Portugal atravessa, como o resto da Europa e do Mundo, uma das maiores crises desde a Segunda Guerra Mundial. Numa corrida contra o tempo, torna-se necessário os países agirem de forma imediata. Mas será que a resposta europeia foi concertada o suficiente? Se a saúde é responsabilidade dos Estados-membros, qual é o papel da União Europeia (UE)?

Rui Tavares, historiador, fundador do partido político Livre e ex-eurodeputado pelo Bloco de Esquerda, considera que a resposta europeia, até ao momento, não foi “nem concertada nem harmoniosa”. Contudo, afirma que “num primeiro momento também não se poderia esperar que fosse”, na medida em que a saúde pública é um tema que é “deliberadamente competência dos Estados-membros nos Tratados da União Europeia”. 

No comunicado de imprensa emitido esta quarta-feira (18), a Comissão Europeia (CE) refere estar “a seguir a crise da pandemia de COVID-19 em várias frentes – da saúde à economia”. Como forma de chegar a um acordo comum, pretendem, também, mobilizar todos os meios à sua disposição “para ajudar os Estados-membros a coordenar as suas respostas nacionais e a dar informações objetivas sobre a disseminação do vírus e os esforços efetivos para o combater”.

No entanto, Rui Tavares acredita que, embora a UE manifeste vontade de agir concertadamente, há críticas a apontar à resposta dada até agora. “Eu não tenho dúvidas de que esta pandemia vai ser um acontecimento histórico que afeta gerações, como o 11 de Setembro que acabou por determinar a política americana dos dez ou 20 anos seguintes”, reflete. 

“Agora, tudo depende da resposta que dermos e aí, sim, eu acho que há críticas que se podem fazer à União Europeia, por não terem visto logo mais longe”, completa o ex-eurodeputado. Para tal, dá o exemplo da Segunda Guerra Mundial: “Nós não temos ainda o que tivemos nesse período quando a indústria foi toda reconvertida, no caso, para fazer aviões de guerra. Ora, se foi assim na altura, porque é que hoje ela não pode ser reconvertida muito rapidamente, também, para fazer ventiladores?”, questiona.

De forma a solucionar a crise económica que há de vir, Rui Tavares propõe mecanismos semelhantes aos usados depois da Segunda Guerra. “Por exemplo, o equivalente ao Plano Marshall, do meu ponto de vista, deveria ser agora um rendimento básico incondicional temporário. Isto é caro, mas não seria mais caro do que foi, por exemplo, os resgates aos bancos a seguir à crise de 2008”. De acordo com o historiador, esta proposta duraria dois ou três meses e permitiria que a economia continuasse a funcionar, pois as pessoas teriam poder de compra, as empresas não iriam à falência e conseguiria aguentar-se o emprego. 

“Se calhar, se já tivéssemos um instrumento deste género, já não teríamos tantas dificuldades em ter uma sociedade resiliente que pudesse fazer uma quarentena, de um momento para o outro, porque já não tínhamos de nos preocupar tanto com o impacto económico dessa quarentena”, acrescenta. 

Para Maria de Belém Roseira, jurista e ex-ministra da Saúde, a resposta europeia devia focar-se na necessidade de impedir o colapso da economia. Assim, refere, é impensável que “se olhe para este problema, do ponto de vista económico, como se olhou para a crise de 2008”.

“O próprio Banco Central Europeu (BCE) terá de adotar medidas mais fortes do que aquelas que foram anunciadas, para evitar que a uma tragédia de saúde pública se junte uma tragédia económica, porque as duas coisas normalmente andam ligadas. Se a economia é fraca, também os sistemas de saúde não podem ser muito fortes”, analisa, acusando o BCE de ficar aquém do pretendido.

“A competência da UE é subsidiária, isso faz parte da filosofia da constituição da mesma”, começa por dizer, de forma a explicar que a saúde é responsabilidade dos estados-membros. “Onde nós realmente precisamos de ter políticas europeias é, por exemplo, no aprofundamento do sistema económico e monetário”, sugere a ex-ministra. 

“Nós estamos a viver uma situação completamente nova, a lutar contra um inimigo desconhecido. Vamos lá ver se é desta que verdadeiramente vão aprofundar esse sistema [o económico e monetário]”, sustenta. Para a socialista e ex-candidata à Presidência da República, era essencial “adotar políticas relativamente ao endividamento dos estados e à mutualização de dívidas, designadamente as contraídas para efeitos de fazer face a uma emergência de saúde pública”.

Maria de Belém Roseira defende que apenas investindo-se na economia – tarefa que cabe em grande parte à UE – é que se poderá construir um Serviço Nacional de Saúde (SNS) capaz de lidar com crises semelhantes à que o país atravessa.

O painel consultivo sobre o COVID-19 apresentado esta terça-feira (17), composto por epidemiologistas e virologistas de diferentes Estados-membros, é presidido pela presidente da CE, Ursula von der Leyen, e copresidido por Stella Kyriakides, comissária da Saúde.

Na lista de medidas propostas pela presidente da CE está:

  • assegurar o fornecimento adequado de equipamento de proteção e de material médico em toda a Europa;
  • atenuar o impacto da crise nos meios de subsistência das pessoas e na economia aproveitando plenamente a flexibilidade das regras orçamentais da UE;
  • lançar uma iniciativa de investimento de resposta à crise do coronavírus no valor de 37 mil milhões de euros a fim de proporcionar liquidez às empresas mais pequenas e ao setor dos cuidados de saúde;
  • disponibilizar um conjunto coerente de orientações dirigidas aos Estados-membros sobre as medidas a adotar nas fronteiras para proteger a saúde dos cidadãos e, simultaneamente, continuar a permitir a livre circulação de bens essenciais;
  • limitar temporariamente as viagens não essenciais para a União Europeia.

De acordo com Rui Tavares e Maria de Belém Roseira, a solução para a pandemia que assola o país e a Europa passa por construir uma resposta concertada ao nível económico, área onde, segundo os políticos, têm falhado as instituições europeias.

Mas, afinal, o que compete às instituições europeias?  

“Se for uma coisa como, por exemplo, negociar um tratado de comércio livre, é a União que o faz em nome dos Estados-membros”, explica o ex-eurodeputado. Não obstante, entre as competências da UE figuram, também, questões ambientais, por se considerar que “têm um impacto económico e, como antes a UE era uma comunidade económica europeia, essas coisas já faziam parte dos mandatos”.

A questão do controlo de fronteiras passa também pelas instituições europeias. Porém, no final de contas, são os países que tomam a decisão de limitar a livre circulação, agindo em concordância com os países vizinhos. Assim, o Acordo de Schengen estipula que se pode fechar fronteiras no caso de haver uma pandemia ou outro acontecimento imprevisto que ponha em risco a saúde e bem-estar dos cidadãos europeus. “Por isso há muita gente, principalmente nos campos mais anti-europeus, que veem uma coisa destas e celebram logo, por considerarem que acabou a livre circulação, mas não acabou, porque esta medida está prevista na própria lei de Shengen”, refuta Rui Tavares.

“É com cooperação que as coisas se fazem melhor”

Chegado o momento de apontar o dedo, o fundador do Livre ajusta-o na direção de Ursula von der Leyen. “Eu estou muito inquieto porque acho que não temos líderes nas instituições europeias que saibam tomar a dianteira e isso tem a ver com a maneira como foram escolhidos”. Para ele, a presidente da Comissão Europeia é “uma pessoa que fica ali à espera que os governos se pronunciem para depois dizer qualquer coisa”. 

Da sua perspetiva, “o que é preciso é uma UE que veja muito à frente e que tenha instrumentos de proteção precoce deste tipo de coisas, que reforce os seus serviços de saúde, que finalmente perceba que a austeridade nos deixou mais fracos e que reaja contra os nacionalismos que hão de vir daí”.

Criticando a passividade dos líderes europeus, Rui Tavares refere: “A União Europeia tem agora uma oportunidade – que temo vir a ser desperdiçada – para provar que é com cooperação que as coisas se fazem melhor”.

Artigo editado por Filipa Silva