Seja na música, no cinema ou na televisão, o mercado do streaming em Portugal não dá sinais de abrandamento. Agora, a SIC anuncia a criação de uma plataforma de streaming própria para partilhar conteúdos. O modelo deve ser misto, com conteúdos acessíveis de forma gratuita e com outros reservados para quem tem uma subscrição paga, segundo avançou o CEO da Impresa, Francisco Pedro Balsemão, ao jornal Público, esta terça-feira.

Com este lançamento, a SIC vai juntar-se a outros grupos de media tradicionais que já se aventuraram no mundo do streaming. O recentemente criado Disney+, da Disney, o Peacock da NBCUniversal (que vai ser lançado ainda este ano) ou o Amazon Prime Video são apenas alguns dos serviços internacionais. Em Portugal, o Q Play do Canal Q ou o RTP Play são outros exemplos.

Douturado em Ciências da Comunicação e professor da Universidade do Minho, Luís António Santos acredita que a entrada da SIC no streaming pode ser um “prenúncio de uma evolução futura para o negócio da televisão”.

Visto que as “audiências médias dos canais generalistas em Portugal estão em queda” ao mesmo tempo que “as audiências para serviços de streaming ou de vídeo on demand, do género Netflix, estão a aumentar”, faz sentido que as televisões “comecem a pensar em si, não tanto como operadores de canais generalistas, mas como empresas que fornecem conteúdos vídeo”.

Desde 2011 que a RTP tem o seu serviço de streaming na internet, que Luís António Santos considera “exemplar até mesmo a nível internacional” pela “facilidade do uso” e pela “adaptabilidade” a várias gerações. “O facto da SIC entrar é apenas a adição de mais um player no mercado”, acrescenta.

Se a Netflix ainda domina o mercado, também é verdade que cada vez mais produtoras estão a apostar na criação das suas próprias plataformas e na exclusividade de acesso aos conteúdos. “Se nós excluirmos os acessos que muita gente faz através de caminhos não muito corretos, estamos a atingir uma fase em que é basicamente impossível a uma pessoa do ponto de vista financeiro e do logístico subscrever à Apple, à Netflix, à Hulu e à Disney ao mesmo tempo”, observa Luís António Santos.

O que deve acontecer é “alguma normalização das ofertas em pacotes”. “Presumo que neste mercado, como já aconteceu noutros, vai haver algum arranjo entre empresas e vão ser criadas ofertas que agreguem vários num só pagamento. O que querem as televisões antigas? Querem estar neste jogo, naturalmente”, prevê.

Num mercado cada vez mais competitivo, a estratégia de diferenciação passa pela criação de produtos próprios. Face à ameaça de ficar sem conteúdos, a Netflix começou a apostar nos filmes e nas séries originais, a começar com a estreia de House of Cards, em 2013. “Os conteúdos próprios já eram fator de diferenciação, o que acontecia era que além disso, os programadores dos canais de televisão deslocavam-se a uns festivais que aconteciam anualmente em cidades da Europa ou dos EUA e aí adquiriam pacotes dos produtos das outras empresa”, refere Luís António Santos.

Atualmente, a realidade é mais confusa. “Por um lado, as grandes empresas que só produziam conteúdos para terceiros, como as produtoras de cinema, querem entrar no jogo. Por outro, os canais de televisão veem-se ainda mais apertados por lógicas concorrenciais em que participam empresas gigantes”, começa Luís António Santos.

Mas a tendência é para o “equilíbrio”, que não se sabe se “vai ser favorável a operadores pequenos e de línguas não presentes no mundo inteiro”. “Desse ponto de vista, o facto de Portugal continuar a ser periférico em termos de produção de conteúdos vídeo vai manter-se ou até agravar-se”, refere.

É “legítimo que a empresa queira fontes de rendimento adicional” e é de realçar que “eventualmente” não é precisa uma grande audiência, apenas “10 mil pessoas que paguem para sustentar aquela produção”. Se no sinal aberto um programa de sucesso tem entre 1 milhão e 1 milhão e meio de espectadores, a escala no streaming é mais pequena. “Nestas plataformas, o sucesso vai medir-se por contraponto entre o dinheiro que se investiu e o número de pessoas que pagou para ver”, explica ao JPN.

Relativamente aos conteúdos da plataforma da SIC, ainda pouco se sabe. “Pode optar por ter alguns conteúdos em sinal aberto e outros conteúdos de valor acrescentado pelos quais vai querer cobrar dinheiro extra, mas, com franqueza, não sei se é uma estratégia de grande sucesso em Portugal”, considera o especialista.

“O mercado português é muito limitado. A apetência para pagar por conteúdos estrangeiros e por conteúdos nacionais semelhantes aos internacionais é reduzida. Em todo o caso, temos que continuar a observar estas coisas com alguma expectativa”, conclui.

Artigo editado por Filipa Silva