Esta segunda-feira, as longas filas à entrada do Coliseu Porto Ageas prolongavam-se pelo passeio da Rua Passos Manuel. A partir das 21h30, hora marcada para o início do espetáculo, ainda eram muitos os que entravam na sala que encheu para ver e ouvir Yann Tiersen, que subiria ao palco 45 minutos depois.

Entre os alemães Geysir, que fizeram a primeira parte, e a estrela da noite, interpôs-se no Coliseu a enigmática voz de uma mulher, que num british english muito acentuado (e, infelizmente, de difícil perceção) contava a história de um lobo e de um veado – o predador e a presa –, numa reflexão sobre a ação do Homem na Natureza, para concluir que esta é a verdadeira mãe da beleza e da paz.

Contextualizado o ambiente do concerto, Yann Tiersen sentou-se ao piano. Simples e modestamente trajado, o músico francês principiou com uma das suas composições do álbum “Eusa” (2017) – “Porz Goret”. O jogo de dedos entre oitavas, aliado a uma suavidade imbatível deram o tom ao que havia de vir. Um tom meditativo, mas não melancólico, a fazer aflorar um sorriso.

Ainda que tivessem sido tocados vários temas do último álbum de piano a solo do compositor, o concerto foi mais direcionado para apresentar “All”, o seu mais recente trabalho que data de fevereiro deste ano. Por esta razão, Tiersen fez-se acompanhar de mais três músicos, que com ele criaram uma atmosfera que envolveu o público numa ternura mística.

Yann Tiersen fez-se acompanhar de três músicos em palco.

Yann Tiersen fez-se acompanhar de três músicos em palco. Lara Jacinto / Coliseu Porto Ageas

Durante a noite, Tiersen foi alternando entre os instrumentos: as suas dotadas mãos passaram do piano para o violino, do cravo para a melódica. Também o acordeão e o xilofone não passaram despercebidos. Acompanhado por vozes hipnotizantes, cantadas em bretão (língua materna do músico), Yann Tiersen e os seus companheiros pareciam estar a clamar por algo lá em cima, por um sinal exógeno.

O novo álbum tem a particularidade de possuir um som de fundo constante, que representa o ambiente. Um ambiente mais natural do que humano. A profunda conexão entre as suas músicas e a Natureza deixou uma reflexão no ar: se foi esta a completar a música de Tiersen ou o contrário.

Claro que a célebre banda sonora de O fabuloso destino de Amélie Poulin não pôde faltar. “Comptine d’Un Autre Été” e “Dispute” confortaram seguramente aqueles que adquiriram o bilhete na motivação de ouvirem as conhecidas peças de piano a solo, mais do que as do novo álbum de Tiersen.

Embora completamente recheado, o Coliseu manteve-se num transe silencioso durante as quase duas horas do concerto, apenas perturbado por breves tosses outonais, saltos altos a toar no chão de madeira ou pelas explosões de aplausos no final de cada música.

Homem de poucas conversas, não houve grandes interações entre Tiersen e o público, o que não pareceu constituir um problema para a plateia, embalada que esteve durante todo o concerto. Uma comunicação não-verbal que a todos satisfez.

Uma das inúmeras descrições possíveis de Tiersen, nesta noite, poderia ser a mão direita a teclar no piano, a mão esquerda a dar vida ao acordeão, um dos pés no pedal a prolongar os sons e o outro a usufruir de um merecido descanso, não descorando o seu cabelo despenteado.

Yann Tiersen cria o seu próprio mundo. Cria-o, vive-o e convida-nos a lá entrar. Mais que tudo, Tiersen é um verdadeiro artista e um grande profissional: uma gralha mínima fê-lo soltar um doce “sorry”. Pequenas coisas que mostram a natureza pura do seu ser.

O último ritardando ouvido e sentido deu o concerto por terminado e originou um acordar conjunto de volta à realidade. Foram duas horas de uma revelação musical meditativa, mística e tremendamente bonita.

Artigo editado por Filipa Silva