A história de Julian Assange, o fundador do Wikileaks que foi detido esta quinta-feira de manhã em Londres, depois de sete anos fechado na Embaixada do Equador, é feita de altos e baixos. Herói para muitos, vilão para tantos outros, a figura do australiano está longe de ser consensual. A sua fama à escala mundial espoletou em 2010, quando a plataforma Wikileaks divulgou alegados crimes de guerra cometidos pelas forças militares norte-americanas nas guerras do Iraque e do Afeganistão.

O JPN falou com Eduardo Santos, presidente da associação de Defesa dos Direitos Digitais e João Paulo Batalha, presidente da plataforma Transparência e Integridade – Associação Cívica (TIAC) sobre o futuro de Julian Assange e sobre o futuro do Wikileaks. Que contributo deu Julian Assange com os seus leaks?

Eduardo Santos defende que Assange “não terá bem o perfil de herói, no entanto, como sabemos, ele foi preso por causa de um pedido de extradição que veio dos EUA, relacionado com o facto da Wikileaks ter divulgado materiais que provam a prática de crimes de guerra. Portanto, no que toca a estes factos, o Julian será sempre um herói”, afirma.

João Paulo Batalha corrobora esta ideia e acrescenta: “É um pouco dos dois. Ele assumiu, através da Wikileaks, um programa político de combate ao secretismo e, portanto, criou um fórum e uma plataforma para que todo o tipo de segredos fossem revelados e isso teve um efeito de arma política ao nível internacional”.

Nos últimos anos, a Wikileaks foi acusada de intervir na eleição presidencial norte-americana de 2016, na qual assumiu uma posição de oposição à candidata democrata, Hilary Clinton.

A intervenção política em que a plataforma se envolveu foi um ponto negativo, na opinião do ativista. “Ao mesmo tempo, a revelação de documentação de dados secretos sem um critério, seja jornalístico ou de interesse público ou do que for, criou oportunidades para que a própria Wikileaks fosse usada, com o seu conhecimento ou sem ele, como ferramenta em campanhas de desinformação ou de intoxicação política”, reitera.

Não obstante, o contributo de Julian Assange para a sociedade e para o jornalismo merece uma reflexão. A informação divulgada pelo Wikileaks devia seguir os tradicionais canais mediadores da imprensa ou o caminho da publicação em bruto, de que Assange é apologista?

Para João Paulo Batalha, Assange foi um precursor no campo do jornalismo, da “importância do jornalismo de dados, e foi capaz de fazer a investigação e a partilha da informação de uma forma segura e confidencial. Muito do que aconteceu de mais relevante no jornalismo, como os Panama Pappers, seguem aquele modelo que o Wikileaks de alguma maneira inaugurou”, afirma.

Mas o método escolhido por Assange, pode ser bastante questionável para o presidente do TIAC: “Edward Snowden também revelou informação de grande relevância, mas fê-lo através da mediação dos jornalistas. De alguma maneira, a atitude completamente diferente de Julian Assange, que não procura esse tipo de filtros, acaba por reforçar que nós continuamos a precisar dos jornalistas”.

“Só revelar informação por revelar, sem a filtrar e interpretar e, por outro lado, esta cultura da revelação pela revelação, faz com que a própria plataforma seja capturável para interesses obscuros que pretendam perverter democracias”, conclui João Paulo Batalha em declarações ao JPN.

Para Eduardo Santos, o contributo de Julian Assange “é bastante favorável, ainda que coloque algumas questões à forma como foi realizado, se terá sido a melhor forma de fazer os leaks… porque segundo o Wikileaks toda a informação sem filtros deve ser divulgada”, afirma.

No que concerne ao futuro do editor e criador do Wikileaks, este não parece risonho. Com a cabeça à prémio quer pelos Estados Unidos quer pela justiça sueca, Julian Assange foi  acusado de conspiração por ter participado num dos maiores rombos de informação confidencial da história norte-americana.

“Há vários países que querem apanhá-lo. Aqui era importante distinguir entre a publicação e a informação, que em si mesma pode merecer proteção. Porque a liberdade de informar deve ser protegida. O jornalista não deve ser perseguido por ter publicado a informação, senão estamos a limitar a liberdade de informar e de expressão. Mas, seguramente, vão acusá-lo e processá-lo, uma saga que vai durar bastante tempo”, estima João Paulo Batalha.

Quanto à plataforma Wikileaks, de certo terá um futuro sem o seu o seu editor e fundador original já que o “Wikileaks está sem Julian Assange há sete anos, por isso, não creio que vá mudar muita coisa”, frisa Eduardo Santos.

O Wikileaks foi fundado em 2006 por Julian Assange, que é tido como o fundador da plataforma conjuntamente com outros participantes. Nos primeiros anos, o Wikileaks esteve em evidência com a publicação de documentos sobre execuções extra judiciais no Quénia e também documentos relacionados com a prisão de Guantánamo.

Em 2010, Julian Assange partilhou documentos oficiais das guerras do Afeganistão e Iraque com vários meios de comunicação internacionais. Em 28 de novembro do mesmo ano, o WikiLeaks e seus parceiros media, “El País”, “Le Monde”, “Der Spiegel”, “The Guardian” e “The New York Times”, começaram a publicar esses documentos na imprensa, tornando Assange numa figura mundial a favor “direito à liberdade de imprensa para todos os cidadãos”, como o próprio descreve.

Artigo editado por Filipa Silva