Em tempos de pandemia, os ventiladores ganham uma importância especial – fornecem oxigénio aos doentes nas unidades de cuidados intensivos (UCI) que já não conseguem respirar sozinhos. Até ao momento são 270 as pessoas internadas nas UCI, segundo o último boletim epidemiológico da Direção-Geral da Saúde (DGS). Até ao início da pandemia, Portugal contava com 1.142 ventiladores, agora estima-se que sejam um total de 2.726, pelo menos.

Os anestesiologistas e os intensivistas são os médicos que mais trabalham com ventiladores. Para aumentar o número de profissionais aptos, estão a ser organizadas equipas multidisciplinares no tratamento de doentes com COVID-19. Assim, médicos e enfermeiros menos familiarizados com ventilação podem aprender a trabalhar com estes equipamentos

Mas não basta saber aplicar um ventilador, é preciso definir o tipo de ventilação mais adequado. Os doentes internados com o novo coronavírus têm insuficiências respiratórias graves e, por isso, precisam de ventilação mecânica invasiva – com intubação traqueal. Contudo, os aparelhos de ventilação não invasiva também são um contributo importante.

Antes do surto, Portugal não produzia ventiladores: importava-os. Agora, em fase de mitigação do vírus, vários protótipos estão a ser desenvolvidos e linhas de produção estão a ser reorientadas para satisfazer as necessidades das unidades de saúde. 

Quantos ventiladores há em Portugal? São suficientes?

Até ao início da pandemia, Portugal contava com 1.142 ventiladores – 528 nos cuidados intensivos, 480 em bloco operatório e 134 como capacidade de expansão – no setor público (Serviço Nacional de Saúde) e 250 no setor privado. Os dados foram confirmados pela DGS depois do primeiro-ministro ter adiantado esse balanço em entrevista à SIC

Segundo António Costa, Portugal comprou 500 ventiladores à China no valor de cerca de 10 milhões de dólares. Destes, 144 já chegaram a Lisboa no passado domingo (05). O embaixador português em Pequim, José Augusto Duarte, garantiu à agência de notícias Lusa que os restantes chegam à embaixada até dia 15 de abril. Este reforço de material aumenta em quase 50% (precisamente 43,8%) a capacidade das unidades de saúde, fora todas as doações efetuadas e protótipos criados.

Na conferência de imprensa da DGS da passada quinta-feira (02), o secretário de Estado da Saúde avançou que Portugal está “em condições de duplicar a capacidade de ventilação”, contabilizando “ofertas, compras e empréstimos”. Segundo a DGS, além dos 900 ventiladores adquiridos pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), o SNS recebeu uma oferta de 400 ventiladores invasivos e o empréstimo de mais 140 não invasivos, perfazendo um total de 1.440.

Contabilizados os 1.142 ventiladores existentes, mais os 144 que já chegaram da China e os 1.440 avançados pela DGS, há, então, pelo menos 2.726 ventiladores em Portugal neste momento.

Em declarações ao JPN, Alexandra Mineiro, coordenadora da Comissão de Ventilação Domiciliária da Sociedade Portuguesa de Pneumologia considera que o elevado número de doentes em cuidados intensivos é determinante quando falamos sobre a capacidade de resposta das unidades de saúde. “Conforme tem sido dito, nenhum país está preparado para esta necessidade de doentes ventilados. À partida, na pandemia haverá falta tanto de material como de profissionais especializados”, prossegue.

A médica pneumologista alerta ainda para o facto de esta não ser uma realidade inteiramente nova mas, sim, agravada. “Se antes da pandemia nós já sabíamos que o nosso Sistema Nacional de Saúde tinha falta de profissionais e de material, com certeza que agora se agrava mais esta situação”, sustenta.

Já Rosário Órfão, presidente da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia, não se precipita. “Não sabemos se não vão haver ventiladores suficientes”, reflete. A médica anestesiologista assegura ao JPN que, “para já, o número de ventiladores que existe está a ser suficiente”. 

Para que servem e quem precisa deles? 

“Um doente quando não está capaz de respirar ou ventilar sozinho, de oxigenar o seu sangue em quantidade suficiente e remover o dióxido de carbono, precisa de apoio ventilatório”: este é o perfil traçado por Rosário Órfão de quem precisa deste tipo de assistência, que “pode ser feita de muitas maneiras”.

Os ventiladores mecânicos tratam-se de equipamentos que fornecem suporte respiratório e podem ser invasivos, quando requerem intubação pela traqueia, ou não invasivos, como as máscaras de oxigénio. No tratamento da COVID-19 são usados os invasivos.

Como explica Alexandra Mineiro, “um doente precisa de ventilação mecânica invasiva em condições de insuficiência respiratória grave. Geralmente, deteta-se uma hipoxemia [baixa de oxigénio no sangue] muito grave, que é a principal indicação para este tipo de ventilação, e que está presente na pneumonia por COVID-19”.

Na hora de decidir quem precisa mais do apoio ventilatório, Rosário Órfão fala da necessidade de uma “sensatez clínica”. “Muitas vezes aquilo que estamos a fazer ao ligar um doente ao ventilador – se esse doente já não vai sobreviver – não é prolongar-lhe a vida, é prolongar-lhe a morte. Há sempre [na medicina intensiva] critérios para ver se o ventilador vai realmente ajudar esse doente ou vai apenas prolongar-lhe o sofrimento”, aponta a especialista.

Quem é que os sabe manusear?

Para se trabalhar com estes equipamentos é preciso saber ventilar e perceber qual o tipo de ventilação mais adequada para cada situação clínica. Rosário Órfão afirma que, graças à formação técnica, “todos os anestesiologistas e intensivistas estão habilitados a trabalhar com ventiladores”. Além disso, confirma que, em alguns hospitais, há outros profissionais de saúde de determinadas especialidades que usam também ventiladores nas suas unidades de cuidados intermédios e intensivos.

Esta capacidade não se fica pelos médicos: há ainda enfermeiros habituados a manusear os equipamentos. “A manutenção – que implica montar os circuitos, desinfetá-los e mudar os filtros – é geralmente feita por enfermeiros”. Por isso, para a médica anestesiologista “é importante que existam as duas áreas”. 

No entanto, o número de médicos e enfermeiros habilitados pode ser insuficiente no combate ao novo coronavírus. A estratégia passa então por fornecer a todos os profissionais de saúde as competências necessárias para usar os ventiladores. Assim, Rosário Órfão pede tempo para que sejam organizadas equipas multidisciplinares. “Neste momento, em alguns hospitais, com o apoio da medicina intensiva, estão a ser organizadas equipas com colegas de medicina interna e de anestesiologia para ampliar o número de médicos capazes de tratar estes doentes”, avança. 

A especialista reforça, ainda, que além de pessoas com este conhecimento técnico, é também preciso “criar espaços equipados com monitores e ventiladores, onde tradicionalmente não são recebidos doentes de cuidados intensivos”.

Não são precisos só ventiladores invasivos

Em Portugal, a produção de ventiladores e de aparelhos de ventilação complementares já arrancou e vai permitir uma maior assistência aos doentes internados com o novo coronavírus. De acordo com os dados divulgados pela DGS diariamente, o número de pessoas internadas tem aumentado e, consequentemente, a aplicação de ventiladores também deverá aumentar.

Para Rosário Órfão, os novos protótipos não invasivos que têm sido criados em território nacionalsão uma alternativa válida”, ainda que não substituam os ventiladores mecânicos invasivos fundamentais no tratamento da COVID-19. “Claro que é mais barato e mais fácil ir arranjando estes equipamentos que são complementares. Mas não substituem: uns têm indicação numa fase, outros têm noutra”, reflete.

Parte da razão pela qual estes complementos são importantes reside no facto de alguns doentes infetados já poderem ter problemas respiratórios. A médica anestesiologista explica que estes pacientes podem precisar de outros aparelhos, não invasivos. “Há vários graus de insuficiência respiratória. Portanto, é também necessário aumentar a capacidade de resposta em termos de oxigenação, de ventilação mecânica não invasiva – todos esses patamares”, aponta.

Para se avaliar o progresso da capacidade de resposta, Rosário Órfão pede que olhemos para o passado e relembra que durante uma epidemia de Poliomielite, na Dinamarca, um anestesiologista fez nascer a medicina intensiva ao ventilar um doente. “Isto é uma situação nova, para nós no século XXI, mas já aconteceu ao longo dos séculos passados. Atualmente, estamos melhor apetrechados, mas temos ainda que usar todo o nosso engenho, conhecimento e capacidade de organização para conseguir dar resposta”, conclui.

Artigo editado por Filipa Silva.