Tem 23 anos e conta já com um percurso fora do comum. Natural de Vila Nova de Gaia, Jorge Félix Cardoso é, simultaneamente, estudante de Medicina no Porto e de Filosofia Política no Minho. Mas se antes se dedicava ao seu percurso académico, agora foca-se noutras causas: de momento, depois de uma pausa nos estudos, integra um projeto chamado ID-Europa, cujo objetivo é promover o debate europeu e apelar ao voto nas eleições europeias.

Divide os estudos por duas áreas pela vontade de “formalizar alguns conhecimentos”. Escolheu conciliar Medicina com Filosofia Política pelo interesse em aprender sobre a sociedade e conhecer as ideias que ao longo da história a foram moldando.

“Percebi que era uma área importante para pensar a ação do Estado e a forma como devemos viver em sociedade, a forma como a sociedade se organiza. O que é justo, o que não é justo, em termos de distribuição de recursos, em termos de direitos sociais e, aí sim, há uma ponte muito grande com a parte da saúde“, acrescenta.

Interromper os estudos pela causa europeia: porquê?

Depois de participar num evento da Comissão Europeia em Portugal, chamado Summer CEmp, e percebendo que as próprias instituições estavam “muito preocupadas”, decidiu começar a escrever mais acerca do assunto e a debater mais publicamente questões relacionadas com a União Europeia (UE), através das redes sociais.

Ao JPN, Jorge Félix Cardoso explicou que o estado do mundo, aliado à questão do Brexit e ao resultado de várias eleições por toda a Europa, o ajudaram a perceber que se “jogam cinco anos muito importantes do projeto da UE na próxima legislatura”. A taxa de abstenção nas eleições anteriores (que em Portugal rondou os 66%) e a falta de informação disponível acerca destes assuntos acabaram, também, por ser um motor.

Quando confrontado com os desafios mais urgentes da UE, viu-se a pensar que “se calhar não basta ir votar e ter conversas com os amigos, é preciso algo um bocado maior”, o que o levou, no seguimento de um convite do Conselho Nacional de Juventude (CNJ), a dedicar-se mais permanentemente ao projeto europeu.

O ativismo, no entanto, não é de agora. Em 2016 já representava a Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM) no Encontro Regional Europeu de Estudantes de Medicina, na Grécia, e tem desde então desenvolvido trabalho relacionado com direito e políticas de saúde.

Comunicar a Europa a quem ainda não a tem como próxima

O jovem anunciou no Facebook a sua decisão de se dedicar ao projeto, porque pretendia servir de exemplo a outras pessoas com a mesma vontade. A ausência de mais ativismo no mesmo sentido, acredita, pode dever-se a pressões na sociedade para se seguir um percurso mais cânone ou típico. “Quero, de certa forma, motivar as pessoas a participar, a ter mais coragem de ter uma ação mais cívica”, acrescenta.

Como comunica? Juntou-se à ID-Europa, um projeto do CNJ apoiado pela Comissão Europeia, onde escreve sobre assuntos europeus e promove, também, eventos de sensibilização junto dos jovens. A sua colaboração no site do Shifter, para onde já escrevia antes, foca-se agora também nas questões relacionadas com a UE.

Promove o debate europeu também a título individual, através do Twitter e do Facebook.

Depois do primeiro mês de trabalho, ainda não vê o feedback que desejava. “Estou a conseguir chegar a algumas pessoas, mas muito poucas”, desabafa. Nota um maior retorno nas redes sociais, onde já encontra um grupo de pessoas que acompanham o seu trabalho e o projeto a que se juntou.

O tema, Jorge argumenta, é muito difícil de comunicar e compreender mesmo para quem o vive no dia a dia: “É um tema que está muito perto, mas não de forma percetível, e, portanto, as pessoas têm ideia que está longe e é uma coisa com pouca influência nas nossas vidas”

Por isso, também, continua a notar nos jovens um desinteresse e um distanciamento no que às questões europeias diz respeito.

“Há mesmo uma distância muito grande entre a nossa geração e os temas da política europeia, o que não faz muito sentido”, acrescenta, apontando várias das vantagens que o projeto europeu trouxe às vidas dos jovens – como o programa Erasmus, o vasto mercado laboral e o facto das qualificações terem equivalências e serem reconhecidas em toda a Europa.

Porquê este distanciamento entre os jovens e a Europa?

Na opinião de Jorge Félix Cardodo, a principal razão recai nas lideranças políticas: reconhece que em Portugal e na Europa “tivemos gerações de líderes com grande visão” que foram capazes de construir projetos de sociedade “muito robustos”. O desaparecimento destes líderes, aliado à passividade das pessoas em relação à situação, atua diretamente na eficácia das lideranças políticas tanto a nível nacional como a nível europeu.

Vê o projeto europeu como resultado dessas lideranças visionárias, que foram capazes de transformar “prosperidade material em direitos e conquistas sociais”. Essas conquistas, acrescenta, ficam em risco quando há um enfraquecimento político que leva os cidadãos e os seus próprios países a virar as costas à Europa.

Essa é uma das consequências, acredita, que dá origem a governos mais incapazes e sociedades mais fragmentadas e polarizadas.

A ação individual também tem impacto na aproximação dos jovens com a política e com as questões europeias. Por isso, o estudante entende que a cidadania ativa “passa por muito mais que o voto”, sendo necessária um acompanhamento ativo da política nacional e internacional.

Não deixa de atribuir um papel aos media, que entende serem um motor importante na promoção e informação para as questões europeias.

“Se calhar, paradoxalmente, é mais interessante um trabalho de sensibilização junto dos jovens, mas visto pela comunicação social, mostrando-lhes que é possível fazer isto, do que propriamente o impacto direto que este projeto em si está a ter na camada jovem”, conclui.

Discutir a europa: o que é mais urgente?

Para o jovem, as alterações climáticas são atualmente o maior desafio não só para a Europa, mas também para o resto do mundo. Entende que a UE, enquanto maior bloco comercial do mundo e com uma estrutura política “apesar de tudo bastante sólida e com grande poder à escala mundial, tem uma obrigação quase moral para liderar a mudança”.

Outra prioridade, aponta, é “assegurar que a UE continua a ser um espaço de liberdade e de direitos”. Preocupa-o que não haja mecanismos capazes de exigir aos países já membros o que lhes foi exigido à entrada da união: “Os países para entrar na UE precisam de cumprir uma data de critérios, mas, depois, para se manterem cá dentro, já não há qualquer tipo de revisão”.  Essa falha, entende, permite que nenhum país já membro se veja obrigado a garantir a liberdade de imprensa e a independência dos poderes.

A Europa do futuro: por onde ir?

Jorge Félix Cardoso idealiza um futuro mais aberto à mudança e uma UE ativamente empenhada em garantir melhores condições de vida aos cidadãos. Acredita que é importante as pessoas conhecerem os políticos, para que percebam também que “nós moldamos aquilo que os políticos dizem: se a população mostrar vontade de uma ideia x, naturalmente ela começará a aparecer em partidos”.

No que às lideranças diz respeito, por outro lado, o jovem entende que são precisas pessoas capazes de “ter a coragem de propor soluções que dão perspetiva às pessoas de que o futuro pode ser melhor”.

O seu objetivo é fazer o debate europeu chegar mais longe e mostrar aos jovens a importância da sua participação cívica e política na UE. No que há liderança diz respeito, entende que “são precisos sonhos, não no sentido de coisas imaginadas, mas no sentido de objetivos políticos audazes e capazes de motivar as pessoas em direção a melhores condições de vida”.

As últimas eleições europeias foram em 2014 e, em Portugal, a taxa de abstenção rondou os 66%. As próximas estão marcadas para o dia 26 de maio.

Artigo editado por Filipa Silva