Apesar da quarentena provocada pela COVID-19 ser uma realidade recente que se vive um pouco por todo o mundo, as consequências e os efeitos psicológicos deste tipo de isolamento já foram alvo de estudo no passado. Ansiedade, stress, angústia, solidão, medo e tristeza são alguns dos sintomas mais comuns nas pessoas que passam pelo processo. Mas há armas de arremesso contra estes sentimentos negativos e uma delas é a rotina, como explicou ao JPN Cristina Queirós, professora da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP).

Como a realidade é recente, os artigos científicos lançados este ano analisam trabalhos antigos sobre períodos similares na história moderna, que mostram o que pode ser transferido para o presente.

Vai nesse sentido o estudo publicado este ano na revista médica “The Lancet. Num dos momentos analisados, o grupo do departamento de Psicologia do King’s College mostrou que a quarentena foi um dos fatores principais no desenvolvimento de transtorno de stress agudo. No mesmo estudo, as pessoas isoladas ficaram muito mais suscetíveis a reportar exaustão, desapego face aos outros, ansiedade, irritabilidade, insónia, baixa concentração, indecisão e deterioração do desempenho no trabalho.

A professora da Universidade do Porto, Cristina Queirós, em entrevista ao JPN, diz que neste início é comum a sensação de medo. “Diria que ainda estamos em adaptação. As pessoas estão a tentar adaptar-se dentro dos recursos disponíveis. Nesta fase, pode ser muito mais forte a ansiedade, a angústia e o medo, mas depois a seguir pode vir a exaustão emocional, o cansaço psicológico e a depressão. Pode vir algo que estava mais latente e que teve a oportunidade de emergir”, explica a doutorada em Psicologia.

Sabia que…
Há uma diferença entre os conceitos de isolamento e de quarentena, que não se observa no uso corrente dos termos. A quarentena visa deixar pessoas saudáveis ​​e assintomáticas expostas a uma doença infecciosa, isoladas pelo período de incubação, para conter a disseminação da doença. Enquanto que o isolamento consiste na separação de pacientes com infeção ativa de pessoas saudáveis e não expostas, para impedir a transmissão.

Um estudo qualitativo, também abordado no artigo da “The Lancet”, mostrou que diversos participantes demonstraram mudanças de comportamento após o período de quarentena e o retorno à normalidade demorou alguns meses. O estudo também diz que os sintomas e sentimentos experienciados pelas pessoas foi mais forte e proeminente em profissionais da saúde que tiveram de passar por esse processo de isolamento.

“É importante entender que as outras pessoas estão a partilhar dos mesmos medos, das mesmas angústias”, sublinha Cristina Queirós.

Esses sentimentos negativos durante o processo de isolamento forçado dependem de alguns fatores que são abordados em artigos científicos como o publicado na “The Lancet”, ou um estudo feito sobre a SARS em Toronto, no Canadá, e um outro estudo sistemático da quarentena por profissionais da saúde. Estes são:

  • Duração da Quarentena: três estudos mostraram que a duração da quarentena pode influenciar negativamente a saúde mental das pessoas, podendo chegar a causar sintomas de stress pós-traumático. Quarentenas acima de dez dias mostraram ser capazes de afetar psicologicamente uma pessoa por mais tempo;
  • Medo de infeção: os participantes nos diversos estudos tinham maior probabilidade de mostrar um medo de ter a infeção e/ou transmitir esta para pessoas que conhecem;
  • Frustração ou tédio: a perda de uma rotina normal, o confinamento, a redução de contacto físico com outros resultaram uma crescente sensação de tédio, frustração e solidão;
  • Falta de bens e produtos: a falta de alimentos, produtos higiénicos ou outros materias considerados essenciais foram determinados como um fator que aumentou o stress durante a quarentena;
  • Informações inadequadas: a falsa, falta ou incompleta informação sobre a doença, regras a seguir e condições da quarentena também aumentaram a probabilidade de stress relacionado com o isolamento.

A rotina contra o medo

Grande parte do stress gerado por esse isolamento acaba por levar à ansiedade. Esta condição é o culminar de dois sentimentos, como explica um artigo do The New York Times (NYT). A preocupação (de carácter mais físico) em conjunto com o stress (de caráter mais psicológico) podem levar à ansiedade prolongada, tornando-se um transtorno. Apesar desta condição ser comum nas pessoas em momentos pontuais da vida, como forma de adaptação do ser humano às mudanças constantes do ambiente em que vive, quando prolongada pode afetar a forma como um indivíduo age.

Além disso, a ansiedade pode causar certos sintomas físicos e psicológicos que se inserem diretamente no dia a dia das pessoas, como exposto pelo Medical News Today: inquietação, sentimento incontrolável de preocupação, aumento da irritabilidade, dificuldade de concentração ou dificuldade em dormir.

Alguns sintomas apresentados por essa condição em certos casos mais extremos, como numa crise de ansiedade, assemelham-se a alguns efeitos da COVID-19, como a dificuldade em respirar, podendo confundir as pessoas que estão a passar por isso. No entanto, é essencial que se entenda as diferenças e tome as precauções para que não haja uma reação extrema à situação.

Um outro artigo do The New York Times, tenta explicar alguns dos motivos que podem causar o aumento do stress e ansiedade nas pessoas. De acordo com a terapeuta Kathleen Smith, “os humanos são capazes de imaginar o pior cenário possível”. Esta capacidade, denominada de catastrophizing por David Rosmarin, diretor do Center for Anxiety, será uma forma natural das pessoas ganharem controle sobre uma situação.

O também professor do departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Harvard, David Rosmarin, completa ao NYT que por estarmos a passar por tempos relativamente seguros da história do mundo, acabamos por não estar preparados para momentos inseguros.

No entanto, há formas de melhorar ou evitar efeitos psicológicos negativos durante o período de quarentena e isolamento. Cristina Queirós explica ao JPN que a rotina é um dos passos mais importantes em prol da saúde mental.

“Quem vive num submarino tem uma série de rotinas para ficar num espaço fechado. Se nós pensarmos que temos um submarino um bocado mais alargado, que são as nossas casas… As pessoas criarem rotinas com horários, que permitam estruturar o dia de uma forma saudável e com regras e ter tarefas para ocupar o tempo” é uma boa estratégia para melhorar a saúde mental neste período, explica a professora.

Manter a saúde mental em tempo de crise

A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um artigo a propósito da segurança e saúde mental das pessoas durante este período de quarentena. O documento reúne 30 pontos dirigidos a diferentes grupos de pessoas que podem estar a ser afetadas psicologicamente por esta questão. Algumas das dicas e recomendações da OMS são:

  • Diminuir a quantidade de notícias consumidas sobre o coronavirus;
  • Providenciar apoio prático e emocional àqueles que precisam;
  • Aprender exercícios físicos simples e diários para praticar em casa;
  • Manter horários e rotinas regulares o máximo possível;
  • Manter contacto com pessoas através dos meios disponíveis;
  • Em momentos de stress, realizar atividades que acalmem e relaxem.

Cristina Queirós também partilha alguns conselhos sobre como melhorar a saúde mental neste período. Além de manter uma rotina saudável, a professora diz que este é um bom momento para fazer as tarefas adiadas no passado: “Aprender alguma coisa que a pessoa gostava de fazer e que agora tem a oportunidade. Estabelecer diferença entre os dias de trabalho e o fim de semana. Tentar fazer parte de uma equipa, voluntários da comunidade, para as pessoas sentirem que estão a contribuir, para não ter um impacto psicológico tão grande”, enumera a docente.

Para a professora o mais importante neste período é conseguir “dar significado ao tempo em que a pessoa está confinada.”

Para ajudar às pessoas que sintam precisar de ajuda, tanto a Universidade do Porto como a Sociedade Portuguesa de Psicanálise criaram linhas gratuitas de apoio emocional e psicológico.

A linha de apoio da Universidade do Porto (LAPUP) está disponível para todos os membros da comunidade académica através do número 220 408 408. O atendimento acontece entre as 09h30 e 14h30, e as 19h00 as 00h00, de segunda a sexta-feira. Ao fim de semana está disponível apenas em horário noturno.

Já a Sociedade Portuguesa de Psicanálise criou uma linha de apoio telefónica gratuita destinada a toda a população, que inclui 64 psicanalistas (entre estes psicólogos, pedopsiquiatras e psiquiatras) que ficam disponíveis para conversa das 8h00 às 00h00, todos os dias da semana e fins de semana. A rede pode ser contactada através do número 300 051 920.

Artigo editado por Filipa Silva