Na segunda-feira (20), o preço do barril de petróleo WTI (West Texas Intermediate), que serve de referência ao mercado americano, chegou a -37,63 dólares, o valor mais baixo de sempre. No dia seguinte, o Brent – referência do petróleo europeu -, desceu para 16 dólares, o valor mais baixo em 21 anos. Como é que estes valores foram atingidos? O abrandamento da economia, disputas entre gigantes da indústria do petróleo e problemas de logística são algumas das causas.

Desde o início da pandemia da COVID-19, o consumo de petróleo diminuiu drasticamente. “Estamos numa altura excecional em que a procura caiu a pique”, afirma Pedro Gil, professor de Macroeconomia e Economia Empresarial da Faculdade de Economia do Porto (FEP).

“Houve um enorme abrandamento da economia. E com isto, os grandes consumidores de petróleo estão parados. Quer a nível de produção elétrica, quer a nível de automóveis, quer a nível de aviões”, complementa Luís Aguiar-Conraria, professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho (UM) e investigador do Núcleo de Investigação em Políticas Económicas e Empresariais (NIPE).

Disputas na indústria petrolífera fizeram com que mercado fosse inundado de petróleo, no início de março, e segundo as “leis” da Economia se a oferta aumenta e a procura diminui, o preço também diminui.

Tanto o efeito da pandemia na economia como a guerra de preços entre a Rússia e a Arábia Saudita iam afetar a indústria petrolífera a nível mundial, se acontecessem de forma isolada. Juntando as duas, os mercados norte-americano e europeu registaram drásticas quedas de preços dos barris, com o Brent a cair mais de 50 dólares desde o início do ano.

Rússia vs Arábia Saudita

Nos dias 5 e 6 de março, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo e a Rússia (OPEP+) reuniram-se para discutir uma possível redução da produção de petróleo.

A Rússia opôs-se. Em declarações à agência RIA Novosti, Mikhail Leontyev, porta-voz da petrolífera russa Rosneft, chamou o acordo de “masoquista”. “Os nossos volumes simplesmente vão ser substituídos pelos dos nossos competidores”, explicava numa clara referência aos Estados Unidos.

A rejeição do apelo da OPEP não podia ser ignorado. A quebra de acordos já aconteceu diversas vezes na história da organização. Segundo Luís Aguiar-Conraria, o objetivo é lucrar.

Se “um determinado país fura o acordo e resolve vender mais, com um preço mais baixo”, vai conseguir uma maior cota do mercado, explica o investigador ao JPN. Segundo Luís Aguiar-Conraria “se for só um país a violar o acordo, esse país beneficia bastante” e a penalização é os restantes membros da organização responderem “de forma mais agressiva, ou seja, produzindo ainda mais”.

E foi isso que a Arábia Saudita fez, inundando o mercado de petróleo. No entanto, não implica isto prejuízo para o produtor, dada a redução drástica do preço? Pedro Gil explica que não.

“A Arábia Saudita tem uma vantagem que mais nenhum outro país no mundo tem, que é o facto de o custo de produção de petróleo ser particularmente baixo”, explica o professor da FEP. “Eles têm tantas receitas que mesmo assim [a redução do preço] não implica um prejuízo”, resume.

Entretanto, a OPEP e os seus principais aliados, como a Rússia, chegaram a acordo para a redução da produção mundial de petróleo em 9,7 milhões de barris por dia, mas a travagem revelou-se insuficiente.

Valores negativos no mercado norte-americano

Visto que a procura por petróleo diminuiu desde o começo da pandemia e que os produtores inundaram o mercado com a matéria-prima, a oferta aumentou drasticamente, diminuindo, consequentemente, os preços.

E assim chegamos a segunda-feira, 20 de abril, véspera de vencimento dos contratos de futuros relativos a maio. Nos Estados Unidos, a transação destes contratos tem especificidades face ao mercado europeu.

“Quem compra um contrato desses [nos EUA], está a prometer que no final da maturidade desse contrato fica fisicamente com o petróleo”, explica Pedro Gil.

A compra e venda de contratos de futuros faz “parte do jogo da Bolsa”, como explica Luís Aguiar-Conraria. Ou seja, na maioria das vezes, negoceia-se “o contrato antes de chegar ao fim do prazo”, anulando a posição.

Desta vez, a acentuada queda dos preços fez com que ao chegar à data de vencimento do acordo, os compradores se quisessem ver livres do que tinham em mãos, mas sem conseguirem anular as suas posições. Assim, o petróleo ia ser entregue a quem não tinha onde o armazenar.

Havendo um custo elevado para armazenar petróleo, e estando os armazéns norte-americanos sem capacidade de receber mais matéria-prima, a solução encontrada foi pagar a quem pudesse ficar com os barris. Registaram-se, assim, preços negativos.

Porque é que a Europa não registou preços negativos?

Apesar de o preço do barril no mercado norte-americano ter atingido os -37,63 dólares, na Europa o valor não chegou a tanto, e fechou abaixo dos 20 dólares na última segunda-feira.

Uma das razões apontadas por Luís Aguiar-Conraria é que são mercados diferentes, sendo o petróleo Brent, negociado em Londres, o mercado de referência para a Europa.

Em declarações ao “Jornal de Notícias”, Ricardo Marques, analista de mercados da Informação de Mercados Financeiros (IMF), explica que, no mercado europeu, quando os contratos estão a terminar, “os investidores podem fechar as posições através de uma liquidação financeira”. Ou seja, o mercado europeu não tem uma liquidação física e o norte-americano sim.

Pedro Gil aponta ainda outra razão: os petroleiros.

“Na Europa, o petróleo é colocado em petroleiros e pode ficar armazenado em petroleiros”, explica o professor da FEP. Para além de que o navio “pode estar a fazer uma determinada rota e depois não atracar em porto nenhum”; pode esperar no mar enquanto não tem onde entregar os barris, o que “expande a capacidade de armazenamento”, fundamenta.

Segundo o docente, os Estados Unidos da América não têm esta capacidade, “porque o Texas [local do mercado de referência petrolífero norte-americano] está no meio do continente“.

A falta de armazéns e a expiração dos contratos criou “uma pressão excecional do ponto de vista do armazenamento do petróleo” o que levou a que “as pessoas tivessem de pagar para que lhes tirassem o petróleo das mãos”, conclui.

Como é o futuro depois da crise petrolífera?

Apesar de o preço por barril estar a normalizar, “ainda está muito baixo”, segundo Pedro Gil. Aponta como consequência, a descida do preço dos produtos refinados, tanto por causa da “matéria-prima estar mais barata” como por o mercado dos refinados ter sido “perturbado” por estas oscilações.

“Isto significa um efeito positivo do ponto de vista das famílias e das empresas”, explica o professor. “As empresas que se encontram em condições para consumir porque continuam a circular” podem fazê-lo “com combustível muito mais barato”, sendo um “efeito benéfico” desta crise, segundo a mesma fonte.

Assim, a descida de preços ajuda alguns setores consumidores de petróleo a retomar a atividade depois da crise económica causada pela pandemia. “Isto é mau é para quem vende, para quem compra é bom”, afirma Luís Aguiar-Conraria.

Para o investigador, “países que tenham ou que queiram ter reservas estratégicas de petróleo, podem comprar o petróleo baratíssimo e encher as suas reservas”, beneficiando também da queda de preços. A China é um dos países a comprar estrategicamente petróleo, nesta altura.

No entanto, e devido à diminuição de preços, o setor económico do petróleo e dos derivados do petróleo vai “ter receitas muito menores”, segundo Pedro Gil. Consequentemente, muitos mercados, mesmo não diretamente relacionados com a indústria petrolífera, já sofreram perturbações.

Artigo editado por Filipa Silva