O fecho das escolas em Portugal levou à adoção de novas formas de ensino a distância e a Telescola vai voltar à televisão nacional, com arranque marcado para o início do terceiro período para os alunos até ao 9.º ano. A nova Telescola traz um outro nome e vai também ser distinta daquela que os portugueses conheceram depois de 1965. Numa viagem no tempo aos dias em que se aprendia pelo ecrã, o JPN falou com antigos alunos de Telescola e com uma especialista na área da psicologia da educação para tentar perceber se esta pode ser, ou não, uma boa solução.

Aprender com televisão e cassetes

António Menino, de 45 anos, ainda tem bem presente na memória a voz da professora de francês que, do outro lado do ecrã, dizia ” répétez” vezes sem conta. Foi através da caixa mágica que, durante o quinto e o sexto ano, aprendia as lições, em Carviçais, Torre de Moncorvo.

“As aulas funcionavam na escola primária- nós íamos à escola!“, afirma. Como quem revisita um passado feliz, explica que “havia um horário para o quinto e outro para o sexto ano” e que “o professor até desligava a televisão quando a aula já não era para o ano certo“.

Isto, porque as aulas não funcionavam sozinhas, “havia ainda dois professores – um para a área das ciências e outro para as humanidades”. O papel dos professores “complementava” as aulas, como explica António Menino. “Chamavam à atenção e ajudavam na resolução dos exercícios“.

Na gaveta das memórias de infância (e também nas gavetas de casa), o carviçaense ainda guarda os manuais de apoio – “ainda os conservo, eram manuais muito bons“, justifica.

Também Alexandra Tavares passou pelo ensino a distância, na mesma freguesia de Torre de Moncorvo, em Bragança. Hoje com 35 anos, recorda que tinha aulas por cassetes, que eram enviadas para a escola e que continham a matéria leccionada.

Explica, em risos, que a tecnologia “era muito avançada para a altura”, pois poucas eram as crianças que tinham leitores de cassetes em casa. Também Alexandra Tavares recorda os manuais para algumas das disciplinas e refere que tinha dois professores.

Os professores não tinham grande formação. Um deles era licenciado mas a outra professora só tinha o 12.º ano”, relembra, acrescentando, no entanto, que a sua presença era importante porque permitia que os alunos tirassem dúvidas.

Para lá de todas as disciplinas que eram lecionadas por cassetes, Alexandra destaca as aulas de música, também pelo mesmo meio. “Agora comparo-me com o meu filho, eles na escola tocam flauta. Nós não, nós víamos alguém a tocar na cassete!“.

Ensino a distância no tempo presente

Anos volvidos, também o filho de Alexandra Tavares está a passar agora pelo ensino à distância. A pandemia obrigou a que Leonardo Pinheiro, de 12 anos, tivesse de aprender agora em casa a matéria do 6.º ano de escolaridade.

A mãe explica que o sistema tem passado pela resolução de fichas, enviadas pelos professores por e-mail. Os alunos podem também tirar dúvidas, pelo mesmo meio. A única exceção é a de um professor, o de ciências, que “criou uma turma na Escola Virtual e manda indicações e tira dúvidas”.

Alexandra Tavares explica que, no início, achou que o ensino ia funcionar por video-aulas mas tal ainda não aconteceu. Demonstra preocupação com a aprendizagem do filho porque, justifica, “há matéria que nós, os pais, não conseguimos acompanhar. Há coisas que não demos e há coisas que demos de outra forma. Não sei como vou fazer daqui para a frente se isto prolongar”, desabafa.

A carviçaense explica que tem arranjado outras estratégias na internet para solucionar o problema: “muitas vezes vamos ao YouTube para tirar dúvidas na matéria. Há muitos vídeos brasileiros que explicam aulas inteiras e funciona. Mas é claro que a solução ideal não será essa“.

As crianças não podem depender dos pais para aprender”

O desgaste dos pais e a estruturação da iniciativa da Telescola preocupam Célia Oliveira, docente da Faculdade de Psicologia da Universidade Lusófona do Porto (FPULP) e colaboradora da plataforma de educação “Ed-On”.

A professora acredita que este modelo de Telescola vem trazer “enormes desafios aos professores, aos alunos e às famílias” e que é necessário que haja uma adaptação da metodologia antiga às características dos dias de hoje. “A Telescola foi implementada em Portugal há muitos anos e não há investigação significativa que nos informe acerca dos efeitos dessa experiência“, explica.

De forma a que o novo modelo funcione, Célia Oliveira acredita que é crucial que se definam “atividades muito estruturadas, com objetivos e tarefas muito claras” uma vez que é pedido “um grau de autonomia muito significativo aos alunos“.

É muito importante que esta modalidade não constitua uma sobrecarga para as famílias“, explica, “para tornar esta metodologia eficiente”. A docente reitera ainda que este tempo veio reforçar a indispensabilidade dos professores. “Os professores são indispensáveis” e devem “estar presentes para monitorizar os efeitos desta modalidade de ensino a nível emocional, motivacional e académico“.

Celia Oliveira explica ainda que “as crianças não podem depender dos pais para aprender” até porque isso representa uma situação de injustiça e desigualdade. “Se, por um lado, há pais que têm as competências e a disponibilidade para isso, há outros que não têm. Há muitos pais a lidar com situações muito difíceis”, sustenta.

“Aos pais cabe-lhes o papel de pais: espera-se o apoio emocional e o apoio instrumental, na medida do possível. A escola desempenha o seu papel no apoio instrucional e académico“, acrescenta a professora.

O distanciamento social e o isolamento levantam ainda a questão da socialização da aprendizagem. Célia Oliveira defende que “é importante cuidar da natureza social da aprendizagem e manter a criança em interação com o outro”. A especialista em psicologia da educação refere os trabalhos de grupo e o contacto entre colegas como uma atenuação deste isolamento e afastamento que as crianças podem, naturalmente, sentir nesta altura de quarentena.

Artigo editado por Filipa Silva.