Começou a jogar com os amigos em Bragança, passou pelo Ourense (Espanha), onde quase não jogou, mas assim que regressou a Portugal rapidamente foi convocado para a seleção nacional, onde acabou por bater o recorde de internacionalizações.

Foi campeão pelo Freixieiro na viragem do século, chegou ao Benfica e tornou-se um dos principais nomes do futsal português, sendo parte de uma geração que contou com jogadores como André Lima ou Pedro Costa, jogadores para os quais não encontra paralelo no panorama atual. Pensou em deixar as quatro linhas, mas a vontade de jogar falou mais alto. Tem agora 40 anos.

Em entrevista ao JPN, o “Expresso de Bragança” recorda o início da carreira, a desilusão por não ter conquistado um título pela seleção, os projetos em que se tem envolvido e o desejo de levar a escola de formação que fundou na terra natal à primeira divisão. Com ele como treinador.

JPN: Como é que tudo começou? Como é que entrou no mundo do futsal?

Arnaldo Pereira: Foi tudo natural. Comecei por jogar lá em Bragança nos torneios de bairro, na escola, no desporto escolar. Primeiro ainda joguei futebol, mas é diferente. Não dava para ter muito contacto com a bola. Às vezes, estava meia-hora sem tocar numa, porque o futebol tem muito aquela coisa de correr sem bola. E depois era mais complicado porque vinha de casa de bicicleta para ir aos treinos e quase não tocava na bola. Acabei por dizer: “se é para isto não venho”.  O futsal já era diferente. Era mais bola no pé, que era o que eu queria. Comecei a jogar lá em Bragança no Mãe D’água e nos Pioneiros, que eram os clubes que tinham futsal.

Porquê a alcunha de “Expresso de Bragança”?

Na altura, a minha especialidade era a velocidade. Agora já não, não é? [risos]. Corria muito e depois como viajava muito, ia todos os fins de semana a Bragança ver a família, falava muito em Bragança, fiquei o “Expresso de Bragança”.

Depois de passar pelo Pioneiros de Bragança, passou pelo Ourense. Como foi jogar pela equipa espanhola? Deve ter sido dos primeiros jogadores portugueses a jogar fora do país…

Hum…fui, fui. Sim, foi a minha primeira experiência profissional. Aqui em Portugal as estruturas ainda eram muito amadoras e lá, até já na segunda divisão, havia futsal profissional. Eu era muito novo. Foi um ano em que joguei muito pouco, mas foi o ano em que aprendi mais de futsal. Nesse ano fomos campeões da segunda divisão.

Foi campeão pelo Freixieiro, na época 2001/2002, num dos clubes mais emblemáticos do futsal português. Um clube pequeno que chega ao título. Como recorda essa época?

Um clube pequeno para quem não o conhece. Nesse ano cheguei a Portugal, jogámos a supertaça contra o Sporting e logo aí, depois do meu primeiro jogo, fui convocado para a seleção. Quando vim de Espanha, onde quase não tinha jogado, o treinador disse-me: “agora vais chegar a Portugal, vais jogar e vais ser chamado para a seleção.” Pensei: “não me pôs a jogar um minuto e agora diz-me isto?”. Afinal tinha razão. [risos] Depois liguei-lhe a agradecer.

Arnaldo foi capitão da seleção nacional de futsal.

Arnaldo foi capitão da seleção nacional de futsal. Foto: EFAP/Facebook

Como foi depois chegar a um clube com a dimensão do Benfica?

Jogar no Benfica ou no Sporting, cá em Portugal, era o que qualquer jogador queria e acabou por acontecer. Eram os únicos clubes em que já se notava o profissionalismo em todos os aspetos. Tinham fisioterapeuta, massagista, treinadores, diretores que nos acompanhavam sempre para todo o lado e, por exemplo, quando surgia alguma lesão sabíamos logo na hora o que era e as recuperações eram rápidas. Éramos logo tratados e operados se fosse preciso, não estávamos à espera, como acontecia nos outros clubes. Mesmo nos treinos, estavam sempre fisioterapeuta, massagista.

E como foi jogar na Liga espanhola, provavelmente a mais profissional do mundo?

É a mais profissional. Aqui, por exemplo, em Portugal, temos o Benfica e o Sporting que rivalizam muito, não só entre os adeptos como entre as próprias estruturas. Pelo contrário, em Espanha, temos muito boas equipas – Barcelona, El Pozo, o Real Madrid -, mas entre elas há muita ajuda. Os treinadores falam entre si para melhorarem, trocam ideias e mesmo que tivéssemos um mau treinador conseguíamos aprender com as ideias dos outros. Cá em Portugal não se vê isso, a mentalidade é outra. Por isso é que a Liga Espanhola se destaca.

Se me perguntas se há jogadores do nível do André Lima, do Joel, do Ricardo ou do Pedro Costa, não há.

Jogou com alguns dos melhores jogadores de futsal que o país já viu: Joel Queirós, André Lima, o Ricardinho. Hoje, a seleção está guarnecida de jogadores destes? A formação está a ser bem trabalhada pelos clubes?

Já começa a ser mais trabalhada, mas quando comecei o Benfica e o Sporting mal tinham os escalões de formação. A seleção também não tinha muitos dos escalões de formação, ao contrário de hoje em dia, que já tem tudo e já começa a ser bem trabalhado. Agora, se me perguntas se há jogadores do nível do André Lima, do Joel, do Ricardo ou do Pedro Costa, não há. Como o André Lima neste momento não tens ninguém com as características dele; do Ricardo nem vale a pena falar, por alguma razão é seis vezes melhor do mundo e finalizador como o Joel também não há. Apesar da seleção estar guarnecida de bons jogadores, acho que, como alguns dos da minha geração não tem.

A modalidade fez algum caminho, muito embora muitos clubes ainda enfrentem grandes dificuldades para trabalharem de forma profissional. O que falta?

Dinheiro. [risos]. Falta mais investimento nos escalões de formação, pessoas que façam isso por amor à modalidade. Eu como presidente não te posso exigir que faças alguma coisa, se não te vou remunerar por isso. O único apoio que ainda se vai tendo é da Federação que apoia os clubes, mas acho que pode ser feito ainda mais por quem ama a modalidade. Acho que as câmaras também podiam apoiar mais.

Depois de quase 30 títulos, sente que ainda lhe falta fazer alguma coisa no futsal?

[Risos] Agora já não. A jogar, pelo menos. Mas enquanto puder quero dar o meu contributo, nem que seja fora de campo, como treinador, a ajudar e ensinar os mais novos.

Apesar das 208 internacionalizações e dos 98 golos, faltou-lhe ganhar um título pela seleção. Ficou com essa mágoa?

Sim, muita mágoa. Jogámos muito, estivemos lá perto. Esta geração não é mais forte do que a minha, mas conseguiu manter-se bem, ao contrário das outras seleções. Acho que a minha geração merecia ter ganho um título. Foi isso que faltou na minha carreira, sem dúvida.

Na época 2016/2017 trabalhou como treinador. Como se sentiu nesse papel?

Ser treinador é muito difícil, porque é diferente lidar só com uma pessoa ou lidar com 11 pessoas diferentes. Cheguei a treinar uma equipa feminina. Tens de tentar implementar as tuas ideias e, por vezes, isso é complicado.

Acha que, no futuro, o seu caminho profissional pode passar por aí?

Sim, mas não é fácil ser treinador. Eu acho que toda a gente que está ligada ao futsal devia continuar a dar o seu contributo, quer seja como treinador, como presidente, abrindo escolas de formação, ajudar a desenvolver a modalidade.

Aos 38 anos anunciou que iria deixar de jogar profissionalmente, mas pouco tempo depois vai para o GD Viso e aos 39 volta para a I divisão no Rio Ave. A paixão pelo futsal falou mais alto?

Nem foi a paixão, foi a vontade de jogar e senti que ainda estava capaz. Depois surgiu a oportunidade de ir para o Rio Ave e o Rio Ave, apesar de estar na I divisão, não estava a jogar a nível profissional. Treinávamos três vezes por semana. Sentia-me bem e enquanto me sentir bem gostava de dar o meu contributo.

Atualmente, aos 40 anos, ainda se sente em forma? Pretende continuar a jogar?

Sim, sim, sinto-me bem. Agora só a nível amador. Este ano, no Póvoa, éramos para jogar no nacional, mas houve uma desistência e lá estamos na II Divisão.  É claro que já não dá para fazer 30 minutos, mas enquanto me sentir capaz, nem que seja para fazer 10 ou sete minutos em cada parte, vou continuar.

Neste momento está a jogar no Póvoa futsal clube. Além disso, tem outros projetos profissionais?

Tenho a minha escola de futsal. Tenho em Bragança, noutros sítios e agora abriu em Canedo. Futuramente, temos projetos para abrir em mais sítios. 

Arnaldo Pereira tem uma escola de formação em Bragança.

Arnaldo Pereira tem uma escola de formação em Bragança. Foto: EFAP/Facebook

Como surgiu esse projeto?

Foi a necessidade de impulsionar e desenvolver a formação juntamente com a minha paixão (…) pela modalidade. Agora ainda queremos aumentar os escalões de formação porque os miúdos, em Bragança, por exemplo, vão para os Pioneiros e depois acaba. Este ano já temos iniciados, para o ano queremos abrir o escalão de juvenis, depois juniores, até aos seniores e, no futuro, chegar à primeira divisão… e ser eu o treinador [risos].

Que conselho daria a todos aqueles que o veem como uma referência e querem construir um caminho no futsal?

Não é só no futsal, é em qualquer desporto ou área. Acho que qualquer pessoa deve seguir a paixão e os objetivos. O conselho é sempre o mesmo, lutar pelos sonhos e trabalhar. Esperar pela oportunidade certa e agarrá-la. Muitas vezes, as pessoas quando ainda são novas querem logo começar a ganhar muito dinheiro. É preciso ter paciência, ir passo a passo e saber esperar pelo momento certo.

Artigo editado por Filipa Silva