Associamos as apostas ao casino, mas hoje as plataformas online tornaram a prática disponível a quase todos. O JPN falou com apostadores anónimos e um profissional, Paulo Rebelo, e o psicólogo João Vedor sobre o fenómeno das apostas online e os riscos que as acompanham.

Simples cliques conseguem movimentar milhares de euros. Assim é o mundo das apostas online. Autênticos casinos disponíveis 24 horas por dia, que permitem que os jogadores apostem a qualquer hora, em qualquer lugar, desde que tenham acesso à internet. No ano passado, 380 mil novos jogadores registaram-se em plataformas de apostas online em Portugal e já há nove entidades autorizadas a exercer a atividade no país.

A par do jogo, vem o vício e esse não é um exclusivo do gaming online, como o comprova Joana (nome fictício), uma antiga apostadora, hoje com 60 anos, que aceitou partilhar o seu testemunho com o JPN.

O vício do jogo levou-a “anos a fio a um sítio [casino] onde não queria ir, mas onde ia e gastava rios de dinheiro”. O que começou por ser um passatempo, de uma ou duas horas, tornou-se a sua rotina. Contraiu dívidas de milhares de euros por causa do jogo, primeiro num casino físico, mais tarde em jogos de apostas online.

Em 2018, a Organização Mundial de Saúde reconheceu o vício do jogo online e videojogos como uma doença. Uma adição, como outras, mas com características particulares como explica ao JPN o psicólogo clínico e da saúde João Vedor.

O terapeuta lida com múltiplos casos de jovens que acabam por não lidar bem com o vício do jogo online e pedem ajuda especializada.

Ir ao casino sem sair de casa

O lugar mais importante do mundo. É assim que Joana se refere ao casino, “onde tudo é estudado ao milímetro: da música à colocação das máquinas”. Foi no casino que apostou na sorte e deu os primeiros passos no mundo do jogo.

Rapidamente, perdeu o controlo da situação e “entrou numa espiral muito estranha”, conta pelo telefone ao JPN a partir do Algarve. O horário flexível do emprego permitia-lhe “estar lá desde a hora de abertura [normalmente a meio da tarde] até à hora que entendesse.”

Mas o vício de Joana transportou-se de um espaço físico para as plataformas online, quando uma amiga lhe explicou como funcionava o jogo na internet. “Percebi que poderia ir ao casino sem sair de casa e se algum familiar me telefonasse, por exemplo, eu podia atender. Nunca mais houve aquele problema de não responder a chamadas, como acontecia no casino”, explica.

A facilidade com que adquiria créditos virtuais através um cartão VISA levou a que Joana contraísse diversos empréstimos e, consequentemente, dívidas de milhares às entidades bancárias. O descontrolo emocional era tal que a antiga apostadora confessa que chegou a pensar em cometer suicídio, porque não “entendia como gastava quantias tão grandes de dinheiro”.

A ansiedade em que vivia era notória e os familiares começaram a perceber a gravidade da situação. “Um dia um familiar confrontou-me e marcou-me uma consulta com um psicólogo.”

João Vedor explica alguns dos sinais que alertam para a existência de uma compulsão.

O plano proposto pelo terapeuta de Joana começou pela interdição. Joana pediu a autoexclusão (o jogador, a seu pedido, fica proibido de entrar e jogar no casino) e teve de entregar todos os cartões bancários e fechar as contas online. Foi o início de um longo processo de recuperação, que afastou o jogo da vida de Joana há mais de 10 anos.

O dinheiro virtual é uma das características do jogo online que faz com que seja fácil a um jogador perder a noção da realidade. “parece uma fantasia em si”, alerta João Vedor.

Quase 40% dos apostadores têm menos de 34 anos

Os dados do Serviço de Regulação e Inspeção dos Jogos mostra que o Porto é a cidade com mais apostadores online.

Em 31 de dezembro de 2018, os jogadores com idades compreendidas entre os 25 e 44 anos representavam 62,1% do total de jogadores registados online, mantendo-se, face ao período homólogo, como predominante o grupo dos 25 aos 34 anos (38,8%). Na mesma data, os indivíduos entre os 18 e os 24 anos representavam um quarto do total de jogadores registados.

Daniel (nome fictício) enquadra-se no perfil. O jovem de 30 anos, residente no Porto, joga online há cerca de três anos. Todos os dias aposta valores na ordem dos 20 euros em diferentes desportos, sobretudo no futebol. O Placard online é a plataforma que mais utiliza.

O trabalho como empregado de café é partilhado com o hobbie das apostas. O entretenimento ao longo do dia e os possíveis ganhos são as grandes motivações deste apostador, que “quer perca, quer ganhe” vai continuar a apostar.

Já Afonso, que também pediu para não se identificar, costuma gastar, diariamente, 10 euros em apostas online. Entrou no gambling virtual através de um grupo de amigos, que o introduziu no mundo das apostas na internet.

 

O jovem de 27 anos, a viver no Grande Porto, explica que o facto de os jogadores procurarem as odd’s mais altas, leva muitos jogadores a apostarem em casas ilegais, que têm ofertas melhores do que as casas registadas legalmente em Portugal.

O psicólogo João Vedor relembra que os indivíduos com idade inferior a 21 anos têm maior propensão para comportamentos aditivos de risco. Segundo o clínico, só a partir dos 21 anos é que o córtex pré-frontal se encontrará completamente desenvolvido, o que leva a que muitas vezes os jovens assumam comportamentos de risco.

“A maioria aposta de forma ilegal”

E podem as apostas desportivas online ser mais do que um simples passatempo? Para Paulo Rebelo sim. O conceituado apostador profissional vive com os lucros que advêm do trading

O gaiense iniciou-se no mundo das apostas antes de entrar para a Faculdade de Economia do Porto, em 1999, quando tinha 17 anos. Percebeu que tinha ganhos consistentes e dedicou-se de corpo e alma ao trading das apostas desportivas. Atualmente, faz parte de uma minoria que faz do jogo uma profissão.

Paulo Rebelo considera que a atual legislação portuguesa sobre as casas de apostas e a exploração do jogo online não é a mais adequada. Foi esse um dos motivos que levaram o apostador português a criar, juntamente com outros apostadores, a Associação de Apostadores Online.

A maioria dos apostadores em Portugal apostam de forma ilegal“, a principal razão deste desequilíbrio é a “taxação” que o Estado impôs à casa de apostas, considera Paulo Rebelo.

Já Afonso acredita que a legislação deveria ser mais apertada. “Conheço pessoas que começaram a jogar antes dos 18. É muito simples criar uma conta. Qualquer pessoa consegue fazer isso”, referiu na entrevista ao JPN.

Apesar do número de jogadores registados em plataformas de apostas online ter aumentado em 2018, Paulo Rebelo deixa o alerta sobre as perdas que a maioria dos jogadores enfrenta. “De longe, a grande maioria dos apostadores perde dinheiro“, observa, usando o futebol como analogia.

Quando alguns jogadores veem as dívidas a aumentar e se apercebem que as apostas se tornaram numa adição, podem optar pela autoexclusão, como Joana fez há muitos anos já. No final do ano passado, 25 mil  jogadores pediram a autoexclusão das nove plataformas online de apostas permitidas em Portugal.

Além de poder pedir a autoexclusão dos sites licenciados pelo Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ), qualquer pessoa pode também pedir apoio psicológico através da Linha Vida (1414), um serviço anónimo e gratuito. Existem, ainda, grupos de interajuda distribuídos por vários pontos do país, onde quem quiser pode partilhar a sua experiência com o jogo.

O Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) tem uma rede de respostas para a área das “dependências sem substância”, onde se enquadra o jogo. Tal ajuda está disponível nos Centros de Resposta Integrados espalhados por todos os distritos. Estes centros também têm disponíveis consultas de prevenção, para evitar que a dependência se instale.

Artigo editado por Filipa Silva