O Parlamento britânico vota esta semana, pela terceira vez, o Acordo de Saída. Se Theresa May tiver a aprovação necessária, o Reino Unido abandona a União Europeia (UE) a 22 de maio. Se o Acordo voltar a não passar pela Câmara dos Comuns, os britânicos são empurrados para fora da UE já a 12 de abril, num no-deal Brexit.

Existem ainda outras duas opções possíveis: o pedido da extensão do adiamento da saída do Reino Unido (por meses ou anos) ou o pedido de revogação do artigo 50º, que implicaria uma completa reversão do processo. Em qualquer destas duas últimas hipóteses, o Reino Unido marca presença nas Eleições Europeias de maio.

As datas foram definidas pelo Conselho Europeu, na quinta-feira, em resposta ao pedido de adiamento do Brexit de 29 de março para 30 de junho, apresentado por Theresa May. Com Eleições Europeias a decorrer de 23 a 26 de maio, o Conselho Europeu quis garantir a legalidade do processo eleitoral e apressou o Brexit: 22 de maio, por ser a véspera das eleições, 12 de abril por ser a data-limite de entrega de listas candidatas ao Parlamento Europeu.

Depois desta decisão, no sábado (23) um milhão de pessoas foi para as ruas da capital britânica exigir um segundo referendo e uma petição online para revogar o artigo 50º e desfazer o Brexit reúne já mais de cinco milhões de assinaturas.

A permanência de May no cargo está também a ser posta em causa. “A primeira-ministra [May] demonstrou coragem. Mas para fechar o acordo e garantir o Brexit, precisa de se demitir”, lê-se esta segunda-feira na capa do diário britânico “The Sun”. Segundo a imprensa britânica, citando ministros e fontes do partido da May, a demissão da líder de Estado é provável (e nos próximos dez dias; os Conservadores estão já a preparar possíveis substitutos) e o Brexit terá pernas para avançar sem ela.

Com a presente instabilidade, a Comissão Europeia comunicou também esta segunda-feira já ter completado todos os preparativos para uma saída desordenada, por considerar ser “cada vez mais provável” a saída do Reino Unido a 12 de abril, sem acordo. Até esta data, o Reino Unido pode decidir se participa ou não nas Europeias. Tal como assumido por Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, não é ainda certo que o Reino Unido não faça parte da UE na altura das eleições.

Europeias à vista para os britânicos?

Num Brexit rodeado de incertezas, poucos não estarão à espera de uma reviravolta ou novo capítulo na história entre Bruxelas e Londres, mesmo com as novas datas definidas pelo Conselho Europeu. Para já, são quatro os cenários possíveis. O JPN falou com Pedro Cordeiro, editor de Internacional do jornal “Expresso”, para entender a viabilidade de cada um dos cenários e as consequências que vão ter nas Eleições Europeias de maio.

O Reino Unido abandona a União Europeia a 22 de maio

Quantos eurodeputados ganha cada Estado-membro?

Quantos eurodeputados ganha cada Estado-membro? Parlamento Europeu

A data saiu do Conselho Europeu, em resposta ao pedido de adiamento apresentado por May, de 30 de junho, e está sujeita à aprovação do Acordo de Saída esta semana.

“A Comissão Europeia não quer que o Reino Unido seja membro quando estiverem a decorrer as Eleições Europeias [de 23 a 26 de maio]”, explica Pedro Cordeiro. “Há uma preocupação em Bruxelas de proteger as instituições europeias dos distúrbios causados pelo Brexit”, considera ainda.

Apesar de a saída não ser na data inicialmente prevista (29 de março), foi para este cenário que a União Europeia se preparou ao longo dos últimos anos. Assim, no caso de se confirmar a ausência dos súbditos de Sua Majestade do escrutínio europeu, dos 73 assentos britânicos 27 vão ser distribuídos por outros estados-membros (nenhum para Portugal). O Conselho decidiu ainda deixar 46 lugares livres para possíveis novos membros. O Parlamento Europeu ficará reduzido, nestas circunstâncias, a 705 deputados até 2024.

O Reino Unido abandona a União Europeia a 12 de abril

12 de abril é a data para a saída sem acordo – significaria que May falhou em fazer passar o Acordo de Saída na Câmara dos Comuns esta semana. O dia marca também a data-limite para o Parlamento Britânico decidir se quer permanecer na UE (resta saber por quanto tempo) e participar nas Europeias, confrontado com o cenário de um no-deal Brexit.

A saída sem acordo é, na visão de Pedro Cordeiro, “uma coisa má para o Reino Unido e para a União Europeia”. Porém, o jornalista recorda que “o acordo já foi duas vezes a votos e foi estrondosamente derrotado. Até agora, [Theresa May] tem tido um poder de persuasão muito limitado em relação aos deputados, não tem maioria absoluta e mesmo o partido dela está dividido aos bocados”.

Neste caso, a perspetiva das Eleições Europeias é a mesma e mantém-se o plano até aqui estruturado: o Reino Unido sai da UE, não participa na votação para o Parlamento Europeu e parte dos seus lugares no Parlamento são redistribuídos.

O Reino Unido pede à União Europeia uma extensão do adiamento

“Qualquer adiamento que seja para lá de maio, implica que o Reino Unido participe nas Eleições Europeias”, explica Pedro Cordeiro. “Mesmo que seja para os eurodeputados serem eleitos agora e daqui a um ano estarem a ir embora, não pode haver Parlamento Europeu legal sem todos os estados-membros estarem representados”, acrescenta.

Neste caso, as Europeias deverão voltar aos moldes habituais, com os eurodeputados britânicos a reocuparem os seus 73 assentos parlamentares. Este cenário já foi também previsto pelo Reino Unido. O governo britânico reservou mais de 900.000 euros para “prevenir” a possibilidade de haver eleições.

Solução criativa?
Habituados às constantes reviravoltas do processo, também já se fala numa representação europeia “criativa”, legalmente alojada no artigo 50º. Segundo uma professora de Lei Europeia, na Universidade de Cambridge, o artigo deixa espaço para que se diga que estender os mandatos dos atuais eurodeputados qualifica-se como um “arranjo transitório”. “É provável que os novos eurodeputado sirvam apenas por um máximo de dois anos, então seria do interesse de ambos os lados encontrar uma solução criativa”, apontou Catherine Barnard, à BBC.

A ser pedida a extensão do artigo 50º, o governo de May tem de o fazer até 12 de abril.

O Reino Unido revoga o artigo 50º

O artigo 50º do Tratado de Lisboa foi acionado há dois anos pelo Parlamento britânico. No primeiro ponto lê-se: “qualquer Estado-membro pode decidir, em conformidade com as respetivas normas constitucionais, retirar-se da União”. Foi esta a decisão do Reino Unido, demonstrada no referendo de 2016, com 52% dos votos válidos favoráveis à saída do Reino Unido da UE.

Em dezembro último, já num período atribulado para o Brexit, o Tribunal de Justiça da União Europeia esclareceu que o Reino Unido pode reverter o Brexit unilateralmente – ou seja, “não precisa de pedir licença a ninguém, basta enviar uma carta para Bruxelas a dizer ‘afinal já não vamos sair, já não queremos sair’. E isso não os impede de mais tarde pedirem para sair outra vez”, expõe Pedro Cordeiro. Este cenário permitiria ao Reino Unido, sem contagem de relógio e pressão da UE, discutir de que forma quer sair e talvez, pela primeira vez, chegar a um consenso dentro de si mesmo.

A revogação do artigo 50º, em que o Reino Unido assume que quer continuar a pertencer à UE, implica que participe nas Eleições Europeias.

Contudo, apesar de legal, colocam-se questões políticas. “Tendo havido um referendo e andando nós há três anos a ouvir os governantes britânicos dizer que são a favor de respeitar o referendo, revogar o artigo 50º sem ser através de novo referendo, ou, imagine-se, umas eleições em que o partido vencedor tivesse um programa em que dissesse ‘se nós ganharmos, vamos revogar o artigo 50º’, seria politicamente muito difícil, uma coisa muitíssimo controversa”, comenta o editor do “Expresso”.

“Mesmo que viesse com as condições ‘nós revogamos agora para reativar depois’ seria sempre um fiasco”, acredita Pedro Cordeiro, e acrescenta: “Mas do fiasco já ninguém escapa”.

Artigo editado por Filipa Silva