A decisão governamental de cortar, este ano letivo, 5% das vagas das instituições públicas de ensino superior de Lisboa e do Porto “não produziu os efeitos desejados”, conclui um estudo do Edulog, um think tank da Fundação Belmiro de Azevedo, dedicado à investigação e debate na área da Educação. O estudo vai ser apresentado na quarta-feira, em Matosinhos.

A eficácia da medida governamental, que tinha como objetivos “aprofundar a coesão territorial e equilibrar a distribuição de vagas no ensino superior” em Portugal, é questionada pelo trabalho, reforçando a ideia de que as instituições do Interior não foram beneficiadas pela medida.

O estudo questiona, por exemplo, porque é que 52% das 1066 vagas retiradas a Lisboa e ao Porto foram “redistribuídas pelos distritos de Aveiro, Braga, Coimbra e Viana do Castelo”. “Estes distritos não só não podem ser considerados ‘interior do país’, como dispõem de instituições com boa capacidade de atração de alunos”, refere o trabalho.

Interior precisa de mais do que vagas

No interior do país, algumas instituições públicas observaram um aumento no número de alunos inscritos (casos da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, com mais 81 alunos, e da Universidade de Évora com mais 26), mas muitas mais registaram perdas.

Os politécnicos do interior, apesar de terem aberto mais 245 vagas, registaram menos 248 alunos inscritos. Veja-se o exemplo do Instituto Politécnico de Bragança, que abriu mais 95 vagas graças ao decreto governamental, mas viu inscritos menos 48 alunos do que no ano anterior. Guarda, Leiria e Portalegre são também exemplos desta tendência.

Para Alberto Amaral, coordenador científico do Edulog, os dados mostram que estas instituições “podiam ter aumentado os numerus clausus para o dobro que não adiantava nada”. “O Ensino Superior não basta para criar desenvolvimento económico”, afirmou.

Para o especialista, que lidera também a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), não se pode “forçar” os alunos a irem para o interior enquanto o tecido económico não tiver resposta para dar aos diplomados: “Isto agravou-se no Interior, em particular, porque na sequência da crise houve uma certa racionalização dos serviços públicos e acabaram com hospitais, com tribunais, a banca fechou balcões e isso é que dava emprego qualificado. O emprego qualificado diminuiu no interior, e enquanto isso não for invertido vai ser muito difícil fixar pessoas no interior”, comentou ao JPN.

Benefícios para o ensino privado

O estudo do Edulog questiona também “se esta medida não terá apenas beneficiado as instituições privadas” das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto (ideia que é contrariada pelos responsáveis do setor). O documento, a que o JPN teve acesso, sublinha o facto especialmente no Porto, onde o setor representa 43% da oferta formativa.

Menos alunos em 2018/2019

Em Portugal, inscreveram-se na primeira fase do Concurso Nacional de Acesso, no presente ano letivo, menos 1.228 alunos no Ensino Superior Público. Uma quebra registada fundamentalmente no subsistema politécnico. O estudo da Edulog nota, porém, que os dados dizem respeito unicamente à primeira fase (sendo a primeira a mais concorrida das três), tendo a quebra sido compensada pelo aumento do número de alunos estrangeiros (+1.068) e de inscrições nos Cursos Técnicos Superiores Profissionais (+1.441).

O que leva Alberto Amaral a defender duas coisas: uma é que “não faz sentido” ter cortado a mesma percentagem de vagas tanto em Lisboa como no Porto, quando a oferta do setor público é muito mais robusta na capital (os privados representam 30%). A segunda é que “devia haver mais setor público no Porto”, na opinião do antigo Reitor da Universidade do Porto.

“Essa oferta devia ser reforçada de duas maneiras: ou reforçando os numerus clausus existentes ou criando uma nova [instituição de ensino superior público]” no Porto.

Algarve e Norte são as “pior” servidas

O estudo avaliou também a distribuição de vagas do ensino superior público por região e por mil habitantes para concluir que esta está “razoavelmente equilibrada”, registando a região Centro (onde se concentram as universidades de Coimbra e Beira Interior e vários politécnicos) “alguma vantagem” com 6,2 vagas por mil habitantes.

A região do Algarve (3,3) e a do Norte (4,1) e Alentejo (4,2) são as pior servidas.

Correções? “Naturalmente”

O despacho que vai fixar as vagas do próximo ano letivo ainda está a ser preparado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) e só deve ser conhecido em junho (a primeira fase de candidaturas abre a 17 de julho).

É sabido que o modelo de corte de vagas está a ser estudado por um grupo de trabalho liderado pelo presidente da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior, João Guerreiro, que estará presente na apresentação do estudo da Edulog.

O MCTES pondera, assim, rever o modelo implementado, como avançou o jornal “Público” em março.

Alberto Amaral, especialista em políticas do Ensino Superior, está à espera que sejam introduzidas alterações. “Ao verificarem quais foram os resultados, naturalmente que deverá haver correções”, afirma.

Na cidade do Porto, a aplicação do Despacho nº 5036-A/2018 conduziu ao corte de 209 vagas na Universidade do Porto, 115 no Politécnico e 13 na Escola Superior de Enfermagem da cidade.

O estudo do Edulog vai ser apresentado às 21h30 da próxima quarta-feira no auditório do Colégio Efanor, em Matosinhos.