maior espólio de obras da sua carreira, numa exposição antológica que abrange todas as suas mais importantes peças. "I´m Your Mirror" está patente no Museu de Serralves até 24 de junho.

Joana Vasconcelos tornou-se nos últimos anos a artista portuguesa mais reconhecida internacionalmente. O sucesso além-fronteiras provêm de uma “portugalidade” intencional que se funde com uma concetualidade vinda do universo da pop arte e de uma apropriação dadaísta, de fácil assimilação popular.

A artista propõe a transformação de peças de luxo em objetos de consumo rápido e industrial, mas, por outro lado, pretende homenagear as tradições populares portuguesas, transformando-as em objetos artísticos de alto valor.

O Museu de Serralves, em parceria com o Museo de Guggenheim, assinala o regresso de Joana Vasconcelos ao Porto com uma exposição retrospetiva: “Sempre pensei em voltar a Serralves, em fazer uma exposição individual, aqui, porque só tinha feito exposições com outros artistas. Expus várias vezes em Serralves, em várias épocas, e acompanhei o crescimento desta grande casa”, afirma.

Para a artista, Serralves é um local de interesse para qualquer artista que queira expor o seu trabalho: “Para mim, é um privilégio ter um museu a este nível em Portugal e poder cá expor, sendo que também é aquilo que os meus colegas estrangeiros anseiam. É um símbolo de que é um lugar importante para as suas carreiras. É importante no mundo internacional”, sublinha a artista.

Comissariada por Enrique Joncosa, a exposição arrisca-se a ser o ponto alto da carreira de Joana Vasconcelos que expôs na instituição, pela última vez, em 2000.

Obras expostas

As obras foram divididas por núcleos com aposta forte na arte urbana colocada no exterior. A contemporaneidade do museu é o local ideal para o percurso artístico de alguém que coloca em permanente questionamento a história da arte e a sua relação com a arte contemporânea concetual.

Num catálogo tão variado de experiências e sensações, estamos perante fases distintas da obra da artista. Esta ambiguidade promove uma espécie de absurdo dentro do mundo da arte, mas ao mesmo tempo coloca o espetador perante um determinado estilo artístico já muito apropriado e devidamente reproduzido nos últimos anos (que vai de Jeff Koons a David Hockney, cujo pioneiro Marcel Duchamp há muito é venerado).

Uma visita pela exposição permite ver a peça Portugal a Banhos (2010) colocada de forma monumental na Avenida Marechal Gomes da Costa, na zona envolvente do museu. A obra, segundo a artista, invoca um Portugal de um certo consumismo de luxo, inerente na sociedade portuguesa. “Qual é o sentido de termos piscinas em casa se possuímos uma costa deste tamanho?”, questiona Joana Vasconcelos.

Na realidade, o posicionamento escultórico perante o espaço circundante não deixa de ser inusitado. É uma espécie de provocação gratuita ao espetador. O mesmo acontece com a obra Solitário (2018), um anel gigante feito de jantes de liga leve douradas e finalizado com copos de uísque. É um obra igualmente reflexiva do consumismo social e remete-nos para dois estereótipos do homem e da mulher: o do luxo e o do desejo.

O jardim de Serralves, parte identitária do Museu, permitiu à artista servir-se dele como pano de fundo para uma série de dicotomias presentes na obra da artista: a natureza versus indústria, o luxo versus utilidade comum, o homem versus mulher, a aparência versus essência ou a tradição versus modernidade.

As peças Néctar (2006), Pavillon de Thé (2012) e Marilyn (2011), grandiosas peças escultóricas, mostram-nos uma artista que é mestre na ocupação do espaço e na manipulação das escalas dos objetos. A antítese entre o público e o privado evidencia-se na quase obscenidade como a artista esventra objetos do quotidiano, como tachos de arroz como na peça Marilyn, e a partir deles constrói uma narrativa de permanente confronto entre todos os elementos.

Joana Vasconcelos e o Feminismo

Perante a racionalidade das linhas arquitetónicas do museu, ergue-se a imponente peça A Noiva (2000-2005) que catapultou Joana Vasconcelos para a fama internacional. Pendurado no átrio do museu, o candeeiro feito de 14 mil tampões é o reflexo de uma vincada consciência feminista na obra da artista, apesar de este lado estar permanentemente presente na sua obra, às vezes de modo mais subtil.

O Coração Independente Vermelho (2005), um gigante coração vermelho feito de talheres de plástico que rodopia lentamente ao som de alguns dos mais conhecidos fados de Amália Rodrigues (“Estranha Forma de Vida”, “Maldição” ou “Gaivota”), é dos pontos mais marcantes da exposição. A portugalidade do nosso ADN é exposta através de dois símbolos nacionais: o Fado e a Filigrana.

Call Center (2014-2016), obra feita de telefones analógicos que disparam uma espécie de sinfonia de tiros, é uma reflexão sobre a comunicação dos nossos dias, porque “sem comunicação, morremos. Não existimos”, remata a artista.

Outro exemplo paradigmático da pop arte entranhada em Joana Vasconcelos são as cerâmicas de Rafael Bordalo Pinheiro, revestidas com rendas em croché. Visualmente estranho de se observar, a artista presta homenagem às tradições nacionais, nomeadamente elaboradas por mulheres.

A mostra termina de forma magnificente com a obra homónima que dá nome à exposição: I´m Your Mirror (2018) criada de forma específica para Serralves. A máscara veneziana, composta por 231 molduras de espelhos, ocupa praticamente uma sala inteira. É uma reflexão sobre o papel do artista no mundo ou do próprio ser humano numa procura existencial constante? “O artista tem a função de perspetivar o presente e de analisar aos seus olhos aquilo que o rodeia. Os artistas o que fazem é refletir o espaço envolvente: às vezes o passado, às vezes as suas preocupações, mas na verdade de refletir quem eles são”, sublinha a artista.

Num catálogo com 36 peças que percorrem grande parte do itinerário artístico, Joana Vasconcelos confessa ser difícil escolher uma obra preferida: “A Noiva é a peça que me coloca no mundo internacional das exposições. A Máscara é o presente, mas, emocionalmente, o Coração é uma peça da qual eu não consigo viver, assim como os sapatos são indissociáveis da minha obra”, afirma.

Para Joana Vasconcelos, uma das fórmulas do seu sucesso internacional é a comunicação emocional das peças: “Aprendi ao longo dos tempos que podemos ter uma raiz muito forte com a nossa identidade e com o nosso país. E eu tenho, mas depois a forma como se comunica tem de ser internacional e tem que ser via sentimentos. É através dos sentimentos que comunicamos a maior parte do tempo”.

“I´m Your Mirror” está patente no Museu de Serralves até 24 de junho e, de seguida, parte para a Kunsthal Rotterdam, ainda no verão de 2019.

Joana Vasconcelos nasceu em 1971 em Lisboa onde vive e trabalha. Em 2005,  participou na 51ª Bienal de Veneza, onde obteve reconhecimento internacional com a peça A Noiva. Foi a primeira e a mais jovem mulher a expor no Palácio de Versalhes, em 2012, e é atualmente uma das mais conhecidas artistas plásticas portuguesas da sua geração.

Artigo editado por César Castro