Uma sondagem divulgada esta terça-feira (07) pela DataFolha, instituto de pesquisas do Grupo Folha, aponta que 28% dos brasileiros não estão a seguir a orientação de ficarem em casa durante a pandemia de COVID-19. O JPN esteve à conversa com alguns cidadãos brasileiros que contam, na primeira pessoa, a realidade do país onde nem todos se podem dar “a um luxo destes”, o de ficar em casa.

Parte da população brasileira não pode ficar isolada em casa. Tratam-se dos trabalhadores de serviços essenciais, como é o caso de setores como a saúde, alimentação e segurança. Para eles o isolamento foi descartado, por vontade própria ou obrigação.

Vander Rogério Vieira é médico cardiologista na Santa Casa de Descalvado, no interior de São Paulo, Estado que regista o maior número de pessoas contaminadas no país até ao momento. Em conversa com o JPN, o profissional de saúde alerta para a urgência em “minimizar a transmissibilidade do vírus para que haja menos pacientes ao mesmo tempo a precisar do serviço de saúde.”

O médico revela-se apreensivo com a possibilidade de que haja “um grande número de pessoas contaminadas, o que sobrecarrega demais o atendimento.” Vander Vieira lembra que se a procura for muito grande, não vão conseguir prestar um “atendimento adequado” a todos os pacientes ao mesmo tempo, “sejam eles de alta complexidade, que não precisam de terapia intensiva de UTI [o equivalente a Unidades de Cuidados Intensivos – UCI, em Portugal], ou mesmo hospitalizados para tratamento clínico na enfermaria do hospital”, acrescenta.

Também no interior de São Paulo vive “Paulo”. Em conversa com o JPN, o guarda prisional que, por motivos de segurança preferiu não ser identificado com o seu verdadeiro nome, descreve a situação atual com que se depara no seu local de trabalho, assim como as medidas de proteção adotadas.

Se, por um lado, ainda há presos que podem manter contato indireto com o exterior, como é o caso dos que estão em regime semiaberto, autorizados a receber alimentos de visitantes externos – entregues na portaria aos guardas, que são revistados e entregues aos presos. Por outro lado, todas as visitas foram canceladas, sem exceções.

Segundo o guarda prisional, os funcionários também receberam orientações sanitárias que visam a lavagem frequente das mãos e punhos, o uso de álcool gel e o distanciamento social entre todos. “Paulo” diz não saber se os detidos cumprem as medidas de higiene divulgadas, uma vez que não tem contacto com eles permanentemente.

Tendo em conta que se trata de um serviço essencial e não pertencendo a um grupo de risco, “Paulo” tem que continuar a trabalhar. O guarda prisional diz concordar com as declarações e o ponto de vista do presidente Jair Bolsonaro.

“Para muitos [cidadãos] é fácil ficar em casa a proteger-se. Nós sabemos que o vírus é muito perigoso, mas se ficarmos todos enclausurados, vá-se lá saber quando isto vai acabar. A geladeira [frigorífico] da maioria da população não tem condições de se manter cheia para dar o que comer aos seus filhos. A minha mãe não sai de casa para se proteger, mas eu vou à luta para ganhar o ‘ganha-pão’ e o levar para casa. Nós de baixa renda infelizmente não nos damos a um luxo destes [de ficar em casa]“.

Já o médico cardiologista Vander Vieira diz estar insatisfeito com as posições que Jair Bolsonaro tem tomado . “Ficou bem clara a intenção dele [Bolsonaro] no setor económico ao invés da preservação da vida. No meu ponto de vista, é uma pessoa de baixo discernimento e de convicções que fogem completamente da ciência, se podemos dizer assim.” O profissional de saúde acrescenta ainda que as declarações do presidente abarcam problemas em manter o isolamento social, “tão importante neste momento.”

O cardiologista faz ainda referência aos discursos que o presidente do Brasil tem tido e dá como exemplo os das últimas semanas, quando atacou governantes por determinarem o fecho de escolas e do comércio como uma medida essencial no combate ao surto. O presidente do Brasil disse também que à maioria dos brasileiros que venham a contrair a doença, esta se apresentaria como “uma gripezinha”, para além de criticar a imprensa.

Na intervenção da semana passada, Bolsonaro mostrou-se mais cauteloso nos comentários sobre a epidemia da COVID-19 e admitiu que “o vírus é uma realidade e ainda não existe contra ele vacina ou remédio com eficiência cientificamente comprovada“.

Jair Bolsonaro voltou, no entanto, a frisar a necessidade em acordar as medidas de proteção à vida dos cidadãos brasileiros através da manutenção dos seus empregos, e, mais uma vez, não se pronunciou sobre uma possível quarentena.

Durante ambas as transmissões em direto, cidadãos de vários pontos do país que se opõem a Bolsonaro, realizaram o chamado “panelaço” – forma de protesto que utiliza tachos, frigideiras e outros tipos de utensílios domésticos para fazer barulho contra alguém, enquanto discursava.

Medidas de proteção

O surto do novo coronavírus é agora motivo para libertar dos presídios detentos acusados de cometer crimes, violentos ou não, também os que são parte do grupo de risco. A medida pretende evitar riscos de propagação da doença nas penitenciárias.

Luzia de Almeida Moreira, advogada e criminóloga do Rio de Janeiro, falou ao JPN sobre a medida imposta pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em estado de emergência. Segundo a advogada, todos os presos que estavam prestes a ter o “benefício de saída temporária ou que já preenchem os requisitos para liberdade condicional, foram colocados em liberdade. Os menores [de idade] aprisionados também foram libertados porque não há condição de os manter devido ao alto número de presos.”

A advogada assegura que continua a visitar os seus clientes nas prisões, mas apenas em casos de emergência.

Nesta terça-feira, o Governo brasileiro e a “Caixa Econômica Federal” divulgaram uma nova aplicação e site dedicados ao registo dos trabalhadores informais de classe social baixa que desejam receber o auxílio emergencial de 600 reais, o equivalente a 105 euros, até ao fim da crise de COVID-19. Os pagamentos devem iniciar-se ainda esta semana, em três parcelas mensais com o valor referido.

Voluntariado

Em declarações ao JPN, a voluntária Karina Rienzo, do Entrega por SP, projeto que distribui comida por pessoas em situação de sem-abrigo pelas ruas de São Paulo, explicou como tem sido o processo.

Karina Rienzo conta, ao detalhe, como está a ser a continuação de trabalhos e aponta que aquilo de que se tem vindo a aperceber é que mais da metade dos moradores de rua não têm conhecimento sobre a COVID-19.

Até às 21h00 desta terça-feira (17h00 no horário de Brasília), registavam-se, no Brasil, 667 mortes por COVID-19, 13.717 casos confirmados, e 127 pessoas curadas.

Desde a primeira morte, a 17 de março, até ao passado dia 29 foram contabilizadas 136 vítimas mortais. Em Itália – país da Europa que mais tem sofrido os efeitos do vírus-, entre os dias 21 de fevereiro, data marcada pela primeira morte confirmada no país, e 4 de março (mesmo espaço de tempo de 12 dias), foram 107 o número de mortos pelo novo vírus.

Contudo, os números não devem ser olhados de forma isolada como explica, ao JPN, o geógrafo e professor de Geografia em São Paulo, Nivaldo Cariatti. O especialista diz que os números de mortos, contaminados e recuperados devem ser analisados de acordo com os aspetos socias e económicos correspondentes a cada realidade.

Além disso, segundo o especialista, é também necessário ter em conta fatores como “territorialização, condições geográficas, ocupação dos espaços urbanos e aspetos populacionais“, e as condições da população em idade avançada. Para o geógrafo, os números devem ser usados para “ressaltar políticas de intervenção dos Estados (ou a sua ineficácia)“.

A população brasileira ultrapassou, em 2019, os 210 milhões de habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já a italiana, no mesmo ano era de cerca de 60 milhões de pessoas.

Neste site criado pelo Ministério da Saúde brasileiro pode acompanhar as atualizações dos casos do coronavírus no país.

Artigo editado por Filipa Silva.