Numa altura em que o país anda a meio gás, a pesca é um dos setores primários que continua a funcionar. Entre o medo do contágio e a necessidade de trabalhar, surge ainda um problema maior: a diminuição da procura e a desvalorização do pescado. O JPN ouviu pescadores e mestres de embarcação que nos fazem o ponto de situação desta atividade.

A falta de compradores e as baixas de preço

Josué Coentrão trabalha na apanha da sardinha há mais de vinte anos. Para além das quotas, que o impedem de ir ao mar nesta altura do ano, nos tempos que correm é outro o motivo que se impõe. É que, embora pudesse ir à pesca da cavala ou do carapau, o risco “já não compensa”.

O Estado de Emergência levou ao fecho dos estabelecimentos de restauração e mercados, o que faz com que a pesca perca “os grandes compradores”, afirma. Josué Coentrão acrescenta ainda que a desvalorização dos preços traz incerteza no momento de calcular o que vale, ou não, a pena. “Não temos a quem vender o peixe e, para além disso, o carapau e a cavala já são peixes de baixo valor. Andam a ser vendidos a quinze ou vinte cêntimos por quilo. Estamos a arriscar a nossa vida, o risco já não compensa o ganho”, explica.

Também Silvano Fernandes sente os efeitos da pandemia na apanha da amêijoa, na Nazaré. Está parado, porque, à falta de compradores, a pesca não compensa. Explica que “os restaurantes, peixarias e mercado ao público direto estão todos fechados, o que está aberto são supermercados. Por isso, os barcos que estão a trabalhar é para repor stock de supermercados”.

A bordo, as medidas de proteção não são as mais evidentes. No caso de Josué, um barco de pesca industrial de “26 metros” leva cerca de “18 a 20 homens”, o que impede o distanciamento de segurança. Mas o impacto maior, diz, reflete-se na pesca artesanal.

“Não há condições”

É o caso do mestre Jaime. Hoje com 44 anos, afirma que trabalha no mar “desde que se lembra”. É em Leixões que se encontra agora, dentro do barco de onde não sai desde domingo: “normalmente a esta hora estávamos a tomar um café lá fora juntos, mas eu agora não saio do barco“.

Tal como Josué, o mestre Jaime sente na pele os efeitos de um presente incerto e de um futuro desconhecido. “Estamos a trabalhar para nada. Peixe que costuma estar a doze ou treze euros, está agora a três ou quatro. Não rentabiliza”, afirma.

A voz cansada e tremida revela a preocupação de quem sabe que “ganha do que pesca e do que vende” e que carrega a responsabilidade de “pagar ao pessoal”. Mas, mais do que tudo, a palavra “contágio” traz o medo que a todos assombra.

Eu sei que é um bem necessário, mas não há condições. Nós estamos nem a meio metro uns dos outros. Se aparece aqui alguém contagiado, vamos todos, porque não há condições, não há distanciamento”, afirma o Mestre.

Um terço das embarcações em funcionamento

De forma a atenuar a situação, a Associação Pró-Maior Segurança dos Homens do Mar (APMSHM) apresentou uma proposta. Ao JPN, o mestre José Festas, presidente da associação, explica: “nós fizemos o alerta ao senhor ministro [do Mar] há uns 15 dias para a gravidade da situação. Repetimos que 30% das embarcações deviam ir ao mar e 70% deviam estar paradas. Se nós tivermos 70% das embarcações paradas, as outras 30% vão apanhar peixe que é efetivamente vendido. Esse peixe dá dinheiro”. Para além disto, o mestre explica que a medida permite que haja “pescadores em casa, de retaguarda”.

José Festas confirma a “gravidade” da situação, reforçando ainda a especificidade do setor da pesca, dado o perigo de andar ao mar: “nós quando corremos o risco, tem de ser por uma coisa boa”.

O presidente da associação denuncia ainda que, “por falta de uma reunião”, a Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos ainda não pagou três meses de Fundo de Compensação Salarial aos pescadores que se candidataram em setembro. José Freitas afirma que isto equivale a um valor de 700 a 1000 euros por tripulante, dinheiro que, “neste momento, fazia muita falta”.

O JPN tentou confirmar a denúncia junto da Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, sem sucesso até à hora de fecho deste artigo.

As soluções?

Como resposta aos alertas acerca da falta de condições, o Governo anunciou na segunda-feira a aprovação de uma linha de apoio de 2,7 milhões de euros para a “aquisição de equipamentos e materiais de proteção individual, de desinfeção, bem como de testes de despistagem do vírus”. A medida surge de forma a “contribuir para o exercício das atividades da pesca e da aquicultura em condições de segurança“, conforme está patente no site do Governo.

A Comissão Europeia anunciou também, na manhã desta quinta-feira (2), a mobilização de recursos para fazer frente aos danos do coronavírus no setor da pesca. No comunicado confirma-se a flexibilização do Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP) de forma a apoiar a atividade.

Anúncios que trazem na rede segurança nenhuma para os homens do mar. Os pescadores sentem “receio”, sublinha José Festas, estão “por sua conta”, nas palavras do mestre Jaime, “abandonados à sorte”, como se sente Josué Coentrão. Resta a (boa) esperança destes que tentam, a todo o custo, ultrapassar a tormenta até que a tempestade, um dia, passe.

Artigo editado por Filipa Silva