Os anos passam, as reivindicações ouvem-se e as desigualdades continuam. A entrada das mulheres no mercado de trabalho disparou nas últimas décadas, mas o facto não se reflete proporcionalmente na representação feminina nas direções dos movimentos sindicais. Foi a 1 de maio de 1886 que se deu o primeiro Dia do Trabalhador, e há ainda um grande caminho a percorrer até à paridade de género em questões laborais.

Mas não é só para as mulheres que a sindicalização parece pouco atrativa. Aliás, um estudo de 1999 da OIT/ILO e do Women’s Comittee of the International Confederation of Free Trade Unions dá conta de que apesar da “continuada diminuição de filiação sindical” os aumentos nas adesões que ainda se verificam “são resultantes, sobretudo, da adesão de mulheres”. Os dados deste ano da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP) confirmam a tendência: quase 60% das novas sindicalizações são de mulheres, que também estão em maior número enquanto delegadas sindicais eleitas nos locais de trabalho.

Apesar de em Portugal não se fazer o registo nacional da sindicalização por género e dos cargos ocupados por mulheres nos sindicatos, verifica-se a tendência internacional de diminuição da sindicalização. Em 2016, apenas 15,3% dos trabalhadores integravam sindicatos, havendo uma diminuição de 45,5% em comparação com 1978. A média da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico) foi de 34% e só a Nova Zelândia teve uma quebra maior do que a portuguesa.

Um simples olhar pelos cargos de chefia nos sindicatos nacionais torna evidente o domínio masculino. “Se os lugares de decisão na base – cargo de vogal – apresentam paridade de género, os lugares de decisão no topo – cargos de presidentes e de secretários-gerais – são, na maioria, detidos por sindicalistas do sexo masculino”, pode ler-se no Caderno de Emprego e Relações de Trabalho, publicado em 2009.

Os resultados mais recentes de pesquisas sobre as condições de trabalho das mulheres podem ajudar a explicar o aumento progressivo da sindicalização feminina. Dados de 2018 revelam que 84,1% das interrupções da carreira para cuidar dos filhos são feitas por mulheres e que são elas quem também faz mais trabalho doméstico não remunerado – mais 1h40 diárias. Há também a diferença salarial, ainda nos 14%.

Aos poucos, a mudança sente-se, mas o peso da história ainda se faz sentir.

A desigualdade é uma herança histórica e atravessa fronteiras

O silenciamento das vozes femininas nos sindicatos não é algo novo, e o contexto histórico ajuda a explicar a desigualdade. Já em 1929 a escritora Virginia Woolf realçava a necessidade de se reescrever a história para que às mulheres fosse dado o destaque a que tinham direito, e o seu país nativo, o Reino Unido, não era uma exceção.

No início da organização dos trabalhadores com as Friendly Societies, chegaram a ser constituídas associações mistas, de que a mais conhecida é a Worsted Smallware Weavers Association, fundada em 1747. Mas rapidamente surgiu uma atitude sexista nas associações, que, segundo Pasture, se deveu à contaminação do movimento operário pela cultura burguesa e sua representação da sociedade e dos papéis que nela deveriam ser desempenhados pelos géneros. As mulheres eram excluídas e impedidas de participar em reuniões e de ascender dentro das estruturas sindicais.

As greves de mulheres não são algo recente | Foto: Bettmann/Contributor/In These Times

“O movimento que espoletou a primeira vaga de sindicalismo no período da revolução industrial em Inglaterra foi numa altura em que a indústria ainda era composta essencialmente por uma força de trabalho masculina”, explica o professor da Universidade de Coimbra e especialista em questões laborais Elísio Estanque ao JPN.

“Por outro lado, a mentalidade em termos de divisão de tarefas assentava muito no velho princípio tradicional em que prevalece o paternalismo que remete o papel da mulher para fora da esfera pública”, acrescenta o sociólogo.

A exclusão das mulheres levou a que as trabalhadoras criassem os seus próprios sindicatos, como a Sisterhood of Leicestershire Wool Spinners, a Women’s Protective and Provident League e a National Federation of Women Workers. Em França, surgiram sindicatos sindicalistas-revolucionários e católicos e da Dinamarca destaca-se o KAD, que existiu até recentemente.

Em Portugal, ainda em 1989 existiam situações de exclusão feminina em 14 categorias nas indústrias têxtil, de malhas, de tapeçarias, de cerâmica e corticeiras na maior e mais antiga central sindical, a CGTP. “Os traços mais particulares em Portugal têm a ver com quase meio século de um regime de ditadura, com a mentalidade tradicional de ‘Deus, Pátria e Família’ que persistiu em Portugal até muito mais tarde do que noutros países no Ocidente, e por isso a emancipação da mulher ficou bastante estagnada”, observa Elísio Estanque.

Há dois fatores que contribuíram para que as mulheres começassem a entrar no mercado de trabalho em grande escala nos anos 70: a guerra colonial, que “fez com que muitos jovens rapazes em idade ativa tivessem de ir combater”, o que causou uma “falta de força de trabalho” e os fluxos migratórios nos anos 60, pois “os primeiros a emigrar também eram quase sempre os homens”. “Um outro elemento importante é o crescimento dos serviços, o aumento da escolaridade e o aumento de algumas medidas do setor social; as mulheres foram absorvidas por esses setores”, acrescenta o especialista.

Protesto de mulheres nos anos 70 em Portugal

Mas foi só depois do 25 de Abril que se começou a falar em igualdade de género. “Nessa altura, começaram a surgir também mais reivindicações de trabalho para as mulheres, lembro-me por exemplo do Sindicato das Bordadeiras, que teve uma grande presença de mulheres e com uma origem ligada à Madeira”, recorda Elísio Estanque.

Haver mais mulheres no mercado de trabalho não levou a um crescimento proporcional de presença nos sindicatos, porque “mesmo na época democrática”, muitas das tarefas domésticas “continuam a ser geridas pelas mulheres” o que faz com que “tenham menos disponibilidade para participar em reuniões”. “Há também uma certa narrativa que coloca a primazia do homem nos postos de chefia e isso continua a notar-se em todos os campos da nossa vida, não só no sindicalismo, às vezes, até em setores com mais mulheres, mas em que os lugares de decisão são mais ocupados por eles do que por elas”, afirma o professor universitário.

O que falta fazer?

Há sinais de progresso na presença femininas em cargos de liderança sindical, casos de Ana Avoila, que foi durante muitos anos coordenadora da Frente Comum ou de Sofia Branco, atual presidente do Sindicato dos Jornalistas, eleita pela primeira vez em 2014. Em fevereiro deste ano, Isabel Camarinha fez história ao tornar-se a primeira mulher a liderar a CGTP e são cada vez os movimentos de greves feministas que exigem melhores condições de trabalho e de vida.

“Acho que é um sinal de que há uma sensibilidade maior para reconhecer esse protagonismo às mulheres”, começa Elísio Estanque. “O facto de uma mulher estar à frente de uma confederação sindical por si só não significa que há uma maior igualdade de oportunidades. Não estando por dentro do que se passa na CGTP e sabendo que há algumas disputas sobre influências políticas, eu não sei se a Isabel Camarinha não está na liderança por ser uma incondicional do Partido Comunista, mas em todo o caso acho que é positivo ser uma mulher a liderar a CGTP”, considera.

Isabel Camarinha é a primeira mulher a liderar a CGTP nos 40 anos da central sindical

Fora de Portugal e observando o espaço europeu, há diferenças entre os países do sul e do norte da Europa. “Nos países como Holanda, Dinamarca ou Suécia há índices de desigualdade entre homens e mulheres menores do que os que se verificam ainda em países no sul. Por outro lado, o tipo de sindicalismo que prevalece nesses países não é tão em sintonia com a cultura do movimento operário, por isso, acho que a França ou a Itália são mais próximos dos nossos padrões de conduta”, observa o sociólogo ao JPN.

E o que ainda é preciso ser feito? “Era necessário que ao nível das estruturas de base se avançasse mais e que trouxessem para a participação mais jovens. Nos últimos tempos tem havido os movimentos na juventude das greves climáticas e que até têm uma jovem líder, à semelhança disso pode haver um maior protagonismo das jovens feministas no setor sindical. É cada vez mais importante que o sindicalismo de fortaleça e para isso tem de se revitalizar”, termina.

Artigo editado por Filipa Silva