O que é o isolamento profilático?

Mário Jorge Santos, ex-presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANMSP), define isolamento profilático como um conjunto de “medidas impostas durante determinado período de tempo da doença a um determinado indivíduo que não está doente”. Este isolamento é feito “já há mais de um século, e cada doença tem o seu período de isolamento e as suas características próprias”. Na doença COVID-19, esse tempo é de 14 dias, e o indivíduo saudável deve cumpri-lo.

“A maioria das pessoas que estão agora em isolamento” devido à pandemia de COVID-19 estão em isolamento profilático, explica o médico especialista em Saúde Pública. Esse isolamento pode ser voluntário ou não. “O voluntário é uma recomendação. Mas [o isolamento profilático] pode ser determinado pelo delegado de saúde, pela autoridade de saúde”, observa Mário Jorge Santos.

Nos casos em que é determinado pela autoridade de saúde, estamos perante um isolamento profilático de carácter obrigatório. 

No caso da pandemia de COVID-19, quem deve ficar em isolamento profilático?

“As pessoas que têm COVID-19, e que tiveram um contacto muito próximo com outras, poderão ter contagiado outras pessoas”, começa por referir ao JPN Teresa Leão, investigadora do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP). 

As pessoas que tiveram esse contacto, explica, “são consideradas contacto de alto risco” – e devem, portanto, ficar em isolamento profilático durante um período de 14 dias “para ver se desenvolvem sintomas ou não”. 

Sintomas, esses, que não são exclusivos à doença COVID-19, pelo que importa depois, sublinha a investigadora, “ver se de facto são causados por COVID-19 ou não”.

Já “as pessoas que contactaram durante pouco tempo, ou num espaço físico mais alargado” com um caso confirmado de COVID-19, poderão ser consideradas “contactos de baixo risco”. Mas também essas “devem fazer isolamento”, reforça Teresa Leão.

Quais as recomendações específicas a ter em conta numa situação de isolamento profilático?

“Primeiro, se a pessoa está em isolamento, deve contactar o mínimo possível”, adianta Mário Jorge Santos.

O que deve então a pessoa em isolamento fazer para assegurar que esse contacto é mínimo? Teresa Leão aponta para um resguardo no “quarto, por exemplo”. “E deve manter-se nesse quarto, especialmente se for ventilado, de porta fechada, para que não haja contacto com as pessoas da casa”, adverte.

Mário Jorge Santos assume a importância do arejamento e ventilação naturais sob uma condição: o quarto tem de ter uma boa exposição solar. Isto porque “o sol é um agente que destrói os vírus com muita potência – quer através da radiação ultravioleta, quer através da temperatura que faz secar as gotículas em que o vírus [o novo coronavírus, SARS-CoV-2] consegue sobreviver”. 

Assim, para o médico especialista em Saúde Pública, num dia de sol “com boas temperaturas”, é uma boa decisão manter a janela aberta e assegurar um “bom arejamento e circulação do ar”. O mesmo não se verifica num dia chuvoso, uma vez que, explica Mário Jorge Santos, “o vírus gosta do meio líquido”.

Quanto às precauções a ter na utilização da casa de banho, os dois especialistas com quem o JPN falou admitem que nem sempre é possível que a casa de banho seja individual – embora Mário Jorge Santos afirme que se trata da opção mais conveniente.

Ainda assim, tanto Teresa Leão como Mário Jorge Santos dão algumas recomendações considerando a eventualidade de a casa de banho ter de ser partilhada entre a pessoa em isolamento e os restantes elementos da casa. “É preciso proceder à higienização da casa de banho, com uma solução alcoólica, em cada utilização”, diz Mário Jorge Santos.

“Tudo o que seja superfícies partilhadas com outras pessoas devem ser higienizadas”, clarifica Teresa Leão, dando como exemplos o lavatório ou a banheira. A limpeza deve ser feita com detergente e água, podendo também passar-se, depois da solução com detergente, um pouco de lixívia diluída. Os mesmos cuidados de higienização devem prevalecer na limpeza de outras superfícies comuns fora da casa de banho.

Além disso, acrescenta a investigadora, as toalhas devem ser separadas por pessoa, seja “a toalha de rosto, a toalha das mãos ou a toalha usada nos duches”. 

“A roupa pode ser lavada em conjunto”, tranquiliza Teresa Leão, mas, no caso da pessoa em isolamento profilático, deve ser “a própria pessoa a levar a sua roupa para a máquina de lavar”. 

Relativamente às refeições, Mário Jorge Santos refere que “o ideal é alguém preparar a refeição, deixar a refeição à porta do quarto, a pessoa abre a porta do quarto e pega na refeição”. É, por isso, conveniente ter tabuleiros.

Teresa Leão partilha a mesma opinião. Esse é, também, o panorama “ideal” para a investigadora. Contudo, na impossibilidade de o cenário se processar do modo descrito – e, como tal, a pessoa em isolamento ter de ser, ela própria, a tratar da sua refeição – Teresa Leão dá alguns conselhos.

Em primeiro lugar, o indivíduo em isolamento “deve evitar cozinhar quando há outras pessoas na cozinha”. Deve por isso fazê-lo “quando não há ninguém e, depois regressar ao quarto”, recomenda.

Aliás, “é tentar evitar ao máximo estar no mesmo espaço com outras pessoas”, simplifica Teresa Leão, seja na cozinha ou noutra divisão. “É de evitar ao máximo circular pela casa estando lá a viver outras pessoas”, avisa a investigadora, referindo que deve existir uma tentativa de distanciamento social que seja “significativa”. “E aqui, habitualmente, os dois metros foi uma distância definida”, afirma.

Mário Jorge Santos coloca mesmo essa distância nos três metros.

Sobre a limpeza dos talheres, assim que concluída a refeição, o ex-presidente da ANMSP diz que, normalmente, “os talheres devem ser também desinfetados, embora pareça que uma ida à máquina resolveria isso. Mas não há evidência científica total”. Por isso, recomenda que os talheres “sejam desinfetados primeiro com uma solução alcoólica” antes de irem para a máquina de lavar. Uma vez limpos, a pessoa em isolamento deve “usar sempre os mesmos talheres, o mesmo copo, mas higienizá-los em caso de utilização”, conclui Mário Jorge Santos.

Estas indicações são as mesmas a seguir em caso de “internamento” em casa?

Sim. Teresa Leão explica que estas indicações “também acabarão por ser alargadas quando nós tivermos pessoas que estão doentes e que ficam ‘internadas’ em casa”.

Sabemos que 85% (mais ou menos) das pessoas não desenvolverá uma doença tão grave que necessite de hospitalização e, portanto, poderemos pensar num futuro relativamente próximo em que as pessoas passam a ficar em casa. Mesmo que seja nessa situação de as pessoas ficarem em casa, estas medidas adequam-se”, diz a investigadora.

“Por exemplo”, ilustra, “estas indicações são aquelas que, no Reino Unido, estão a ser dadas às pessoas que estão em casa ‘internadas’”. 

Mário Jorge Santos concorda. “Quando isolamos uma pessoa saudável, é porque ela é um potencial doente.”

No caso de um doente infetado com o novo coronavírus que está em casa, os cuidados têm de ser “redobrados” porque “há garantia de que ele pode transmitir o vírus. Por exemplo, é melhor haver um isolamento completo. É melhor haver contacto com o doente usando máscara. Lavar as mãos.”

Estando em casa, os doentes são na mesma “acompanhados por profissionais de saúde que, caso a caso, acompanham a família e dão as instruções devidas – e o material de que a família pode, eventualmente, precisar”, esclarece o ex-presidente da ANMSP.

É possível que a COVID-19, a doença causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), se torne numa doença sazonal?

“Por agora, ainda não temos” evidências, diz Teresa Leão. “Já há uns estudos que dizem que, provavelmente, sim; outros estudos a dizer que, provavelmente, não. Portanto, este é o momento em que a evidência é inconclusiva”.

“Claro que, tal como o Donald Trump, há o wishful thinking de que esperemos que sim, que atenue a sua atividade no verão. No entanto, não podemos deixar de pensar que ele poderá passar do nosso verão para o inverno do hemisfério sul – e que, no próximo ano, possa voltar de novo”, lembra.

“No entanto, a nossa resposta tem de ser para o momento atual. E a resposta para o momento atual é tentarmos ter o máximo cuidado, lavar bem as mãos, ter o máximo de higiene respiratória, de etiqueta respiratória – de forma a que contagiemos o menor número possível de pessoas -, e evitar estar em sítios com muita gente”, exemplifica.

Mas é preciso também “ter calma, respirar fundo, não entrar em pânico, porque o pânico é, claramente, o pior conselheiro de todos”.

Sem pânico e com a higiene certa, será possível ter “uma curva epidémica não tão acentuada, ou seja, que não tenhamos tantos casos a surgir nas mesmas semanas que impossibilitem os nossos hospitais de conseguir responder. E, se esta curva estiver um bocadinho mais achatada e, até, se calhar, um bocadinho mais longa, podemos ter um número de casos similar, mas, ao mesmo tempo, temos menos pressão sobre os nossos hospitais. É importante as pessoas terem essa noção. Possivelmente, haverá muita gente que será infetada; queremos é que haja o menor número de pessoas infetadas possível, por dia, por semana, para que os nossos hospitais consigam responder com calma e com competência”, explica.

Mário Jorge Santos diz que ainda é cedo para perceber o comportamento sazonal deste novo coronavírus.

“Eu costumo comparar os vírus às equipas de futebol – mal comparado, se calhar vão-me matar. Mas é como uma equipa de futebol que muda de treinador: o género é ligeiramente diferente, mas a equipa é a mesma. E, então, de facto eles não vão mudar muito a maneira de jogar, mas as táticas do treinador são diferentes e pode surpreender uma equipa mais forte que não esteja preparada. E este coronavírus é um pouco assim, também”, exemplifica.

“Essa sazonalidade pode, também, ter a ver com o sol. Mas ainda sabemos muito pouco. O vírus foi descoberto há menos de três meses”, reforça.

Estando assintomático, é possível alguém transmitir na mesma o vírus?

“A evidência que temos até agora refere que a transmissão de doença é feita principalmente pelas pessoas sintomáticas (ainda que com sintomas ligeiros)”, diz Teresa Leão. “Houve má informação no reporte de uma doente sem sintomas que teria transmitido a doença”, alerta.

Assim, “a evidência que existia sobre a transmissão assintomática foi refutada. A evidência atual aponta para que a maior parte (ou mesmo a totalidade) dos casos em que houve transmissão foi através da exposição direta a pessoas sintomáticas, ou a superfícies contaminadas” explica a investigadora.

Já Mário Jorge Santos diz que “a esmagadora maioria das transmissões são por doentes sintomáticos e, principalmente, com o sintoma tosse”. Porém, ressalva, “há relatos – mas não está devidamente comprovado – de pessoas que, tendo contacto com uma pessoa infetada pelo vírus mas não doente, vêm a desenvolver a doença”.

No entanto, “não sabemos exatamente se foi essa pessoa, que é o que parece, ou se foi outra pessoa qualquer, porque esses relatos são de situações em caso de transmissão comunitária. Isso ainda não foi completamente comprovado, mas suspeita-se que possa acontecer. Mas, acontecendo, é muito menor o risco de transmissão do que [através] de pessoas com outros sintomas, nomeadamente tosse”, conclui.

Os infetados podem voltar a contrair a COVID-19 depois de terem tido alta hospitalar?

“Ainda não temos tempo suficiente de acompanhamento” da pandemia “para termos uma informação conclusiva sobre isso”, esclarece Teresa Leão.

“No entanto, já houve relatos de pessoas que, após terem sido dadas como curadas, tiveram de novo sintomas e um teste positivo”, admite a investigadora do ISPUP.

Ainda assim, não há uma resposta concreta para responder a estes casos. Há alguns cenários possíveis que Teresa Leão adianta, parafraseando uma resposta dada numa iniciativa conjunta do ISPUP e do “Público”, que envolveu uma série de esclarecimentos prestados pela entidade de Saúde Pública da UP aos leitores do jornal, sobre questões relacionadas com a COVID-19.

O primeiro cenário de resposta admite que “os casos relatados são de pessoas que, após a resolução de sintomas, tiveram um teste que foi falso negativo”, ou seja, o teste deu negativo apesar de o SARS-CoV-2 ainda se encontrar presente, “e que numa avaliação posterior tiveram um teste positivo”.

O segundo cenário tem em conta as “duas variantes” do vírus que “parecem estar em circulação”, causando a doença.

Já o terceiro cenário, ainda que “menos provável”, admite que a imunidade criada ao vírus possa ter sido “baixa”, existindo a “possibilidade de reinfeção”.

Por sua vez, Mário Jorge Santos diz que não se sabe ainda responder a esta questão, precisamente por se desconhecer se, “tal como outras viroses”, a infeção pelo novo coronavírus “funciona como uma espécie de ‘vacina’ que cria imunidade natural, ou se as pessoas podem ser infetadas.”

“Ainda não há tempo para saber isso. Iremos saber, certamente, daqui a uns meses”, conclui o médico.

Artigo editado por Filipa Silva