O presidente da Associação Portuguesa de Bioética (APB), Rui Nunes, pede que sejam definidos critérios claros que regulem, através de um quadro ético bem definido, a priorização de socorro a doentes infetados com a COVID-19 nas unidades de Cuidados Intensivos (UCI). A posição da APB foi tomada esta sexta-feira.

Em comunicado para a imprensa, Rui Nunes defende que, ao atuar desta forma, será possível responder quanto à procura que pode vir a surgir e subsquentemente ficar acima das capacidades dos hospitais portugueses. É necessário, por isso, “antecipar a possibilidade de o Serviço Nacional de Saúde (SNS) não conseguir dar resposta atempada a todos os doentes” que necessitem de internamento, refere.

Para que a antecipação se concretize, é preciso estabelecer “um quadro bem definido de priorização ética“, para prevenir a escassez de recursos nas UCI, decorrente de “uma procura desproporcionada” face à oferta existente.

Nesse sentido, a APB propõe aos serviços hospitalares a consideração de diversos “critérios éticos de priorização” para admissão de doentes infetados com o novo coronavírus nas UCI.

Critérios de priorização devem ser “transparentes”

É defendido, em primeiro lugar, o respeito pelo “valor intrínseco da pessoa humana, pela sua dignidade e direitos fundamentais“. Esta valorização pressupõe que o paciente seja considerado para lá da sua doença, tendo-se em conta a gravidade da mesma e a gestão de recursos disponíveis para o seu tratamento.

O tratamento ao doente deve estar de acordo com a vontade do mesmo. Estes critérios podem ter sido definidos previamente, ao longo da vida do utente, através do Registo Nacional de Testamento Vital (RENTEV) do paciente – documento onde o cidadão pode inscrever os cuidados de saúde que pretende ou não receber.

Como tal e tendo em atenção todas as diretrizes a ser consideradas, devem ser estabelecidos critérios “claros, explícitos e transparentes de priorização” na admissão a UCI. Critérios esses que devem ser consensuais para todo o território nacional, em instituições públicas, privadas e sociais, e devidamente “aprovados pelas associações profissionais representativas”.

A APB pede, em caso de impossibilidade de admissão de todos os doentes que necessitem de cuidados intensivos devido a uma escassez de recursos, que se valorize a “maximização da sobrevivência até à alta hospitalar“. Aquela entidade considera ainda a “maximização do número de anos de vida salvados” ou a “maximização das possibilidades de viver cada uma das etapas da vida“.

Apesar disso, não deve ser feita uma seleção incoerente. Deve ser evitado o critério “primeiro a chegar primeiro a admitir”, conforme refere a APB. É, por isso, premente analisar cada caso e atribuir especial atenção a pacientes em estado crítico que necessitem de tratamento que não possa ser atribuído fora de uma UCI. Pode ser ponderada, no entanto, a admissão de pacientes em estado cuja incursão nas unidades possam resultar num “benefício mínimo”.

O doente e a família em primeiro lugar

Estes critérios pretendem relevar o doente para lá das suas características, excluindo-se qualquer tipo de discriminação, mesmo no que diz respeito à sua idade ou doenças crónicas.

Além da priorização do doente, Rui Nunes ressalva que é essencial ser promovida uma comunicação “franca e transparente” entre a equipa de saúde e a família do paciente. O processo de tomada de decisões deve ser transparente, sem esquecer a necessidade de prestação de apoio psicológico a todos os envolvidos (doente, familiares e profissionais), devido ao “impacto emocional” decorrente de “decisões éticas de elevada complexidade“.

A definição destes critérios, assegura o presidente da APB, “irá facilitar a missão dos médicos num cenário de procura excessiva dos Cuidados Intensivos”.

Artigo editado por Filipa Silva.