Ainda na antiguidade grega algumas das principais estórias representadas no teatro eram as tragédias. Mais recentemente, autores como Edgar Allan Poe, Stephen King, H.P. Lovecraft, Mary Shelly ou Bram Stoker fizeram sucesso com livros aterrorizantes. A questão impõe-se: o que atrai o público a esta “representação do mal”? Beatriz Pacheco Pereira, escritora e fundadora do Fantasporto, explica ao JPN que passar pelo medo que um filme de terror provoca é uma espécie de “catarse”.

O cinema de terror evoluiu do clássico horror monstruoso de vampiros, lobisomens ou criaturas de outro mundo à moderna representação do terror realista. O ‘medo’ é um sentimento negativo, mas ainda assim há um grande número de pessoas pelo mundo que se sujeita a este sentimento voluntariamente. Diversos estudos científicos tentam explicar a vontade que as pessoas têm de passar por momentos de ansiedade e nervosismo.

Quando se pensa em terror, a imagem de fantasmas e outras criaturas aparece na mente de muitos. A resposta para a atração deste género talvez não venha tanto do entendimento do irreal, mas sim daquilo que o espetador pode inferir do sobrenatural para situações reais.

Para Beatriz Pacheco Pereira, a catarse que está na base do cinema de terror relaciona-se com “aprender a lidar com o desconhecido. Ter uma experiência no cinema é muito mais seguro do que ter uma experiência na vida real. As pessoas gostam de ir ver, passam por alguns arrepios, ficam um bocado de boca aberta, mas aquilo passa e ficam tudo bem. Os traumas reais, esses não passam.”

Alguns estudos científicos sobre o assunto apontam que a catarse sentida pelas pessoas se assemelha à de jogos violentos em que é possível descarregar sentimentos que muitas das vezes não se conseguem no dia-a-dia. Ao mesmo tempo, parte da audiência parece aproveitar e procurar o sentimento de adrenalina e medo. Para o filósofo Noel Carroll, existe um “paradoxo do terror” criado pela procura de sentimentos que normalmente não seriam de interesse das pessoas sentirem. O estudioso questiona-se sobre o porquê das pessoas se sujeitarem a algo que as faz sentir mal.

Berys Gaut, autor no Jornal Britânico da Estética (British Journal of Aesthetic), afirma que não se trata de um paradoxo, uma vez que grande parte da população não sente prazer nestas emoções e sim curiosidade. O investigador argumenta que estes monstros e desfigurações são violações do nosso conhecimento natural, que causam desconforto e medo, mas ao mesmo tempo impõem uma certa curiosidade e fascínio pelo conceito.

“A imaginação ultrapassa muito mais a limitação do terror”, explica Beatriz Pacheco. A responsável do Fantasporto acredita que as pessoas gostam de sentir medo, é uma “constante da vida humana”, uma procura por este “medo do desconhecido” que não surge de agora e é “perpétuo”. “Agora o terror é muito mais próximo das pessoas. O que impressiona mais é saber que o terror pode chegar do vizinho. A ficção torna-se veículo das preocupações da realidade”, explica a escritora.

Tendo em conta que ao longo dos anos o terror no cinema se foi aproximando de medos reais e diários, o psicólogo social Clark McCauley demonstrou que os filmes de terror dão às audiências um sentimento de controlo ao colocar uma distância psicológica entre a obra cinematográfica e os atos de violência representados. Grande parte das pessoas que assistem a este tipo de filmes sabem que se trata de uma “representação irreal”, o que ajuda a “fomentar o distanciamento dos acontecimentos”.

Um artigo científico de 1999 comprova esta ideia ao mostrar que pessoas que consideram os acontecimentos como reais são afetados muito mais negativamente pela exposição a este tipo de filme. O psiquiatra e psicoterapeuta Carl Jung acredita que o terror explora os medos mais primordiais e enterrados do subconsciente, como o escuro e o desconhecido.

Segundo Beatriz Pacheco Pereira, “a visualização é muito poderosa. Na literatura as coisas passam um bocado pela imaginação do próprio leitor, no cinema isto é-lhes servido”. A criadora do Fantasporto acredita que a bagagem, seja esta intelectual, sentimental ou emocional, é o que torna o filme de terror algo assustador e específico para cada pessoa. “Não acho que as pessoas gostam do terror real, elas gostam do terror no cinema. As coisas na realidade estão bem mais aterrorizantes do que estão no cinema”, reitera a escritora.

O Fantasporto está a comemorar o 40.º aniversário este ano. O festival, que consegue manter um fluxo consistente de 15 a 20 mil espectadores anuais, mostra que o género de terror ainda é bastante desejado. No entanto, mesmo para o evento, o estilo não é o único apresentado. “Talvez o tempo do terror puro no cinema tenha passado. As pessoas já não se assustam. Hoje há uma certa normalização da apresentação desta parte do fantástico”, conclui Beatriz Pacheco Pereira.

O festival começou no dia 25 de fevereiro com a projeção do clássico “Blade Runner”, de 1982, e vai continuar a apresentar clássicos como “Bram Stoker’s Dracula” e “Raging Bull” até ao início oficial do festival com “Adverse” no dia 28 deste mês. Este ano, o Fantasporto conta com 37 filmes que vão ser apresentados num total de 77 sessões ao longo dos 13 dias do evento.