A tensão cresce na região montanhosa de Idlib, encostada à fronteira com a Turquia, no noroeste da Síria. Depois da morte de mais de 30 militares turcos e outros tantos feridos, esta quinta-feira (27), em mais um ataque das forças de Bashar al-Assad, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan agravou a retaliação por ar e terra aos avanços sírios e russos.

Na passada quarta-feira (26), Recep Tayyip Erdogan tinha feito um ultimato ao governo de Damasco para que o exército sírio abandonasse o cerco aos postos de observação turcos na região insurgente de Idlib. “Não daremos nem um passo atrás, afastaremos o regime [sírio] para lá das fronteiras que estabelecemos”, disse o presidente turco. Depois do ataque, Erdogan não só não recuou como tomou ainda outra medida, esta com a intenção de trazer a solução do conflito para as mãos da Europa.

Numa segunda reação ao ataque, o governo de Ancara ordenou a abertura da fronteira europeia aos cerca de 3,6 milhões de refugiados vindos da Síria. As fronteiras estavam fechadas desde 2015, no pico da crise dos refugiados, quando mais de um milhão atravessou o continente a pé. No ano seguinte, a Turquia acordou receber financiamento da União Europeia para fechar a porta da Europa à corrente de migração do Médio Oriente.

Um militar turco na fronteira oeste do país disse esta sexta-feira de manhã à Reuters que o governo tinha dado ordens para não impedir a passagem de refugiados para a Grécia e a Bulgária. Os dois países da Comunidade Europeia já reforçaram a presença militar nas fronteiras, barrando as caravanas de sírios que atualmente fazem caminho em direção à Europa, depois do anúncio de Erdogan.

Numa reunião de urgência convocada esta sexta-feira (28) pela Turquia, o secretário-geral da NATO apelou a um cessar-fogo “imediato” para permitir o “acesso urgente de ajuda humanitária para os que estão presos em Idlib”. O apelo de Jens Stoltenberg dirigiu-se diretamente à Síria e à Rússia, potência que tem apoiado os avanços do regime de Bashar al-Assad. Um encontro adicional para debater a situação em Idlib está marcado para a próxima quinta-feira (5) e vai reunir os presidentes da Turquia, Rússia e França e a chanceler da Alemanha, em Istambul, anunciou Recep Tayyip Erdogan.

Turquia e Rússia, dois intervenientes em braço de ferro

Esta manhã, os presidentes turco e russo discutiram um cessar-fogo, por iniciativa do primeiro, diz o Kremlin em comunicado. As duas partes concordaram em “tomar medidas acrescidas” para acalmar o conflito, ainda que estejam longe de um acordo. A Rússia recusa as acusações de terem sido os seus dispositivos a causar a morte dos 33 militares turcos em Idlib, apesar de deterem o controlo aéreo sobre a região.

Os dois países estão envolvidos no combate na Síria e esta é a enésima tentativa de cessar-fogo. Em causa está o insucesso de um acordo feito entre os dois países e o Irão em setembro de 2018 para a desmilitarização de um corredor circundante a Idlib. Os turcos prometeram manter afastadas da província as forças opositoras ao regime a que se aliam. Em abril de 2019, o governo de Damasco alegou que uma milícia ligada à Al-Quaeda estava a controlar grande parte da área, o que espoletou os ataques sírios apoiados pela Rússia a Idlib.

Desde então, estima-se que cerca de 1.300 civis tenham morrido na zona. Mas os números das mortes registadas entre os cidadãos sírios, desde o início desta guerra civil, vão muito para além dos milhares.

A maior crise humanitária desde o início da guerra

Idlib tem atualmente o maior conglomerado de refugiados do mundo, com mais de 900 mil sírios que, desde dezembro (segundo o Gabinete das Nações Unidas para Questões Humanitárias na Síria), são empurrados das cidades que progressivamente se tornam campos de guerra.

Entre o inferno e o inferno, cercadas de um lado pelo governo opressor de Damasco e do outro pela fronteira turca, milhares de famílias vivem agora “a pior história de horror do século XXI” nove anos depois do início da guerra civil na Síria, como o descreve o vice-secretário das Nações Unidas para assuntos humanitários Mark Lowcock.

Em época fria, milhares de homens, mulheres e crianças tentam sobreviver com os poucos pertences que conseguiram levar de suas casas, em tendas improvisadas. Há relatos de famílias que queimam roupas e até folhas de oliveira para se aquecerem, e uma família, ao tentar fazer uma fogueira dentro da tenda improvisada onde vive, queimou-a, matando duas crianças.

A província de Idlib é a última no país sob controlo dos rebeldes, apoiados pelos soldados turcos, contra o regime de Bashar al-Assad, que conta com a força militar russa para recuperar o território.

Artigo editado por Filipa Silva