Acabar com barreiras arquitetónicas e pedagógicas, dar um enquadramento legal às instituições, formar e sensibilizar docentes e comunidades académicas e aumentar a investigação na área. São estas as principais necessidades elencadas no projeto de investigação “Ensino Superior Acessível e Inclusivo para uma Vida Independente: os estudantes com paralisia cerebral“, da autoria de Ana Catarina Correia. O estudo tem mais de um ano, mas a realidade que retrata é bem atual.

Mestre em Sociologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Ana Catarina Correia não tem dúvidas sobre o “conjunto de vantagens que só são adquiridas em contexto de Ensino Superior” por quem sofre de paralisia cerebral, por isso, vê o acesso à universidade ou politécnico como “um fator decisivo de inclusão social“.

A jovem, que também sofre da doença, destaca a contínua existência de barreiras para os estudantes com problemas de mobilidade, que são já as “clássicas”: “as questões arquitetónicas, aceder aos espaços, não ter elevadores, não ter rampas, ter dificuldade em aceder aos anfiteatros, ou até mesmo a questão das mesas”, exemplifica.

Na opinião da socióloga, nem só as questões de acessibilidade são um obstáculo. A adaptação das práticas pedagógicas é também importante. “Os meus colegas demoravam duas horas a fazer um exame e eu, para conseguir escrever à mão o mesmo exame, demoraria três”, explica. Ana Correia considera que deve ser feito um “ajuste dos métodos de avaliação“, sem cair no “erro ou perigo de estar a privilegiar o estudante”, mas, também, que o método de avaliação não seja uma “dificuldade acrescida”.

Ana Catarina Correia

Ana Catarina Correia. Foto: Notícias UP

Para a investigadora, este tipo de barreiras “só será transponível quando houver uma articulação muito forte entre as instituições de Ensino Superior, os próprios estudantes, as famílias, as comunidades envolvidas e entre as próprias associações representativas das pessoas com deficiência”. No entanto, como se verifica no projeto de investigação, a ligação entre as instituições de ensino superior e as associações de paralisia cerebral é quase nenhuma.

Ao nível normativo, a agora estudante de doutoramento, também em Sociologia, aponta a não existência de um enquadramento legal específico para as instituições de Ensino Superior. “Isso faz com que cada universidade do país, seja pública ou privada, tenha as suas próprias práticas“, afirma. Para Ana Correia, “enquanto não existir esse enquadramento que seja transversal a todas as universidades, é muito difícil falar de inclusão plena no Ensino Superior“.

Em Portugal, há universidades que têm práticas inclusivas e outras sem nada previsto. O que é comum a todo o Ensino Superior é a existência de um contingente especial para candidatos com deficiência, com 4% das vagas fixadas para a primeira fase do concurso nacional e 2% para a segunda fase. Por outras palavras, um estudante com deficiência pode concorrer ao Ensino Superior, sendo que tem prioridade na entrada se se inscrever através deste contingente. Ainda assim, Ana Catarina Correia, pela experiência pessoal, considera que, apesar de a barreira de entrar no Ensino Superior ser eliminada, “na prática, [o estudante com deficiência] não sabe muito bem com o que contar“.

O estudo aponta também para a necessidade de um “forte investimento na investigação neste domínio”. O conhecimento sobre a temática está em falta nas comunidades académicas, “nomeadamente, [entre] os docentes”. A doutoranda diz que “muitas vezes”, os professores “parecem perdidos e não sabem o que fazer com determinados estudantes, porque não estão sensibilizados para a problemática”.

Sabendo que a população com deficiência tem um conjunto acrescido de vulnerabilidades, “nomeadamente, ao nível da trajetória escolar, que muitas vezes é mínima, ou de insucesso“, a socióloga diz que foi importante perceber qual o número de estudantes que chegam ao ensino superior, o porquê, como é que estão lá, se terminam os cursos e se depois conseguem emprego.

O estudo não permitiu chegar a um número total de estudantes com paralisia cerebral a frequentar o Ensino Superior em Portugal. No entanto, partindo dos dados cedidos por algumas associações de paralisia cerebral de diferentes pontos do país, é possível verificar que o número é ainda residual. Por exemplo, no Porto das 1176 pessoas com 18 anos ou mais acompanhadas pela associação local, apenas 10 frequentavam o Ensino Superior. Em Coimbra, verificava-se o número mais alto, com 21 pessoas em 1172 utentes a estudar em escolas superiores.

“Até ao ensino secundário todos ou a maioria de nós chega, porque há um enquadramento legal e porque há a escolaridade obrigatória. No Ensino Superior, as coisas não são obrigatórias. É uma opção individual, que dependerá da trajetória e das motivações de cada um”, explica Ana Catarina Correia ao JPN.

O acesso e a frequência no Ensino Superior, por parte de pessoas com paralisia cerebral, é um tema “pouquíssimo” discutido em Portugal, apesar de, como defende a autora, este ser “um fator decisivo para as questões da cidadania, da autodeterminação, da autonomia, da consciência crítica e do aumento das probabilidades de empregabilidade“.

Realizado em dezembro de 2017, e recentemente abordado num artigo para o jornal ECO, o projeto foi cofinanciado pelo Programa de Financiamento a Projetos do Instituto Nacional de Reabilitação, I. P e realizado para a Federação das Associações Portuguesas de Paralisia Cerebral, com quem Ana Catarina Correia trabalhava na altura.

Artigo editado por Filipa Silva