Precária, resiliente e necessária. É assim que Jason Loviglio descreve a rádio universitária e foi este o mote da conferência que no final da tarde de segunda-feira encheu o auditório da Casa Comum da Reitoria da Universidade do Porto. O professor da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, estuda e investiga História dos Media e da Rádio, tendo já publicado vários livros. Era orientador da WMBC, a rádio da sua universidade, até este ter fechado devido à falta de financiamento.

É assim a partir do seu próprio exemplo que o professor norte-americano explica a precariedade das rádios universitárias: “são efémeras, porque dependem dos estudantes e de fundos monetários”. A verdade é que o encerramento não é algo exclusivo da WMBC: é uma realidade comum nas rádios universitárias, sobretudo desde a crise de 2008. Consideradas como despesa adicional nos orçamentos das instituições, muitas emissoras viram-se obrigadas a vender as suas licenças. No entanto, apesar de precárias, muitas acabam por ser reativadas graças à sua resiliência.

Loviglio considera as rádios universitárias como “um local seguro onde se pode aprender, cometer erros, experimentar”. O professor revela também que essa aprendizagem não é de agora: “Há uns tempos fiz um post no Facebook a perguntar quem fez parte de uma rádio universitária. Os meus amigos são pessoas velhas, como eu, e estes comentários revelam a importância que ela teve nas suas vidas”, conta. “Aquilo que realçaram foram as capacidades de liderança e o trabalho colaborativo. E é por isso que as rádios universitárias são necessárias: para os jovens aprenderem estas habilidades”, remata. O académico compara assim a rádio universitária a uma “plataforma de lançamento”.

Alternativa ao mainstream

Se a rádio universitária serve de plataforma de lançamento a quem nela colabora, o mesmo pode ser dito dos novos estilos musicais que ajudou a popularizar, tornando-a uma “incubadora” e simultaneamente uma alternativa à rádio mainstream

Jason Loviglio explica que o indie rock ganhou notoriedade, em grande parte, graças às rádios universitárias, e a explosão do hip-hop nos anos 90 foi outro dos seus feitos. “Quando eu cresci, não se ouvia música afro-americana na MTV”, conta. “As rádios universitárias introduziram o hip-hop. Numa rádio na Columbus University, faziam-se rap battles de madrugada e foi assim que muitos rappers ficaram famosos: porque os executivos das editoras estavam a ouvir”.

Não era só na música que as rádios universitárias se mostravam inovadoras e uma alternativa às rádios convencionais. Loviglio conta que nos anos 80, em Itália, existia uma rádio pirata com “uma rede de correspondentes globais” e para a qual os estudantes “ligavam dos quatro cantos do mundo para contarem histórias que não estavam a ser contadas nos media convencionais”. O professor norte-americano explica assim a importância e a necessidade da rádio universitária em preencher as lacunas daquilo que não estava a ser fornecido à sociedade.

FM vs online

Para o professor, “a rádio universitária é o coração da rádio”, sendo uma versão exagerada de tudo o que o meio sempre foi. “A rádio universitária, tal como a própria rádio, procura imaginar uma comunidade que não consegue ver. O ato de falar a um microfone, de entrar no ar, é um ato de fé, é falar a uma audiência invisível, na esperança que haja uma audiência”, revela.

Casa Comum encheu para ouvir o professor norte-americano.

Casa Comum encheu para ouvir o professor norte-americano. Foto: Adriana Peixoto

“Será que essa essência se mantém quando se passa do sinal FM para o online?”, o professor e investigador norte-americano pergunta ao público. Com a Internet, é possível transmitir para todo o mundo, mas Loviglio realça o valor do tempo e a simultaneidade no ato de escutar: “Qual é o valor de ouvir alguma coisa e saber que mais pessoas estão a ouvir a mesma coisa ao mesmo tempo? A simultaneidade cria um sentimento de comunidade. Estão dispostos a perder isso pela possibilidade de alcançar mais pessoas por todo o mundo online? É uma questão aberta”, afirma.

O que reserva o futuro?

É possível ter-se o melhor de dois mundos: o projeto Radio Garden quer trazer de volta a magia do sinal FM com um toque moderno. Criado pelos académicos do Netherlands Institute for Sound and Vision, pretende passar “o sentimento da rádio”, aliando a nostálgica imprecisão do botão giratório do sinal analógico ao alcance global da internet. “Sabem o que é serendipity (acaso)?”, questiona. “Imagina que estás a ligar o rádio no carro e estás a chorar porque acabaste de terminar com o teu namorado, e depois começa a tocar a Adele. E tu não sabias que precisavas da Adele naquele momento, mas precisavas”. Jason Loviglio conta que é essa a magia da rádio: o acaso. “Isso a rádio online não tem e não dá para programar”, acrescenta.

“E o que é que o futuro reserva para a rádio?” Na pergunta final da conferência, Loviglio lembrou que mesmo perante a ameaça da televisão e da internet, a rádio “sobreviveu” e manteve-se resiliente. “As pessoas parecem mais preocupadas com o futuro da rádio do que da televisão, mas nos últimos 10 anos a televisão transformou-se completamente. Quando pergunto aos meus alunos o que veem na televisão, dizem que só veem Netflix”. Para o professor e investigador norte-americano, “a rádio está sempre prestes a ser considerada extinta”, mas acrescenta que não acredita na sua “sentença de morte”.

Artigo editado por Filipa Silva