Arriscar é uma das palavras na ordem do dia no vocabulário da moda e esse risco, que surge normalmente associado a criações arrojadas, pode transpor-se para outros campos. A pensar nisso, a dupla Marques’Almeida, formada por Marta Marques e Paulo Almeida, regressou a casa – a marca tem sede em Londres – para revelar a nova coleção primavera/verão no jardim da Casa de Serralves.

O cenário é improvável, mas parece assentar que nem uma luva a todas as criações e detalhes pensados pela dupla nortenha para a exibição das novas peças. Cumpre-se, assim, o objetivo de expandir os horizontes da Semana da Moda do Porto, que tem vindo a apresentar nos seus programas diferentes criadores, conceitos e localizações, levando a moda para além do “quartel-general” na Alfândega do Porto.

A anunciar o desfile, a música remete para um ambiente futurista, mescla de ficção científica e uma sensação avant-garde, transmitida pelo Art Déco de Serralves. O cenário distópico daria vida ao que a seguir se apresenta na passerelle.

Saída da porta principal da casa, rota de fuga de frente para o jardim, uma única mulher vestida de preto, cor dominante do novo acervo de Marques’Almeida. De seguida, as restantes modelos saem da casa, uma a uma, com acessórios ligeiramente oversized, muitos a apresentar transparências ao longo do corpo da peça.

Glamour com responsabilidade social

As criações da dupla para a próxima estação apresentam, na sua maioria, tons fortes, que contrastam com outros básicos ou neutros. Para além do preto e do branco, surgem os verdes, os castanhos claros e tons de amarelo suavizados (entre os quais alguns toques de vermelho, azul ou até laranja), entre padrões animalescos, que refletem uma clara simbiose com a Natureza, marcada em toda a nova coleção. 

As cores da Natureza e os padrões animais dominam os coordenados SS20 de Marques’Almeida. Foto: Sofia Matos Silva Foto: Sofia Matos Silva

Como assegurou a dupla à imprensa no final do evento, uma das mensagens principais das coleções que elaboram é a responsabilidade social, do ponto de vista da sustentabilidade. Marta Marques diz que “a ecologia é o que nos move mais neste momento”, principalmente por “ter uma filha e outra a caminho, quero que elas tenham um planeta onde viver”. 

Para aumentar a consciência social da marca, os estilistas elaboraram toda a coleção com mais de 80% de materiais reciclados, como é o caso do algodão ou do poliéster sustentáveis, que se aliam às malhas, ao tradicional denim, aos shirting ou aos tecidos jacquard. Além disso, garantem, estão a fazer uma análise da pegada de carbono que a empresa produz, bem como a dar voz a causas que permitam que a temática “chegue a um nível político relevante para que consigamos mudar”, refere Marta.

Feminino como palavra de ordem

Entre as cores e tecidos, há um padrão que se destaca em vários dos coordenados. De camisolas a vestidos, o estampado com rostos de mulheres estilizados ressalta a feminilidade das criações da dupla. Não é de admirar que, assim sendo, a principal inspiração de Marta e Paulo para as suas coleções seja a mulher e todas as suas facetas. 

Aqui, tudo importa: “as raparigas, as vidas delas, o que vestem no dia a dia, as fotografias que publicam no Instagram”. Apesar disso, não se prendem a uma noção típica e, segundo Marta Almeida, “glamourizada” da moda, mas sim a “percebê-las, entendê-las”. 

Marta Marques e Paulo Almeida formam a dupla Marques’Almeida. Foto: Sofia Matos Silva Foto: Sofia Matos Silva

Fala em mulheres, mas estende a influência também ao público masculino, livre de qualquer expectativa de género, para criar uma “versão de moda ligada à realidade”, que passe uma mensagem de diversidade e inclusividade que, para ambos, é necessária no mundo da moda. Quis-se, acima de tudo, “dar poder e voz a raparigas que não o teriam no panorama da moda [dito] normal”.

O reflexo do ser-se cool

Entre as principais referências, referem, de novo, as it girls, o que vestem e como o publicam nas redes sociais, com claras influências do vestuário vintage, que teve um auge nos últimos anos. No fundo, “é uma miscelânea muito grande de referências”, como refere Paulo Almeida.

As influências foram captadas do classicismo da moda, mesclados com referências aos anos 60 e 90, ao gótico e a um estilo maison, pelos elementos mais fora da caixa (segundo os próprios, “mais creepy”) das peças apresentadas. Como resultado, é apresentada uma conexão desconexa de padrões xadrez, outros mais animais, casacos biker com silhuetas largas, penas ou até vestidos acetinados. 

O processo de criação é, segundo os próprios, instintivo. Os coordenados refletem, por isso, uma reação espontânea aos elementos em que se inspiram, aliando o lado do glamour ao toque “ácido e tóxico”, pelo que só no final da conceção da peça existe uma perceção exata daquilo que foi ou poderá ter sido criado.

As suas coleções (esta em particular) são, por isso, de um espírito glam, mas que se podem usar para ir ao supermercado, dados os modelos e tecidos referidos pelos próprios como ricos, descontextualizando o que por norma é misturado.

O futuro próximo de Marques’Almeida

O nome Marques’Almeida já é, por si só, de peso. O casal, tanto na moda como na vida pessoal, participa na Semana da Moda de Londres (cidade onde estão sediados) desde 2010 e já vestiu celebridades como Beyoncé, Solange ou Sarah Jessica Parker. Além de serem detentores de inúmeros prémios relevantes no meio, têm as suas peças à venda em mais de 100 pontos de venda por todo o mundo

Para os próximos meses, têm como plano completar uma loja online de forma definitiva, onde se podem comprar as várias coleções, incluindo a SS20, bem como alugar ou comprar em segunda mão peças de todas as estações através de subscrição, com vista à renovação e prolongamento do ciclo de vida das suas roupas. Há ainda planos para a criação de uma linha para criança, que será lançada em janeiro. A coleção terá roupas para raparigas dos 2 aos 10 anos, com várias das peças a ser uma réplica em tamanhos pequenos da coleção de adulto.

Artigo editado por Filipa Silva