A partir do próximo ano letivo, os estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) vão ter acesso a equipamento de auscultação digital. O projeto “Auscultação digital no ensino e treino de competências clínicas”, liderado por Elisabete Martins, começou a ser pensado na unidade curricular de Propedêutica Médica I, há cerca de dois anos.

A iniciativa não é pioneira no Porto: em 2016, o Centro de Investigação em Tecnologias e Sistemas de Informação em Saúde (Cintesis) também apresentou um simulador para o ensino da auscultação, que contou com a colaboração da FMUP. Ao JPN, a professora afirma que, embora já não haja cooperação entre o Cintesis e a Faculdade de Medicina neste programa específico, o simulador foi o “projeto embrionário”. “Agora queríamos expandir isto de outra maneira”, explica.

Uma nota histórica…

A origem do estetoscópio remonta ao ano de 1816. O médico francês René Laennec considerava constrangedor o método de auscultação direta, que implicava encostar o ouvido ao peito das pacientes. Um dia, inspirado na observação de duas crianças num parque a comunicarem através de um pau, Laennec decidiu fazer um tubo com folhas de papel e encostá-las ao peito de uma jovem, percebendo que os batimentos se ouviam muito mais claros e distintos. Estava assim criado o esboço do que viria a ser o primeiro estetoscópio.

O novo projeto de auscultação digital foi criado para responder à falta de casos reais tendo em conta o grande número de alunos que necessitam de praticar a auscultação cardíaca no ensino clínico. Elisabete Martins afirma que a auscultação cardíaca “é uma ferramenta básica da atividade médica”. No entanto, no ensino da técnica há “algumas dificuldades”, principalmente quando há “centenas de alunos”.

Os problemas maiores colocam-se nas anomalias mais raras, em que não há pacientes disponíveis para que todos os estudantes possam ter oportunidade de auscultar esses casos. Com o desenvolvimento tecnológico, é possível a criação de uma plataforma com exemplos de doentes que “traduzam a realidade da auscultação”, como explica a professora: “nem todas as auscultações são perfeitas, o que vem nas gravações comerciais são os bons casos”. Em várias situações, fatores como o excesso de peso ou problemas pulmonares podem alterar a qualidade do som auscultado, pelo que é importante dar aos alunos “essa variedade que ocorre no dia a dia”.

O equipamento permite que várias pessoas possam ouvir o som captado pelo mesmo objeto auscultatório.

O equipamento permite que várias pessoas possam ouvir o som captado pelo mesmo objeto auscultatório. Foto: eKuore/ Youtube

O projeto que a FMUP pretende implementar utiliza um equipamento composto por uma peça auscultatória, semelhante à que existe nos estetoscópios normais, que grava e permite a transmissão sem fios do som captado, sendo possível “ter várias pessoas a ouvir em simultâneo”.

O aparelho não só possibilita a criação de uma “plataforma de treino e ensino prático”, como também pode funcionar como ferramenta de avaliação. “Não tínhamos maneira de avaliar os alunos nesta competência. É muito complicado pôr 300 alunos a auscultar no final de um semestre. A auscultação digital vai permitir ter uma ferramenta de avaliação homogénea”, explica Elisabete Martins.

O grande número de alunos é um dos obstáculo no ensino prático dos médicos, que depende muitas vezes da “boa vontade dos doentes internados”. Projetos como o da auscultação digital permitem que os alunos tenham maior contacto com a prática sem incomodar em demasia os pacientes. Por isso mesmo, é importante “otimizar o sistema”, remata Elisabete Martins.

Artigo editado por Filipa Silva