Nascido nos Estados Unidos, o prodígio do salto à vara escolheu a Suécia para competir. Este fim de semana, bateu o recorde mundial da disciplina com um salto de 6.17 metros. José Dias, técnico nacional da Federação Portuguesa de Atletismo assegura que estamos na presença de um “extraterrestre”.

A fasquia estava nos seis metros e dezasseis centímetros. Marcava a altura do sonho que Armand Duplantis queria alcançar desde os três anos de idade. Este domingo, o atleta conhecido como “Mondo” viu o sonho tornar-se realidade ao bater o recorde mundial do salto com vara, com um salto de 6,17 metros, na Orlen Copernicus Cup, em Torun, na Polónia.

Na sua segunda competição do ano, o jovem de 20 anos, que nasceu nos EUA, mas compete pela Suécia, bateu o anterior recorde de 6,16 metros, marca que pertencia ao francês Renaud Lavillenie e que tinha sido registada em fevereiro de 2014 na Ucrânia.

Com os concorrentes a saltarem os 5,52 metros, o recorde de Duplantis começou a materializar-se na fasquia dos 5,72 metros. Seguiram-se os 5,92 e 6,01 que foram facilmente batidos. “Mondo” falhou a primeira tentativa para o recorde mundial, mas ao segundo salto o atleta bateu o recorde mundial, colocando-o agora nos 6,17 metros.

Depois do recorde alcançado, Duplantis explicou o que sentia: “Como é que eu explico um sonho que o é desde que eu tinha três anos de idade? Não é um pequeno sonho. É todo um processo que se constrói até este momento. Ainda não consigo digerir isto”, assegurava o sueco de ascendência americana ao site World Athletics. “É um grande ano, mas é uma boa maneira de o começar”, acrescentou Duplantis.

Armand Duplantis, o “extraterrestre”?

“Mondo” nasceu a 10 de novembro de 1999 em Lafayette no estado do Louisiana, Estados Unidos da América.

Filho de pai americano e mãe sueca optou por vestir as cores da Suécia. Vindo de uma família de atletas de elite, passou os verões da sua infância no país escandinavo, competindo num clube de atletismo local.

Os pais foram ambos atletas da mesma universidade de “Mondo”, a Universidade do Louisiana. O pai, Greg Duplantis, foi também saltador com vara, com um registo pessoal de 5,80 metros. A mãe, Helena Duplantis, foi atleta do heptatlo e de voleibol, e é agora a preparadora física de Duplantis.

Na opinião do técnico nacional de saltos da Federação Portuguesa de Atletismo, o sueco é um “extraterrestre”. O professor José Dias considera que Duplantis “tem um potencial enorme e uma capacidade técnica fora do comum, aliada a umas condições excelentes de treino e um grande treinador”, afirmou em declarações ao JPN.

Mesmo não sendo o atual campeão do mundo da modalidade ao ar livre – Sam Kendricks ficou com o ouro no Qatar – o técnico português considera que “neste momento, Duplantis está muito à frente dos adversários“. “É muito jovem, mas já está muito à frente ao nível técnico e parece-me que também ao nível psicológico”, completou.

Armand Duplantis

Batido agora o recorde fica a pergunta: Até onde pode chegar a marca? “Depende um pouco da tecnologia, as varas eram tradicionalmente muito pesadas. O Duplantis utiliza uma vara de fibra de vidro de 5,20 metros. São pouquíssimos os atletas que utilizam este tipo de vara. Uma marca ao ar livre na casa dos 6,20 metros pode ser uma marca que, relativamente a curto prazo, pode acontecer”.

Nascido nos Estados Unidos e de ascendência sueca, Duplantis cruza o melhor de dois mundos, a exigência do treino norte-americano e a paixão dos europeus pelo atletismo.

José Dias lembra que as grandes escolas da disciplina “têm sido a escola francesa, a polaca, com várias competições ganhas” e a do antigo bloco de Leste, onde se têm destacado “os russos”, muito embora estes tenham agora “o problema do doping” que os impede de competir (pelo menos sob a bandeira russa).

Fora da Europa, José Dias considera ainda que a escola chinesa também é forte “embora que a China esteja um pouco atrás”, um atraso que na opinião do técnico nacional tem sido esbatido pela “presença  do treinador luso-francês e antigo treinador do francês Lavillenie como treinador principal dos chineses”.

Pegar na vara, respirar fundo e correr. É necessária coragem para superar a gravidade e saltar mais alto para além da fasquia colocada no topo. Que desafio encontra, então, um atleta deste tipo? Para o professor José Dias, o atleta do salto com vara “deve ser um atleta bastante forte fisicamente, rápido, forte a nível mental”, qualidades necessárias na opinião do técnico nacional para contrariar as adversidades, que por vezes são a nível climatérico e lutar contra as dificuldades da disciplina.


Evolução do recorde mundial
6,17m Armand Duplantis (Torun, 2020)
6,16m Renaud Lavillenie (Donetsk, 2014)
6,15m Sergey Bubka (Donetsk, 1993)
6,14m Sergey Bubka (Lievin, 1993)
6,13m Sergey Bubka (Berlim, 1992)
6,11m Sergey Bubka (Donetsk, 1991)
6,10m Sergey Bubka (San Sebastian, 1991)
6,08m Sergey Bubka (Volgograd, 1991)
6,05m Sergey Bubka (Donetsk, 1990)

É preciso ser destemido. Estamos a falar de saltar seis metros acima do nível do chão, agarrado a uma vara de vidro de 5 metros. Não é fácil”, diz José Dias.

Se Armand Duplantis alcançou o recorde mundial aos 20 anos, até onde pode chegar? O técnico nacional observa que tem ainda muito tempo para evoluir: “Antigamente, pelos 30 anos de idade, um atleta estaria no fim da carreira. Hoje, com a evolução no treino, os atletas cuidam muito melhor do seu corpo, os métodos de treino evoluíram, é possivel dizer que aos 28, 30, 31 anos, um atleta de salto com vara está no pico da sua capacidade”, analisa.

Armand Duplantis já entrou para a história que outros fizeram antes dele. Atletas como o lendário Sergey Bubka – que detém, há 25 anos, a melhor marca ao ar livre, 6,14 metros – que felicitou “Mondo” pelo novo recorde mundial.

Os Jogos Olímpicos de Tóquio, marcados para este ano, serão mais uma oportunidade para Duplantis fazer história e, quem sabe, pulverizar também a marca dos jogos que está nos 6,03 metros.

O brasileiro Thiago Braz é o detentor da marca – fixou-a em “casa”, nos Jogos do Rio de Janeiro – e vai querer mostrar que está à altura do sueco. Renaud Lavillenie, o primeiro a destronar Bubka, não vai querer que o novo “miúdo do bairro” guarde todas as atenções para si. E, claro, ainda há Sam Kendriks e Piotr Lisek. Uma prova, verdadeiramente, a não perder.

Artigo editado por Filipa Silva