O presidente da Câmara do Porto reiterou, esta segunda-feira (10), “total confiança” no diretor artístico do Teatro Municipal do Porto (TMP), Tiago Guedes, e salientou a pluralidade da estrutura. O autarca falou antes do período da ordem do dia da reunião do executivo camarário, depois de reunir à porta fechada com o responsável pelo TMP e os vereadores da oposição.

Apesar de considerar que as escolhas da programação vão “muitas vezes” aos “limites da tolerância”, Rui Moreira reforçou que o Teatro Municipal “tem alguém que é responsável pelas escolhas feitas” e que o executivo “tem dado liberdade” à instituição.

No dia 3 de fevereiro, a dramaturga Regina Guimarães acusou a direção do TMP de censurar um texto da sua autoria, no qual criticava a noção de “cidade líquida” usada por Paulo Cunha e Silva, antigo vereador da Cultura que morreu em 2015. O texto tinha sido escrito para incorporar a folha de sala da peça “Turismo”, da companhia A Turma, com texto original e encenação de Tiago Correia. O espetáculo esteve em cena no Teatro do Campo Alegre, entre os dias 31 de janeiro e 1 de fevereiro, mas a folha de sala não foi distribuída.

Sobre a controvérsia, Rui Moreira demonstrou “preocupação” pelas notícias divulgadas em diversos meios de comunicação nos últimos dias, por considerar importante preservar a relação que a cidade tem “com o seu teatro”, um espaço que, notou, não sendo “partidário”, “é sempre político”.

Rui Moreira espera, agora, que o assunto fique “sanado”. “Julgo que devemos continuar, devemos aprender com estas questões, devemos refletir”, disse o autarca, “mas não devemos deixar que alguém pense que agora se pode apropriar do teatro, ou que o teatro passa a ser um albergue para tudo aquilo que as pessoas querem”.

O presidente da Câmara do Porto confirmou ter sido confrontado “há duas semanas” pela equipa do TMP com uma folha de sala que levantava “algum incómodo”, estando Tiago Guedes fora do país. E acrescentou que, pese embora compreendesse “as sensibilidades e as lealdades” demonstradas, deu “instruções” para que o texto fosse “publicado na sua íntegra”.

“A verdade é que eu entendo que o público da cidade do Porto é suficientemente adulto para fazer ele próprio o seu juízo e, portanto, tinha sido essa a minha decisão”, explicou o líder camarário.

No entanto, tal não se verificou, com Rui Moreira a relatar que Tiago Guedes lhe ligou dando conta que as indicações dadas pelo autarca – “que, naturalmente, teriam de ser acatadas” – não o seriam uma vez que o encenador, “com quem ele [Tiago Guedes] teria falado na presença, aliás, de outras pessoas, teria optado que a folha de sala não fosse produzida“.

A versão dos acontecimentos do diretor da estrutura municipal foi, contudo, desmentida pelo encenador do espetáculo, Tiago Correia, que numa publicação na rede social Facebook acusou o diretor artístico do TMP de “censura, chantagem emocional, coação, ameaça e abuso de poder”.

A público veio também o relato da atriz e encenadora Sara Barros Leitão que, num artigo assinado na primeira pessoa no jornal Observador, denunciou que “o escrutínio do TMP passou a ser implacável” aquando da idealização de um espetáculo para a reentré do Teatro Rivoli – em setembro de 2019, e que viria a ser cancelado -, para o qual foi convidada por Tiago Guedes. Sobre este assunto, nada foi dito na reunião desta segunda-feira.

Oposição unânime

Durante a reunião da Câmara, a oposição foi unânime – tanto nas críticas face à decisão de se ter optado por não publicar o texto de Regina Guimarães, como na concordância manifestada em reação às palavras de Rui Moreira de que a polémica deveria servir de aprendizagem.

Manuel Pizarro, do PS, partilhou a noção de pluralidade do teatro expressa por Moreira, referindo que a agenda do TMP é “tolerante, plural” e que “questiona a cidade” e os seus “problemas”. Disse rever-se no modo como a estrutura tem sido guiada por Tiago Guedes, ainda que tal não signifique que não se faça uma “avaliação crítica” e “negativa” da decisão de não publicar a folha de sala.

Uma decisão que, no entender do vereador socialista, “por mais bem fundamentada” e “por mais compreensiva que possa ser”, é de “natureza censória”. Pizarro considera mesmo que as razões para não publicar a folha de sala “são boas”, afirmando não se rever “em nada” no texto de Regina Guimarães. Ainda assim, defendeu que a dramaturga “tem direito a fazê-lo”, porque “faz parte daquilo que é a liberdade crítica, liberdade criativa, liberdade de opinião”.

Álvaro Almeida, do PSD, assumiu uma posição análoga, classificando como “má” a decisão de não publicar o texto. Embora tendo-se distanciado da opinião de Regina Guimarães, o social-democrata disse que esta deveria ter sido publicada.

Por sua vez, Ilda Figueiredo referiu que “qualquer atitude que ponha em causa o direito dos criadores de exprimirem a sua opinião” é tida pela CDU como “um ato de censura” e “não é aceite”. E concluiu: “É esperar que este erro tenha servido de ensinamento para que situações destas não se repitam mais.”

Já o Bloco de Esquerda, que não tem representação na vereação, endereçou dez questões a Rui Moreira num documento enviado esta segunda-feira ao presidente da Assembleia Municipal do Porto. Pergunta, por exemplo, “que outros conteúdos são submetidos à opinião do Presidente da autarquia antes de serem apresentados” e se é “prática habitual” fazê-lo. Questiona ainda se é “prática corrente elementos do Executivo assistirem aos ensaios de imprensa”, da mesma maneira que aconteceu com a peça “Turismo”, e procura obter esclarecimentos sobre “o papel da Direção Executiva do Teatro” – nomeadamente, “se esta reporta diretamente ao presidente, Rui Moreira”.

Artigo editado por Filipa Silva