O início de um novo ano é, muitas vezes, marcado por resoluções e novos começos. Foi assim para Ana Milhazes no arranque de 2016. A professora de yoga e meditação, que esteve na National Geographic Summit, no Porto, partilhou com o público o momento decisivo em que mudou o seu estilo de vida: “Estava a separar o lixo quando pensei: ‘Como é que é possível? Tu que és uma pessoa tão preocupada com o ambiente e ainda fazes esta quantidade de lixo. Tens já que fazer alguma coisa”.

Determinada a mudar, Ana procurou informar-se sobre como poderia seguir um estilo de vida livre de lixo e foi aí que encontrou o blogue de Bea Johnson, Zero Waste Home, e decidiu comprar o seu livro homónimo. “Quando comecei a ler o livro, identifiquei-me totalmente”, contou a ativista ao JPN.

Ana Milhazes apercebeu-se que de 2011 a 2016 já tinha reduzido muito do lixo que fazia, sem saber, por ter adotado um estilo de vida minimalista. “Deixei de comprar imensas coisas que comprava. Eu era bastante consumista em algumas áreas da minha vida. Nomeadamente, roupa e sapatos. Era completamente viciada em compras. É sempre estranho dizer isto, porque eu acho que estou a falar de outra pessoa. Mas era eu”, recorda.

Como os comportamentos sustentáveis que tinha não chegavam, partiu para a redução do lixo com “dois grandes focos, que eram a parte das embalagens alimentares e a parte do lixo indiferenciado”. Este último é que a ativista “queria mesmo atacar”.

Na altura, Ana notou que era pouca a informação disponível sobre o assunto em Portugal, em comparação com a América do Norte ou o Norte da Europa. Através do seu blogue – Ana, Go Slowly – e do Facebook, a ativista decidiu criar um movimento Lixo Zero em Portugal, para unir as pessoas interessadas: “quis perceber se havia pessoas que estavam a tentar viver o mesmo estilo de vida que eu”.

Ana Milhazes é embaixadora do movimento Lixo Zero Portugal.

Ana Milhazes é embaixadora do movimento Lixo Zero Portugal. Foto: Catarina Moscoso

Sobre as dificuldades que encontra em Portugal, a ativista acrescenta que hoje já é mais fácil adotar este estilo de vida, se estivermos a falar de grandes cidades. Uma vez que nos meios mais pequenos há uma maior dificuldade em encontrar produtos sustentáveis criados recentemente. Por vezes, é necessário fazer compras online, o que se torna numa escolha difícil de tomar, pois é um processo que envolve transportes intercontinentais e isso implica consequências ambientais.

“Se pensarmos bem, a maior parte dos bens que nós consumimos, nós conseguimos continuar a usá-los, mas reduzir imenso a quantidade que usamos”, afirma.

Ana defende a ideia de que devemos voltar a tempos mais simples, como o dos nossos avós, desde as compras em “mercearias antigas, que sempre existiram e o Porto sempre teve” à reutilização que na altura se devia às dificuldades económicas. A ativista, que até produz o seu próprio detergente da roupa, relembra quando a sua avó começou a usar plástico: “ela tinha sacos plásticos, mas ela lavava e dava às pessoas, e as pessoas devolviam-lhe. Portanto, havia essa consciência, também, de reutilizar as coisas.”

Ana Milhazes afirma, ainda, que com a transição para o estilo de vida lixo zero existe uma perceção de que não é necessário comprar tantos produtos como dantes: “há muitas invenções da nossa sociedade que não são necessárias. Eu faço muitas limpezas de praia e uma coisa eu apanho muito nas limpezas são aqueles suportes que são colocados na sanita para dar cheiro. É uma coisa que do meu ponto de vista deveria deixar de existir porque aquilo não serve para nada.”

Naturalmente, esta transição implicou alterações à sua vida social. Contudo, a professora não deixou de comer fora ou de estar com os amigos: “Eu não imponho nada a ninguém. Para mim, obviamente que sim, eu quero viver desta forma e, portanto, também exijo que os outros o respeitem”.

Sempre equipada com uma garrafa reutilizável, um conjunto de talheres e um guardanapo de pano, Ana faz prevalecer as suas ideologias. Já chegou, não intencionalmente, a influenciar amigos, e até estranhos, a adotarem alguns dos seus hábitos: “acontece muitas vezes com amigos meus que vão ao supermercado e estão a pegar em coisas embaladas e veem-me, é como se eu aparecesse lá no meio das prateleiras, e dizem que muitas vezes saem do supermercado e não conseguiram comprar nada”.

Ana Milhaezs na National Geographic Summit, que decorreu na Casa da Música.

Ana Milhaezs na National Geographic Summit, que decorreu na Casa da Música. Foto: Catarina Moscoso

Os princípios básicos deste estilo de vida passam por: recusar, reduzir, reutilizar, reciclar e rot (decompor). Estas são as regras que ditam os comportamentos de Ana Milhazes. Todo o lixo produzido não reciclável é contabilizado, incluindo aquele adquirido fora de casa. Embora não frequente cadeias de fast food, onde o plástico descartável é excessivo, tem o sonho de um dia entrar num estabelecimento e exigir uma refeição sem qualquer plástico, servida nos seus próprios recipientes.

A adesão a este estilo de vida em Portugal é crescente nos últimos anos. Ana repara que, hoje, as pessoas que a atendem nos restaurantes e cafés já olham para ela com alguma naturalidade e percebem as especificações que faz nos seus pedidos. “Já começam a receber clientes que fazem um bocadinho os mesmos pedidos que eu, ou também porque veem na televisão ou veem as notícias nos jornais e, portanto, de alguma forma, já acabam por estar um bocadinho mais sensibilizados”, explicou a ativista.

“Hoje em dia posso dizer que vivo totalmente de acordo com aquilo em que acredito. Tenho uma profissão que eu gosto, em que posso viver devagar e em que posso viver de acordo com a minha natureza e com a natureza do planeta”, remata.

Quanto às crianças a quem contou a sua história na Summit Junior, está confiante de que conseguiu passar a sua mensagem: “se não vão mudar já hoje, pelo menos acredito que fica lá uma sementinha e que mais tarde, quando elas virem alguma notícia ou virem alguma coisa, elas vão, de facto, mudar e dar aquele primeiro passo”.

Contra Ana Milhazes fica apenas um penso rápido ao qual teve inevitavelmente de recorrer e certos medicamentos que não são comercializados em vidro. “Também não vamos prejudicar a nossa saúde. O que eu tento fazer muito é apostar na prevenção. À partida, uma boa alimentação já faz essa prevenção, mas às vezes é preciso alguns suplementos [naturais]”, concluiu.

Quando quer uma garrafa de água, às vezes, acaba por simplificar e pede água da torneira.

Artigo editado por Filipa Silva