Débora Umbelino é natural de Leiria e domina vários instrumentos, mas não é pelo nome com que veio ao mundo que o país a conhece. Surma nasceu há cerca de quatro anos. O projeto, em jeito de one woman band, já a fez percorrer a Europa e a América do Norte.

A sua música experimental saltou do quarto para os principais palcos portugueses. Este ano, levou-a até ao Festival da Canção e ao NOS Primavera Sound. O JPN esteve à conversa com a criadora desta sonoridade etérea e intemporal no Parque da Cidade do Porto.

De onde surge o nome Surma?

O nome Surma surgiu através de um documentário que eu estava a ver na altura, sobre tribos indígenas da Etiópia. Já tinha um caderninho com vários nomes a acontecer, mas Surma ficou-me e os rituais que eles tinham eram tão interessantes… Eles não ligam a nada a bens materiais, vivem a vida como ela é, simples e ao natural. Decidi, também, ligar essa parte humana ao projeto que eu queria fazer, ser muitas pessoas e ser muito do mundo. Acho que me ficou tantos meses na cabeça que acabei por desistir dos outros e ir para a frente com o nome Surma.

O Festival da Canção foi inacreditável, já ia outra vez, sem sombra de dúvida. E a Snu foi outra experiência inacreditável.

De onde surge este alter-ego, onde vais buscar as inspirações para a música, para a personagem e para o ambiente misterioso que tem?

Eu acho que a Surma é a verdadeira Débora, sinceramente. Posso dar tudo aquilo que eu não sou enquanto estou contigo. Eu tenho um modo um bocadinho dark side quando estou em casa e acho que a Surma é essa mesma Débora fora do meio social a que está habituada. Faço tudo o que me apetecer, é o subconsciente, o que vem de dentro. O lado misterioso da Débora. Tento explorar ao máximo essas mesmas partes misteriosas e obscuras que tenho dentro da minha cabeça e a Surma deu-me essa liberdade de as transmitir para as pessoas.

Há dois anos, apenas uma pequena parte da população portuguesa conhecia o teu nome. Agora, conhecem muito mais do que isso. Como é experienciar um contraste tão grande em tão pouco tempo?

Eu não tenho muito essa noção. Eu levo isto muito com calma e não gosto dessa coisa da fama. É incrível ter esse reconhecimento por parte do pessoal e é muito gratificante saber que me reconhecem, que a palavra passa tão bem. Já tive agora ali malta que veio ter comigo a dizer que gostou muito do concerto e a perguntar “podemos tirar uma foto?”, e eu, “uau, isto está mesmo a acontecer”. Eu vejo isso muito na brincadeira: “olha, que fixe, ‘bora tirar uma foto, também quero tirar uma foto contigo”. É muito diferente, mas também é interessante ver esse lado. Gosto muito disso.

Participaste no Festival da Canção, trabalhaste a banda sonora do filme “Snu”. Como viveste essas experiências?

O Festival foi uma experiência incrível. Eu não estava nada à espera de ter sido… A malta criou um ambiente tão familiar e tão não competitivo, que foi mesmo muito bom estar lá. No final já todos nos tínhamos esquecido completamente que aquilo era votação, porque a malta está ali mesmo para mostrar o trabalho dela. O Festival da Canção foi inacreditável, já ia outra vez, sem sombra de dúvida. E a Snu foi outra experiência inacreditável. O convite foi da Patrícia Sequeira, que é uma realizadora que admiro imenso. Ela quis ligar o facto de ser um filme da época com a época mais moderna nórdica e chamou-me para isso. E acabou por resultar bastante bem.

Em setembro e outubro, prometo por tudo que vou lançar um EP novinho.

O ano passado atuaste em vários países europeus. Houve algum que tenhas gostado mais, algum público que te tenha feito sentir mais em casa?

Todos os países e todos os públicos que eu já tive a sorte de conhecer deram-me sempre experiências diferentes e outra maneira de ver as coisas. Foi sempre muito diferente e muito especial para mim. Não consigo escolher nenhum em específico; senti-me em casa em todos. Mas, América e Islândia, eu senti-me no meu quarto. Pode ser essa a comparação. Senti mesmo que estava lá com os meus pais. Mas em todo o lado tem sido inacreditável a adesão. E o amor que tenho sentido por parte do público… Lá está, sinto-me como se estivesse em Leiria. É muito estranho, mas é incrível.

O Antwerpen já saiu há mais de um ano e meio.

É. Daqui a pouco já vai fazer dois. Eu tenho falhado com vocês, malta.

Agora, tencionas parar um pouco, respirar, compor, gravar um novo trabalho?

Sim, sim, sem dúvida. Já estou a fazer coisas novas. Em setembro e outubro, prometo por tudo que vou lançar um EP novinho. E vai haver por aí coisas novas a acontecer, vocês merecem. O Primavera é o fechar do ciclo do “Antwerpen”; talvez em setembro comece a tocar aí ceninhas novinhas, assim de raiz.

Nos últimos anos, percorreste os principais palcos portugueses. Há algum sonho que já tenhas conseguido concretizar?

Só o simples facto de sair de Leiria e tocar por todo o lado já é um sonho tornado realidade. Eu costumo dizer que estou totalmente realizada. Nunca na vida pensei tocar no Primavera. Sendo eu uma festivaleira assídua, desde o primeiro ano, e pensar “uau, deve ser tão incrível tocar num palco destes e num festival destes”, estar nesse papel é do género: “o que é que se está a passar?”.

Então o que é que falta fazer?

Eu acho que falta fazer tudo. Músicas novas. Crescer enquanto artista. Falta sempre fazer tudo, não é? Mas eu acho que, para mim, enquanto realização pessoal, já está 100% realizado. Estou tão feliz. Já toquei em tantos sítios incríveis. Tem sido mágico.

Como alguém que sempre lutou pelos próprios sonhos e que conseguiu ser bem-sucedida, o que dirias a todos os jovens com o sonho de seguir o caminho da música?

Isto vai ser um bocado lame, mas não desistam de vocês e sejam sempre vocês próprios. Não tentem imitar aquela banda ou aquele músico. Se quiserem fazer uma música com um caixote do lixo, façam. O que interessa é ser original e criativo. E seres tu mesmo. Eu sempre vi a música um bocadinho como segunda opção. Eu queria seguir medicina, o que acabou por não acontecer, por as minhas notas serem baixas. Só então tive uma epifania: “ok, se calhar a música é mesmo o que me faz feliz”; andava um pouco deprimida na altura e quando agarrava num instrumento ficava felicíssima. E foi essa epifania que eu tive aos 18 anos que me fez perceber que é isto que eu quero fazer para o resto da minha vida, não me vejo a fazer mais nada. E é isso que a malta tem que sentir. É ir. É arriscar tudo. É não ter medo.

A música era quase em escape?

Era um escape, sim. Agora, é tudo para mim. Sempre foi, mas agora é ainda mais. Não faço nada sem música. É o meu mundo, é a minha vida.

Costumas atuar sozinha, mas hoje introduziste outros elementos. Qual é o seu papel?

Eu atuo sempre sozinha, sim. Costumo é introduzir [outros elementos em palco] assim em festivais grandes. Gosto de fazer coisas novas e colaborar assim com malta que me é muito querida. Por exemplo, o João Hasselberg foi meu professor de contrabaixo e sempre o admirei muito enquanto músico. Enquanto pessoa é um amor de rapaz, sempre quis colaborar com ele e este festival foi a oportunidade para isso. Já toquei com ele no Elétrico da Antena 3 e perguntei-lhe: “Hassel, vens comigo ao Primavera?” e ele aceitou logo. E o Guilherme [Leal] e a Catarina [Godinho], já trabalho com eles desde 2017, do videoclipe da “Hemma”. Também os levei ao Festival da Canção e sinto necessidade de os trazer para estes festivais grandes, para eles, também, terem o devido reconhecimento que merecem.

Artigo editado por Filipa Silva