“Mandaram toda a gente sair da missa. Já viu o que é eles estarem lá, uns a tossir para um lado e outros a espirrar”. Abel Soares é um dos muitos felgueirenses que não se mostram indiferentes a este que é o tema do momento. Na Praceta do Foral, assim como um pouco por todo o concelho, o coronavírus causa confusão e alimenta conversas, depois de há uma semana se ter sabido que eram destes concelhos 19 dos 41 casos confirmados à altura.

A propagação começou em Barrosas, após o regresso de um empresário de Milão, a região mais afetada pelo vírus em Itália. A partir daí, o contágio foi rápido e estudantes e trabalhadores dos concelhos de Lousada e Felgueiras foram mandados para casa.

Há pessoas que têm tido precaução, outros nem tanto. Vê-se aí gente nas tascas a jogar à sueca aos montes e não têm o cuidado que deviam ter, penso eu”, comenta Abílio Matos, habitante de Barrosas. “Por aquilo que se ouve e pelo alarme que a comunicação social faz, e com razão, esta epidemia é muito pesada. Com a gripe das aves ou as vacas loucas não havia este alarme social. Nunca se viu nada disto”, acrescenta.

“Ao princípio, as pessoas não tiveram bem consciência do que se passava, porque os primeiros casos confirmados foram todos familiares da pessoa que tinha viajado para Itália”, explicou Jorge Sousa, designer de 24 anos, perto de um café onde, com alguma ironia, a situação era abordada. “Cuidado que não podemos abrir as portas com as mãos”, ouvia-se alguém brincar no estabelecimento, tendo as palavras sido acompanhadas de algumas gargalhadas, ainda que ténues.

Brincadeiras à parte, são já vários os relatos da falta de cuidados da população. Se mais a sul, as idas à praia causaram polémica, em Felgueiras há casos de pessoas em quarentena que continuam a contactar normalmente com a família em casa e de saídas desnecessárias. “Ouvi uma história de uma senhora que devia estar em quarentena e que foi ao Continente e impediram-na de entrar”, revela Rosalina Cunha ao JPN.

Palmira Faria é presidente da Junta de Freguesia de Idães, em Barrosas, e confirma as suspeitas de furos à quarentena. “Ainda hoje sou confrontada por pessoas que estão de quarentena e que sabem de colegas que estão a andar pelas ruas e isso não é minimamente correto, estamos a pôr em causa uma comunidade inteira. Só a partir do comunicado da ministra se começou a ter mais consciência da situação”, explica.

Mesmo assim e depois do fecho das escolas, da biblioteca e das piscinas, Palmira Faria acredita que a situação vai “começar a apaziguar um bocadinho” e que não vai ser necessário “chegar ao extremo de fechar todo o comércio e serviços” porque “as pessoas estão a tomar as devidas precauções”. “Fala-se que daqui a duas semanas a situação já esteja mais calma, mas é cedo para saber. Neste momento está tudo em cima da mesa, as informações chegam a conta-gotas, ainda não sabemos como vamos fazer relativamente às remunerações dos pais”, conclui. 

Impacto económico

No concelho que é um dos principais motores da economia nacional e responsável por metade das exportações nacionais de calçado, o coronavírus veio afetar a produção de muitas fábricas, como a Ferjor ou a YouShoes.

Fátima Ferreira, sócia da empresa Ferjor, admite que a situação está cada vez pior: “a área do calçado já não está nada fácil, falta trabalho e agora é muito pior. Se as outras empresas já não queriam nada com a zona de Felgueiras e Barrosas, então agora muito menos”. 

Mas o pior pode estar para vir porque “muitos funcionários foram mandados para casa de quarentena”, mas não se sabe até quando. “Sinceramente, receio que a empresa não aguente. Se já não estava a ser fácil, imagine agora”, desabafa.

Nuno Marques da Silva é dono da YouShoes e teme “prejuízos enormíssimos”. “Os prejuízos seriam bastantes, porque uma coisa é a quarentena social outra é a quarentena total, em que as empresas não possam laborar”, afirma. Para além das perdas monetárias, há também a má imagem. “Iríamos estar a falhar e os prejuízos da imagem, às vezes, não se podem quantificar”, remata.

A YouShoes ainda não tem previsão para fechar, mas “se os casos continuarem a disparar, independentemente das empresas terem casos identificados ou casos suspeitos, vai ser encerramento para toda a gente”.

“Vai depender de como evoluir, porque se amanhã houver mais dez ou vinte infetados aqui na freguesia, isso é algo que está em cima da mesa”, explica.

Palmira Faria, presidente da junta de Idães, afirma que ainda não há dados sobre os danos económicos que o vírus está a causar e que é “óbvio que vai ser um transtorno”. “Por agora, as coisas ainda estão a ser tratadas, porque não sabemos muito bem o que se passa e aquilo que está em falta. Há uma série de situações que vamos tentar perceber junto dos empresários, mas neste momento sei que falta matéria-prima vinda do exterior, a que acresce a falta de operários”, conclui.

Artigo editado por Filipa Silva

Este artigo integra uma edição especial preparada sob a coordenação editorial de Pedro Rios aquando da sua passagem pela redação do JPN como Editor por um Dia.