Foi no “Púcaros”, em plena Ribeira do Porto, que tudo começou, mas foi o programa “Levanta-te e Ri” que o catapultou para a cena da comédia nacional. Hugo Sousa, 39 anos, vive há 15 anos do stand-up e anda agora pelo país a apresentar “Fora do Contexto”, o seu mais recente espetáculo a solo. Dia 13 regressa à cidade que o viu nascer, e onde diz sentir ter mais público, para uma apresentação extra no Teatro Sá da Bandeira.

Antes, esteve à conversa com o JPN sobre os primeiros passos na comédia, o dia a dia de um humorista, o curso que completou mas ao qual ainda não deu uso e de como é fazer stand-up lá fora.

JPN: Hugo, consta que antes da comédia jogaste basquetebol. Fazendo uma ponte do basquetebol para a comédia sentes que os teus colegas de equipa foram a tua primeira plateia, de certa forma?

Hugo Sousa: Sim, por acaso foram. Foram a minha primeira plateia e uma fonte de inspiração. Em todas as equipas temos aqueles que são mais “cromos”, os que são mais acanhados, outros mais espevitados, os que dizem mais piadas… e encontra-se ali de tudo. O desporto é muito transversal. Apanhas os ricos, os pobres, os betos, os nerds e isso é uma coisa fixe, porque lidas com vários tipos de pessoas que estão ali reunidas por causa de um desporto. Mas sim, pode-se dizer que os meus colegas de equipa foram a minha primeira plateia.

Em todos os grupos de amigos há sempre aquele que tudo que diz faz rir e o grupo todo acha imensa graça, no entanto, isso não implica que a pessoa em questão seja comediante. Para ti o que é que difere um gajo com piada de um humorista?

Eu já disse isto várias vezes. Tenho amigos que têm muito mais piada do que eu no contexto social, quando estamos num café ou num jantar, por exemplo. Eu tenho amigos que são de chorar a rir. Inclusivé, tenho um amigo, que por acaso era dos mais engraçados do grupo, que queria muito fazer stand-up comedy, mas fazer o transfer daquilo que é ter piada entre amigos para o stand-up não tem nada a ver.

Ao contrário do que muitas pessoas pensam, há humoristas que são muito tímidos. Eu muitas vezes digo que sou tímido e o pessoal responde: “Ei não és nada!”, quando na verdade sou. Não é preciso ser-se o “palhacito da turma” para se ser um bom stand-up comedian. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

“Escrevo piadas e depois ando pelos bares e em salas mais pequenas, sem estar anunciado, a experimentar o material. É um trabalho um bocado difícil”.

Na comédia como na vida em geral, há uma primeira vez para tudo. Consegues descrever a tua primeira experiência em cima de um palco?

Lembro-me perfeitamente da primeira vez. Foi num bar onde fui contar umas anedotas, numa altura em que não se falava em stand-up comedy nem em nada disso. Fui com um grupo de amigos a um bar que havia na Ribeira, chamado “Púcaros”. Os meus amigos disseram-me: “Oh pá, se quiseres podes ir lá contar umas anedotas” e eu fui.

Cheguei lá, pus-me a beber sangria, estava todo nervoso, e fui para o palco contar umas piadas. Por acaso correu bem. Mas é engraçado, como é que de algo que deixa um gajo tão nervoso, depois se tira um prazer tão grande, ao ponto de nunca mais conseguir deixar. O stand-up comedy é como uma droga. Uma pessoa habitua-se a isto e depois é uma coisa muito difícil de deixar.

Como é o dia a dia de um humorista?

Varia muito de humorista para humorista. Por exemplo, o trabalho da comédia não é muito feito de horários, mas sim de objetivos. Quer dizer, se trabalhares num programa de rádio ou num programa de televisão, como muitos humoristas fazem, aí há horários para cumprir, mas no que diz respeito só ao stand-up comedy tens três coisas para fazer: os espetáculos à noite, o que implica ter de preparar os espetáculos. Há uma altura do ano, pelo menos para quem faz solos como é o meu caso, em que é sempre a escrever, escrever, escrever, e a experimentar.

Basicamente, eu escrevo piadas e depois ando pelos bares e em salas mais pequenas, sem estar anunciado, a experimentar o material. Por acaso é um trabalho um bocado difícil, porque tens de escrever e afinar as piadas, cortar as que são más, melhorar aquelas que estão mais ou menos e só as boas é que ficam. E é um trabalho complicado, porque para preparar um solo sou capaz de andar a escrever piadas durante meses. Depois, quando começam os espetáculos do solo, para mim é o que me dá mais gozo e é aquilo que me divirto mais. É só andar por aí a fazer espetáculos. A outra parte da escrita é uma seca do caraças.

Sendo tu um tripeiro de gema, dá te um gosto especial atuar no Porto, ou é só mais um espetáculo igual aos outros?

Claro. Quer dizer, é um bocadinho aquele sentimento misto de que “santos da casa não fazem milagres”, no entanto, o que me está a acontecer ultimamente é que tenho reparado que tenho público mais fiel aqui no Porto. Tenho mais público aqui no Porto. Por exemplo, o último espetáculo que fiz no Teatro Sá da Bandeira foi uma coisa incrível. Era tudo malta que tinha comprado bilhete para o espetáculo já há meses, e estavam lá todos para assistir ao espetáculo. Foi uma coisa incrível. Não sei se vou ter algum espetáculo da tour melhor do que aquele. Ainda vou fazer uma data extra aqui no Porto, no dia 13 de novembro, mas vamos ver…

Hugo Sousa esgotou, a 16 de outubro, o Teatro Sá da Bandeira, no Porto.

Hugo Sousa esgotou, a 16 de outubro, o Teatro Sá da Bandeira, no Porto. Foto: Hugo Sousa/Facebook

Sentes que no mundo do humor há uma certa diferenciação entre o humorista do Norte e o do Sul? Isto é, achas que um comediante do Norte, por estar longe da capital, onde invariavelmente há mais oportunidades, tem de se “esforçar mais” para atingir o mesmo nível de reconhecimento de um humorista da zona de Lisboa?

Sim, sem dúvida. E isso explica-se por uma razão muito simples, que tem a ver com o facto de tudo acontecer em Lisboa. Quer dizer, hoje em dia as coisas já estão um bocadinho mais facilitadas por causa do Youtube. O Youtube, e outras plataformas também, abrem portas que antigamente não se abriam, pois não havia forma de mostrares o teu trabalho, mas mesmo assim, tudo o que são meios de comunicação, seja televisões ou rádios, está tudo em Lisboa.

E é óbvio, quer se queira quer não, que é muito mais fácil ser bem sucedido se se tiver perto das coisas do que se estiver longe. Por exemplo, um gajo que queira fazer comédia em Bragança está lixado por várias razões. Primeiro: pode começar, mas como é que iria ficar conhecido? Ou é alguém que aposta muito forte nas redes sociais e no Youtube ou então é muito difícil. Nenhuma televisão ou rádio se vai lembrar dele, do género: “Ei, vamos pôr esse gajo aqui!”. Não, isso não acontece. Esse comediante está lixado. Aqui no Porto nós também temos algumas rádios e algumas televisões, mas é muito pouco significativo em comparação com Lisboa. Dessa forma sim, respondendo à pergunta, é mais difícil para quem está longe de Lisboa.

“O último espetáculo que fiz no Teatro Sá da Bandeira foi uma coisa incrível.”

Já contas com algumas atuações no estrangeiro, desde Londres a São Paulo, por exemplo. Sentes que estes são os espetáculos mais difíceis para ti, na medida em que te obrigam a adaptar ou até a mudar a língua em que contas as piadas?

Não. Quer dizer, São Paulo é. São Paulo é mais difícil, porque é preciso mudar a forma de falar. Lá eles falam português do Brasil e, sinceramente, aquilo é quase outra língua. As pessoas não têm noção. Eu se fizer um espetáculo lá, igual aos que faço aqui em Portugal, mais de metade das piadas vão ao ar, porque as pessoas não percebem. Não percebem, porque ao falar-se rápido não conseguem entender o sotaque.

Há muitas palavras que lá são muito diferentes também. Para atuar em São Paulo é preciso ter a preocupação de falar um bocado mais devagar, de abrir mais as vogais e ter muito cuidado com as palavras, porque eles têm muitas palavras com significados completamente distintos, e são capazes de nem entender o que é que estamos a dizer. Em Londres, já atuei em português e em inglês. Claro que atuar em inglês é sempre mais difícil. É preciso preparar muito bem as coisas para tudo correr bem.

É possível viver do stand-up em Portugal?

É, claro que é, já há muita gente a viver só do stand-up. Quando eu comecei, ninguém falava nisso. Viver só do stand-up não era uma opção. Só havia o Herman, mas de resto nada.

Foste então um dos primeiros?

Sim. Fiz parte daquela primeira fornada que saiu do “Levanta-te e ri”. Mas hoje em dia já há muita gente a viver só do stand-up. Se me perguntarem: “É fácil?”, eu respondo que não. Não é nada fácil. Há muitos a tentar ser comediantes e a fazer stand-up já há muitos anos e que nunca conseguiram viver só disso… mas é possível. Há cada vez mais humoristas a viverem exclusivamente do stand-up.

Hugo Sousa ao vivo no Cabaret Maxime.

Hugo Sousa ao vivo no Cabaret Maxime. Foto: Hugo Sousa/Facebook

E como é que se convence os pais de que ser humorista é um bom caminho para o futuro?

Eu tirei o curso na faculdade. Depois comecei com isto e nunca mais parei. O que eles me disseram foi: “Tira o curso e depois podes fazer tudo aquilo que tu quiseres.” E, pronto, eu fiz o que eu quis. [risos]

E enquanto tiravas o curso, como vivias a vida académica?

Era um bêbado. Só queria festa [risos]. Andava sempre nos copos. Mas vamos lá ver uma coisa: quando estás a fazer uma coisa que tu gostas mesmo, tu empenhas-te. Mas no meu caso, a minha motivação era menos de zero. Eu não tinha interesse nenhum em estar ali. Eu não queria saber de nada daquilo, estava-me nas tintas para tudo. Se na altura me perguntassem: “Mas é isto que tu queres?”, eu dizia que não. Eu sabia perfeitamente que não era aquilo que eu queria para mim. No final do curso já estava a fazer comédia mais ou menos profissionalmente, mas pronto. Fiz um esforço e lá acabei o curso… [risos]

Certamente és muitas vezes abordado na rua, especialmente aqui na cidade do Porto. Sentes alguma obrigação em ser engraçado e ter sempre uma piada pronta para contar às pessoas que te abordam?

Por acaso, eu sinto que as pessoas muitas vezes estão à espera disso, mas eu não sou sempre obrigado a fazer rir. No entanto, tento sempre ser simpático. Claro que há aqueles dias em que não apetece tanto estar bem disposto, mas as pessoas não têm culpa disso. Eu não garanto às pessoas que me abordam que vou ser engraçado.

Se me perguntares: “Há pessoal que te pede para contar uma anedota?”, do género, “Hugo, conta uma piada!”, isso aí eu não conto e nem sequer consigo. É muita pressão. [risos] De todos os comediantes que conheço, se calhar, o único que se alguém na rua lhe disser: “Conta uma anedota!” e ele conta mesmo é o Fernando Rocha. O Rocha tem sempre uma ou duas anedotas prontas, daquelas curtinhas. Mas, no meu caso, eu nem sequer costumo contar anedotas… por isso é complicado. Mas garanto: se pedissem a 50 comediantes espalhados pelo mundo fora para contar uma piada, eles não contam. Nem é por mal, só não faz sentido estar a contar uma piada na rua.

Hugo, não sei se estás a par, mas pelo que diz o site da Wikipédia, és reconhecido como o grande criador da corrente nacional intitulada “O Toni cagou aqui” e também como o representante nacional dos tocadores de bombo. Como vês esta nobre distinção?

De certeza que foi alguém que escreveu lá isso na tanga, mas sem dúvida é uma descrição perfeita, eu assumo isso. [risos] Por acaso, eu falo disso no novo espetáculo. Foram duas correntes que aconteceram, quer a do bombo quer a do “Toni”, um bocado por acaso. Foram duas piadas que pegaram, e, pronto, a malta conhece-me por isso. Mas eu só fico contente por isso. Vendi t-shirts e tudo.

“Está tudo tão banalizado que nem sei muito bem onde é que poderá haver espaço para inovar”.

Depois do êxito que foi a música “Sacos de Plástico”, para quando o regresso de Hugo Sousa, o rapper?

Eu já fiz mais algumas depois disso. Volta e meia, ainda faço uns hip hops caseiros. Por acaso, ainda há uns tempos fiz um sobre Viseu. Ia lá atuar e na tanga fiz um a falar sobre Viseu. Fiz também um no ano passado, no dia dos namorados com o Alexandre Santos. Volta e meia quem sabe… O MC Schlong está sempre pronto [risos].

Numa era em que o digital tem uma importância cada vez maior, sentes necessidade de criar algum conceito para a Internet: um podcast, uma série… ou pensas que seria de certa forma “forçado” e não beneficiarias assim tanto com isso?

Eu sinto um bocado aquela obrigação em fazer conteúdos para a Internet. No entanto, isso de facto é verdade. Agora todos fazem podcasts, toda a gente faz vídeos a falar sobre a atualidade, já esteve muito na moda o conceito dos sketchs, por exemplo; mas está tudo tão banalizado que nem sei muito bem onde é que poderá haver espaço para inovar, logo não sei…

Uma coisa que eu tenho mesmo de fazer é colocar um espetáculo a solo por ano no Youtube. Isso tenho mesmo de fazer. Depois, volta e meia lembro-me de um assunto que gostava de falar. Faço um vídeo e ponho. Mas quanto a podcasts, não sei mesmo… Nos últimos três meses ainda fui a alguns podcasts… Fui ao “Maluco Beleza”, à “Prova Oral” e também ao “Anónimo”. O problema é que depois chega a um ponto em que parece que se fala sempre das mesmas coisas. Para ter um podcast é necessário ter convidados…

Hugo Sousa passou pelo podcast "Maluco Beleza" de Rui Unas.

Hugo Sousa passou pelo podcast “Maluco Beleza” de Rui Unas. Foto: Hugo Sousa/Facebook

Relativamente ao que disseste de ser necessário haver convidados, existem já alguns podcasts, como o “Ar livre” do Salvador Martinha ou o “Ask TM” do Pedro Teixeira da Mota, por exemplo, em que é apenas o comediante a falar sozinho para o microfone, sem nenhum convidado. Essa hipótese não te agradaria?

Pois, não sei. Será que isso teria interesse? Será que teria assim tanta coisa para dizer sobre os assuntos? Não tenho. Se for uma conversa, um puxa pelo outro e a conversa vai por um caminho. Por exemplo, eu tenho dúvidas sobre algum assunto e pergunto ao convidado, ou o convidado tem curiosidade sobre alguma coisa e pergunta-me a mim, e vamos encaminhando uma conversa. Agora, só eu sozinho a falar não sei… mas digo isto porque não sei mesmo, não estou a dizer que é mau ou que é bom. Por exemplo, fazer diretos no Instagram se calhar é mais fixe, porque o pessoal manda mensagem, e eu respondo.

Imagina que o stand up não existia. O que é que estaria o Hugo Sousa a fazer neste momento provavelmente?

Não faço a mínima ideia. O meu curso é ligado ao Desporto e à Educação Física, mas se me perguntarem se isso era uma coisa que eu queria fazer, se eu gostava de dar aulas? Não. Eu tirei o curso naquela de “Tenho de tirar um curso!”, então como gosto de desporto, foi um bocado por isso. No entanto, se teria feito alguma coisa com isso? Eh pá, não sei… eu acho que provavelmente teria aberto um negócio qualquer relacionado com venda de carnes. [risos] Abria um restaurante de carnes maturadas ou uma coisa qualquer. Ou então, podia andar por aí a assentar tijolos, quem sabe…

Artigo editado por Filipa Silva

Este trabalho foi realizado no âmbito da disciplina de Técnicas de Expressão Jornalística Imprensa – 2º ano