Logo nas primeiras páginas do novo livro de Francisco Duarte Mangas, “A Cidade das Livrarias Mortas“, é relatado um episódio que nos poderá ser familiar: uma fila interminável de gente que se acotovela para entrar na Livraria Lello, no Porto. Uma das personagens espanta-se: “‘Faz tempo não via tanta gente a disputar a entrada numa casa de livros!’ O seu interveniente sorri trocista e responde: ‘A Lello, meu amigo, converteu-se em museu, num escadório, campo de treino de fotógrafo amador‘.” Está dado o mote para uma incursão crítica pelo Porto de hoje, aos olhos de quem o conheceu no antigamente.

Segundo o autor, a obra é um olhar sobre uma cidade que sofre bruscas metamorfoses, que lhe vão roubando a identidade. Esta realidade é-nos dada a conhecer nas reuniões de um grupo de poetas, que “conspira” nos cafés da baixa portuense. Num livro onde, por vezes, pode ser difícil distinguir a ficção da realidade – algumas das cenas de censura que descreve podiam bem ter acontecido no Portugal pré-revolução de Abril -, ao JPN, o escritor e ex-jornalista esclarece que a obra faz referência a pessoas reais e inclui alguns episódios caricatos que aconteceram na vida real. Exemplo disso são, por exemplo, a desavença entre os republicanos Afonso Costa e Sampaio Bruno, ou a história do ladrão de livros, mas “é tudo ficcionado“, justifica.

Francisco Mangas diz ter a expetativa de que o livro ajude os portuenses a refletir sobre o que querem para a cidade já que, reforça, o debate é ainda ténue e não encontra eco nos meios de comunicação. É, por isso, impossível não embater no tema das livrarias e alfarrabistas que vão fechando no Porto.

Para o escritor, o fecho crescente desses estabelecimentos deve-se a dois fatores. O primeiro está relacionado com a clientela e com o próprio mercado: as pessoas deixaram de frequentar as livrarias e alfarrabistas e conseguem encontrar livros à venda noutros locais, seja em plataformas online ou em espaços não especializados como é o caso de supermercados, o que teve um impacto negativo nas livrarias tradicionais.

Já o segundo fator tem a ver com a pressão imobiliária: “Normalmente nestas livrarias os donos não eram proprietários dos imóveis, esses imóveis foram vendidos e agora têm outra finalidade. A ideia que se passa é que a cidade está a mudar de ramo, está orientada para o filão do turismo que é importante para a cidade, mas tem o outro lado da medalha mas que também deve ser visto.”

O livro foi apresentado na edição deste ano do festival Correntes d’Escritas, que decorreu no passado mês de fevereiro na Póvoa de Varzim.

“Crise profunda” no jornalismo

À semelhança das livrarias, também os órgãos de comunicação social tendem para o fecho ou para uma concentração cada vez maior. Francisco Mangas vê esse fator com preocupação, não fosse o próprio ex-jornalista e antigo presidente do Sindicato dos Jornalistas. O escritor fala de uma “crise profunda” no jornalismo e lamenta o progressivo desaparecimento dos jornais em papel e a extinção de jornais locais, como o Primeiro de Janeiro – onde trabalhou – ou o Comércio do Porto.

“A debilidade económica de alguns meios de comunicação leva-os a seguir caminhos opostos à essência do jornalismo, e como é evidente isso reflete-se no produto final, reflete-se no trabalho dos jornalistas que agora me parece que são fustigados por outros tipos de censura.”

Publicar obras que não encontram eco no mercado editorial

O autor é presidente da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, fundada em 1882 por republicanos, com o objetivo de “defender as liberdades de Portugal“. Atualmente a atividade da associação é sobretudo editorial, foca-se em obras e autores portugueses, de países lusófonos ou galegos e publicou mais de 40 títulos na última década.

O critério é simples: “publicamos obras e autores que consideramos de grande qualidade mas que não têm lugar no mercado editorial de hoje, cuja única perspetiva é o lucro. Nós compreendemos isso, mas para nós o lucro não é o importante numa obra, e sim o valor dela.” Como explica o presidente da associação, também são desenvolvidos outro tipo de projetos como a Gazeta Literária – revista de referência nos anos 50 e 60 que entretanto ressuscitaram. Além disso, estão a trabalhar na criação de um grande prémio de poesia em língua portuguesa e galega, que deverá ser anunciado em breve.

Mas queriam fazer mais. A falta de verbas vai atrasando a recuperação de um edifício antigo, no centro da cidade do Porto. Algum apoio da Câmara Municipal, prestado nos últimos anos, permitiu a reabilitação da parte exterior. Contudo, por dentro há uma biblioteca e um auditório à espera de abrir ao público.

A biblioteca deverá acolher os cerca de 30 mil títulos que a Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto possui, várias coleções de jornais antigos, além do arquivo histórico, “que é uma coisa valiosíssima”, refere. Francisco Mangas lamenta que haja pouca exposição e diz que a comunicação social está um pouco de “costas voltadas” para as atividades da associação, não havendo cobertura noticiosa das iniciativas – aspeto que evidencia a falta que os órgãos de comunicação locais fazem na cidade.

Artigo editado por Filipa Silva.