Eu ouvi falar pela primeira vez de Universíadas em 2003. Isto porque na altura namorava com o Pedro e ele esteve nas Universíadas de 2003, em Daegu [Coreia do Sul].

Em 2007, tive a oportunidade de estar eu própria numas Universíadas, em Banguecoque e foi aí que senti realmente o que eram as Universíadas.

Fiz uma viagem que nunca mais esqueci, porque foi a minha primeira grande viagem e porque, além de ir para as Universíadas, na altura viajei com dois colegas meus – a Jéssica Augusto e o Gabriel Abrantes – porque éramos os únicos atletas que assim que terminassem as Universíadas iam viajar para o Japão, para Osaka, para participarmos no Campeonato do Mundo de Atletismo.

Quando chegamos a Banguecoque, logo no aeroporto, estava tudo repleto de cartazes referentes às Universíadas. Foram quase os meus primeiros Jogos Olímpicos. Claro que de uma forma ligeiramente diferente, porque era só para estudantes.

Tinha 21 anos. Foi altamente marcante e motivador poder estar num evento daquele género, tão distante. E depois foi a primeira vez que fiquei numa aldeia olímpica, não olímpica, mas destinada a todos os participantes. Ficamos todos juntos, na comitiva portuguesa, e foi um momento que nunca mais esqueci na minha vida.

Estava no início da minha carreira. Já corro há muitos anos – desde os 9 – mas tornei-me atleta profissional precisamente em 2007. Precisamente nesse ano. Foi o início de uma carreira a sério. Eu tinha feito mínimos também, dois meses antes, para os Jogos Olímpicos de 2008, coincidiu praticamente com o início de tudo.

Nápoles quase a começar

A 3 de julho, quarta-feira, começa a 30ª edição das Universíadas de Verão, que este ano vai ter lugar em Nápoles, na Itália. O meior evento multidesportivo do mundo, depois dos jogos olímpicos, vai voltar a contar com a participação de Portugal, que desta vez levará uma comitiva de 72 atletas.

A competição prolonga-se até 14 de julho.

Recordo-me bem, porque foi um misto de emoções: “Ei! Agora é que sou uma atleta a sério, vou fazer disto a minha vida”. E foi isso que aconteceu: a partir de 2007, o atletismo passou a ser só a minha vida.

Estudava Fisioterapia na Escola Superior de Tecnologias da Saúde do Politécnico do Porto. Quando entrei na universidade, a minha prioridade era a fisioterapia. O atletismo ficou um bocadinho parado. Entrei em 2005 e fiz o primeiro ano. Em 2006/2007 é que fiquei apenas com uma cadeira precedente, não pude transitar para o segundo ano e isso deu-me mais tempo para treinar e apostar a sério no atletismo e depois as coisas começaram a correr tão bem… fiz logo mínimos para os Jogos Olímpicos nesse ano e o curso depois ficou em segundo plano.

Fui às Universíadas e, apesar de ter ficado ligada à escola, nunca mais apostei a sério na faculdade e depois, por mil e uma razões, o curso acabou por ficar pendente e nem sequer o terminei.

Nós tivemos muito azar com as condições na aldeia, apesar de ter sido a primeira vez que tive numa e de ter achado aquilo tudo um espetáculo, as condições eram muito más. Não havia ar condicionado e estava muito calor. Acordávamos de madrugada, assim que o sol começava a nascer, porque não havia cortinas nos quartos. Dormíamos muito pouco. Estava muito calor para treinar. Foi a primeira vez que experimentei aquela humidade na Ásia, que me custou bastante na altura, mas como estava naquele estado de “wow” por estar numas Universíadas, na altura, tudo era bom. Tudo era positivo. Queria era aproveitar o momento! Não reclamei de nada. Hoje tenho essa consciência, porque puxo a cassete atrás e tenho a noção de que as condições eram horríveis. Havia bichos nos quartos, aquelas osgas andavam nas paredes, a aldeia tinha vários riachos a passar com peixes mortos e um cheiro horroroso. Hoje recordo dessa forma o que vivi lá, mas lá, vivi de forma muito intensa, conheci muitos atletas da comitiva portuguesa e não só. Vivi aquilo de forma muito intensa.

E na Ásia, a parte da organização, das composições das cerimónias de abertura e encerramento, foi tudo preparado ao pormenor. Apesar de tudo – da dificuldade em dormir, do treino, da língua – acabei por aproveitar bastante.

Sara Moreira participou em provas de 3 mil metros obstáculos e 5 mil metros planos em Universíadas.

Sara Moreira participou em provas de 3 mil metros obstáculos e 5 mil metros planos em Universíadas. Foto: FADU

Basicamente, fui quarta classificada nos 3 mil metros obstáculos, que era, na altura, a minha distância de eleição, foi nessa distância que consegui mínimos para estar nos Jogos Olímpicos em 2008 e fui quarta classificada. Foi complicado para mim. Apesar de ter sido um bom resultado, eu perdi a medalha mesmo quase em cima da meta e fiquei triste, porque senti que podia ter ganho uma medalha.

Acho que estava demasiado deslumbrada com aquele momento e não fui suficientemente capaz de conseguir lidar com aquela sensação de “vou conseguir, vou conseguir uma medalha” e, na parte final, a atleta veio de trás, eu não estava nada à espera, e fui quarta.

Recordo-me perfeitamente de ter ficado triste, apesar de um quarto lugar ser bom numa estreia numas universíadas, mas fiquei tão triste que pensei: daqui a dois anos eu tenho de conseguir uma medalha. Tenho de conseguir, porque mereço e não vai acontecer o que aconteceu aqui hoje.

Não fazia ideia onde iam ser as Universíadas daí a dois anos, mas foi o sentimento que tive. Isto não vai ficar assim! E, felizmente, dois anos depois, em Belgrado, não consegui só uma, mas duas medalhas de ouro.

Em Belgrado, Sara Moreira conseguiu o que ainda ninguém tinha conseguido por Portugal: duas medalhas de ouro nas mesmas Universíadas.

Em Belgrado, Sara Moreira conseguiu o que ainda ninguém tinha conseguido por Portugal: duas medalhas de ouro nas mesmas Universíadas. Foto: D.R.

A minha aposta nessas Universíadas eram os 3 mil metros obstáculos que, nessa altura, ainda era a minha distância de eleição. Entretanto, havia também a possibilidade de fazer os 5 mil, mas a prova seria só depois dos 3 mil obstáculos. Então, o meu pensamento foi: “vou-me concentrar nos 3 mil obstáculos, vou-me apurar para a final e depois da final decidirei se vou ou não aos 5 mil”.

Os obstáculos correram tão bem que ganhei e pensei: “não tenho nada a perder, portanto, vou arriscar e vou aos 5 mil”. E assim fiz. A final era direta e foi logo no dia seguinte aos 3 mil. Foi sem intervalo, mas foi porque realmente já estava leve, já tinha conseguido o meu objetivo, que era ganhar uma medalha, que foi logo a de ouro e pensei: “porque não arriscar?” Vi a lista de participantes e decidi participar. E em boa hora o fiz, porque fui também ganhar a medalha de ouro.

Subir ao pódio foi um momento emocionante. Foi a primeira medalha de ouro que consegui por Portugal ao nível internacional e foi muito importante para mim. A única coisa que me deixou triste na altura foi que nas Universíadas não tocam os hinos nacionais [nas cerimónias do pódio], tocam o hino da FISU e na altura entristeceu-me, porque queria ouvir o hino do meu país, mas o momento em si é emocionante. Lembro-me perfeitamente, porque realmente é a sensação de dever cumprido e a sensação de teres sido capaz de concretizar um objetivo. Recordarei para sempre.

Naquela altura foram medalhas muito importantes, apesar de eu ter consciência de que umas universíadas não são um campeonato do mundo ou uns jogos olímpicos. Foram importantes, porque foram uma afirmação da minha parte. Toda a gente percebeu que foram bons resultados e que, provavelmente, estaria ali uma atleta para o futuro. E felizmente foi isso que aconteceu. Consegui depois bons resultados. Fui entretanto campeã da Europa também. Nunca consegui uma medalha de nível mundial, mas consegui bons resultados. Nesse ano, por exemplo, no Campeonato do Mundo de Berlim consegui um nono lugar numa final dos 5 mil metros. Não é equivalente, mas é um excelente lugar.

Foi importante para mim, mais do que tudo. Foi importante para perceber que era possível e que devia acreditar que quando me proponho a um objetivo, como fiz dois anos antes, se lutar e trabalhar para ele é possível consegui-lo. Foi a lição que tirei dessas universíadas.

Além dos resultados e da lição foram umas universíadas em que não aproveitei muito. Não teve nada a ver com 2007. Estivemos quase 15 dias em Banguecoque. Em Belgrado não, porque as universíadas coincidiram com uma altura em que estava em grandes competições extra-universitárias. Passei lá praticamente só os dias de competição. Não fui à cerimónia de abertura nem à de encerramento. Não aproveitei da mesma forma.

Depois das duas de ouro em 2009, Sara Moreira ainda havia de conquistar a prata em 2011.

Depois das duas de ouro em 2009, Sara Moreira ainda havia de conquistar a prata em 2011. Foto: D.R.

As condições, recordo-me, foram péssimas também. A alimentação, então… Lembro-me que tínhamos um shopping próximo da zona onde ficámos e foi lá que fizemos as refeições quase todas, porque não conseguia comer na cantina da aldeia. Acho que foi o pior sítio onde comi até hoje, foi Belgrado, nessa altura.

Ainda fui em 2011 a Shenzen, na China. Segui de lá diretamente para o Campeonato do Mundo de Daegu, pela proximidade. Destas, o que recordo é que estava tudo muito bem organizado. Não fui à cerimónia de abertura. Fui um bocadinho mais tarde. Fui à de encerramneto. Passei mais tempo na aldeia, que tinha muito mais condições do que as anteriores. Tinha um McDonalds na aldeia!

A aldeia era grande, bonita, treinávamos lá dentro, vivi muito mais a competição com os colegas da comitiva portuguesa. Estava eu, o Nélson [Évora], a Patrícia [Mamona], estávamos os melhores atletas nacionais. Aproveitei de outra forma, mais descontraída, e fui medalha também, medalha de prata nessas universíadas, nos 5 mil, mas já estava noutra fase da carreira. Além de mais responsabilidade, tinha mais experiência. Já não era aquela miudinha de 2007, nem a jovem cheia de sonhos de 2009, já era mais uma fase de afirmação. Aproveitei melhor uma série de coisas.

Sara Moreira no pódio de Shenzhen, na China.

Sara Moreira no pódio de Shenzhen, na China. Foto: FADU

São momentos que ficam para a vida. Conheces colegas teus com quem partilhas dúvidas, incertezas, medos, coisas relacionadas com os estudos, também.

Mas sim, aconselharia a qualquer jovem que tenha a oportunidade, que lute para estar numas universíadas. Vale a pena. Crescemos bastante. São momentos únicos. A parte competitiva, apesar de ser importante, acho que não sentimos tanto aquele peso da responsabilidade como sentimos, por exemplo, num campeonato do mundo ou nuns jogos olímpicos. Acabamos por conseguir bons resultados na mesma, porque não temos aquela pressão toda em cima de nós, aquela necessidade de cumprir. Foi algo que me marcou e sou muito grata por ter conseguido estar em três.