Em pleno Dia Internacional dos Museus, o JPN faz uma análise da adesão inevitável destes espaços ao digital e do que pode significar para uma nova forma de olhar a arte no futuro.

Com o fecho de espaços culturais um pouco por todo o mundo durante dois meses, exposições inteiras ficaram às escuras, longe do público. Mas “uma coleção só vive se for alimentada, com o contributo dos investigadores e do público” diz ao JPN o coordenador do Museu e Gabinete de Exposições da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP), Luís Pinto Nunes.

Por isso, os museus, que esta segunda-feira celebram o seu Dia Internacional, tiveram de adaptar-se à realidade e usar as ferramentas digitais como como única arma de resposta ao encerramento ditado pela pandemia.

“A atividade museológica não pode parar por causa da COVID-19”, resume o coordenador da colação da FBAUP, pelo que o online apresenta-se como a opção “mais sensata” neste momento.

De facto, o online foi mais potenciado do que nunca desde o encerramento mundial dos museus em meados de março. Páginas e visitas virtuais já não eram novidade, mas em tempos de confinamento os museus apostaram em força na disponibilização de conteúdos que eliminaram paredes entre a arte e o público.

Há visitas virtuais online para centenas de museus em todo o mundo. Foto: Inês Loureiro Pinto

Algumas iniciativas que tiveram lugar à distância seriam até impossíveis de se concretizar in loco. A inauguração da exposição “Obras Inéditas” de Julian Opie, a 18 de março, não estava planeada para o digital, mas acabou por ser apresentada ao público à distância e em direto, com a presença do próprio artista no espaço do Museu Coleção Berardo, em Lisboa.

Já no Porto, são o próprio diretor do Museu de Serralves, Philippe Vergne, e outros conservadores que protagonizam uma série de visitas guiadas em vídeo pelas exposições presentes em Serralves, as Walk and Talk. Os curadores navegam pelo espaço do museu sozinhos – e as visitas que conduzem não têm restrição de participantes ou custos de bilheteira.

Não há setor cultural sem público

Sem esse lucro de bilheteira, os museus são mais um ponto na lista dos afetados economicamente pela estagnação a que a pandemia obrigou. Dos 961 museus que participaram num relatório sobre o impacto da COVID-19 publicado pela NEMO – a Rede de Organizações de Museus Europeus -, 60% reportam perdas de mais de vinte mil euros por semana desde o fecho dos espaços.

Os museus mais impactados parecem ser os que mais dependem do turismo, por um lado, e de fundos privados, por outro. O conceituado Rijksmuseum, em Amesterdão, que atraiu quase três milhões de visitas em 2019 (o seu melhor ano de sempre), estima perdas na ordem das centenas de milhares de euros por semana. Nos Estados Unidos da América, onde a maioria dos museus são privados, prevê-se que um terço não chegue a reabrir.

Digitalização em Portugal versus no resto do mundo

“Não estamos na cauda, mas também não estamos muito bem”, diz ao JPN Alexandre Matos, diretor do departamento de investigação do Conselho Internacional de Museus – ICOM e também professor na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), revelando que “a perspetiva europeia é que teríamos 20% das coleções digitalizadas”, percentagem que pode fugir à realidade portuguesa. O JPN contactou o extinto Observatório de Atividades Culturais, que encaminhou o fornecimento de estatísticas para a Direção-Geral do Património Cultural, sem resposta até à data de publicação. A falta de dados não permite uma comparação atual com o contexto internacional, no entanto, Alexandre Matos garante que “os últimos dados eram muito baixos relativamente à média europeia”. O presidente do Conselho Internacional de Museus – ICOM Europa -, Luís Raposo, considera que “em comparação com outros países ainda temos muito a fazer”, nomeadamente se se tomar como exemplo o contexto inglês. O Reino Unido, com um “investimento largo quer do Estado quer de fundos europeus”, é tido como uma referência na digitalização a nível internacional.

Quanto ao impacto nos museus portugueses, Luís Raposo afirma que “em Portugal não será tão grave como noutros países” cuja fonte de receita depende maioritariamente do turismo, “mas muitos museus nacionais estavam já dependentes dele, ainda que tenham um controlo muito estatal”.

“Museus que dependem mais dos orçamentos de Estado de cada país ou que estão mais virados para as comunidades onde se inserem – tipicamente os locais e municipais -, esses vão sofrer menos e recuperar da crise mais rapidamente”, prevê o presidente do ICOM Europa.

Nestes casos, o relatório internacional comprova que a redução dos profissionais dos museus – através do corte de programas de voluntariado ou de trabalhadores em regime freelance – foi outro fator de alívio financeiro nesta fase de confinamento. Do lado destes trabalhadores, os despedimentos são um grande fator de preocupação no pós-pandemia.

Por outro lado, a aposta dos museus no digital permitiu a requalificação dos profissionais que, a partir de casa, puderam trabalhar no desenvolvimento de recursos digitais. “Sem input adicional não há aumento do output, lê-se no relatório da NEMO, publicado a 12 de maio.

Alexandre Matos, diretor do departamento de Investigação e Formação da Sistemas do Futuro, reconhece que “embora com fracos recursos muitos [museus em Portugal] já alertavam para esta questão do universo digital e esses tiveram uma resposta melhor” aos constrangimentos da pandemia.

Novas plataformas trazem novos públicos

Para Alexandre Matos, “esta pandemia veio mostrar que [a digitalização] é um elemento importante em termos do acesso ao património”. Contudo, “as competências digitais não são uma coisa que se arranje do dia para a noite, exigem formação e investimento”.

Estas alternativas digitais são o investimento dos museus na obtenção de novos públicos – e o relatório internacional confirma que está a resultar.

Todos os museus inquiridos notaram um aumento mais ou menos significativo do número de visitas nos websites, diretamente associado à diversificação dos recursos disponibilizados. As redes sociais são o meio privilegiado de comunicação e também o meio que atrai mais público.

Mas trará a abertura virtual dos museus em tempo de pandemia mais gente aos museus no futuro? Alexandre Matos acredita que sim. O também professor do departamento de Ciências e Técnicas do Património na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) considera que “o online permite uma perspetiva de visita diferente da que é comum quando chegamos lá sem nos prepararmos para o que vamos ver”.

“Um museu tem de preservar e potenciar as suas coleções para e com a sociedade, no seu todo e de modo inclusivo e partilhado”, diz ao JPN Paula Menino Homem. Foto: Walters Art Museum

O que é e o que não é digitalização

Em 2002, foi criada a Biblioteca Nacional Digital, um repositório online de manuscritos de bibliotecas portuguesas, ainda antes da criação da Biblioteca Digital Mundial pela ONU, em 2009. Duas centenas de arquivos, bibliotecas e universidades de todo o mundo contribuíram para uma coletânea acessível de qualquer ponto com ligação à internet, que desde então cresceu.

Multiplicam-se os repositórios digitais como a MatrizNet e a Europeana e até a plataforma da Google Artes e Cultura, e a presença online de cada vez mais museus estende-se além de uma página na Web.

Isto porque uma página na Web não é necessariamente sinal de digitalização. Um seminário organizado pela União Europeia em 2017 vincou a distinção entre o que é o que não é digitalização nos museus – e entre os exemplos enganosos enumerou “um website, uma simples fotografia, uma representação 2D de uma obra a 3D e uma visita virtual”.

Luís Raposo identifica “uma grande confusão entre ser museu e ser arquivo digital“. A digitalização pressupõe um acesso simplificado à obra sem se desrespeitar os atributos necessários à sua compreensão, como é muitas vezes a noção tridimensional.

Ainda assim, a disponibilização de coleções online é um grande aliado dos investigadores e do conhecimento geral, pois, refere Paula Menino Homem, diretora do mestrado em Museologia da FLUP, “um museu tem de preservar e potenciar as suas coleções para e com a sociedade, no seu todo e de modo inclusivo e partilhado”.

A internet consegue abrir as portas quando as dos museus têm que fechar. “Um museu sem coleções não existe e, sem pessoas, não sobrevive ou vegeta”, reflete.

E o digital não significa necessariamente distância. “Há outro tipo de produtos, essas sim verdadeiras exposições digitais, onde dentro do espaço do museu, com vários tipos de realidade virtual e imersiva, as pessoas podem ver a obra de arte em todo o seu detalhe e em todo e determinado momento ver qualquer coisa que faltou porque se está no local”, explica Luís Raposo.

Espaços como o Museu das Comunicações, sugere o responsável pela investigação no Museu Nacional de Arqueologia, apostaram na criação de experiências imersivas in loco, de modo a haver uma interação conjunta entre o contacto com as obras e a exploração digital.

Estas “tecnologias do setor dos jogos encontram no património cultural um contexto fértil”, considera Paula Menino Homem, “onde podem integrar estratégias de criação, difusão e retenção do conhecimento associado a tais experiências”.

Exposição “Vencer a Distância” no Museu das Comunicações

Já a digitalização de coleções, levanta a investigadora , pode adicionar-lhes valor pela ótica da “gestão de risco de dano ou perda”, “bem como ao seu acesso em segurança” e preservação, “em equilíbrio com a sua fruição”.

Mais ou menos digital, “uma composição entre a peça de arte, a peça real que deve ser sempre o centro, e a sua melhor leitura através das ferramentas digitais pode ser altamente criativa e poderosa e trazer mais gente ao gosto pelo património”, prevê Luís Raposo. O investigador reforça a digitalização com conta, peso e medida, partilhando que “é um pesadelo pensar um museu em que o público tenha óculos de realidade virtual”.

O digital a fazer a vez do real: um pau de dois gumes

A experiência virtual pode ser um cartão de visita para uma interação mais completa em estado físico: ao conhecimento prévio obtido online acrescenta-se a informação pelo contacto com a obra ao vivo e a cores – que ninguém no setor artístico parece acreditar ser substituível por píxeis num ecrã.

“O conceito de museu digital é um contrasenso, porque para ser museu tem que ser físico”, considera Luís Raposo. Já Alexandre Matos defende que “a perspetiva do digital não é, nem nunca foi substituir uma coisa pela outra”, o que concorda ser impossível.

Paula Menino Homem olha para o prato positivo na balança da digitalização. “Penso que o público ganhará sempre. O acesso físico e o digital deverão ser perspetivados como complementares e não alternativos”, mas alerta para que “pelo facto de serem digitalizadas, as coleções originais não venham a ser negligenciadas do ponto de vista da sua preservação”.

“Os produtos digitais à distância são úteis, mas não são suficientes”, diz ao JPN Luís Raposo. “É um pau de dois gumes”: se por um lado o digital traz a democratização da arte, por outro pode arriscar a um sentimento de troca enganoso, “porque nada substitui o contacto direto com a obra de arte”, explica o arqueólogo.

“É muito importante permitir o acesso de pessoas que por distância ou razões económicas jamais iriam aos museus, mas o que nós queremos verdadeiramente é que as pessoas venham”, apela o presidente do ICOM europeu, admitindo que a questão gera “contradições em termos emocionais”.

No entanto, Luís Raposo parece resolver o dilema com o que considera ser a “matéria de trabalho dos museus”: o gosto pelo real. O uso do digital de forma monopolista retira esse fator às obras, enquanto o seu uso “como uma ferramenta ao serviço dos museus” permite um alargamento de possibilidades que podem ir além da experiência real por si, explica o arqueólogo.

“Vivemos inevitavelmente num mundo real, material e analógico e só conseguimos entender o mundo digital através dos nossos filtros analógicos”, considera Luís Raposo. Foto: Inês Loureiro Pinto

Arte não é arte sem a sentirmos com os sentidos

“É como escolher entre ver o pôr do sol ao vivo ou em fotografias muito bonitas”. Por outras palavras, acrescenta Luís Raposo: “a imersão da realidade é insubstituível pelo digital”.

“A vida é vivida; por muito digitais que queiramos ser, nunca vamos deixar de ser criaturas analógicas. Vivemos inevitavelmente num mundo real, material e analógico e só conseguimos entender o mundo digital através dos nossos filtros” – os nossos sentidos – “analógicos”, expressa o arqueólogo.

Alexandre Matos usa o exemplo de uma das obras mais famosas do mundo para justificar o mesmo ponto: “quando as pessoas chegam ao Louvre ficam admiradas com a dimensão reduzida da Mona Lisa, mas em boa verdade é a sensação, o ver no local, a proporção, que interessam”.

Por muito avançadas que as ferramentas de realidade virtual e em três dimensões sejam hoje em dia, as noções de espaço, dimensão e escala ainda não são reproduzidas fielmente por meios tecnológicos. “Por mais que eu tenha uma visita virtual muito bem conseguida ao Mosteiro dos Jerónimos, nunca irei conseguir ter todas as sensações que temos estando lá, com a dimensão que tem e a envolvente onde está integrado”, exemplifica o professor.

Exposição do desenho de Leonardo da Vinci na FBAUP, em 2019. “Um dia incrível”, recorda o curador do Museu da Faculdade. Foto: FBAUP

Há cerca de um ano, a 2 de maio de 2019, eram celebrados os 500 anos da morte de Leonardo da Vinci, o criador dessa obra que permanece real na parede do Louvre. A FBAUP marcou a data com a exposição de um desenho do artista italiano há muito à guarda da instituição – “Rapariga lavando os pés a uma criança”durante um único dia, aberta ao público.

O coordenador do museu da faculdade recorda-a como “um dia incrível. Das 09h00 às 22h00 tivemos filas de pessoas para ver o desenho e isso é muito interessante para se perceber o valor da imagem”, conta Luís Pinto Nunes.

A pequena gravura disponível online, em alta resolução, trouxe centenas à espera de ter uns segundos (à menor distância possível, que uns cumprem mais que outros) em frente aos contornos de um dos maiores artistas da humanidade. “É aquela velha história da Mona Lisa”, conclui o curador.

E o contacto não é só essencial para o público; será talvez até mais vital para o trabalho dos investigadores. Investigador ele próprio, Luís Pinto Nunes considera que o contacto com a obra é mesmo “indispensável à investigação”.

“Uma imagem online não substitui de todo ver-se o objeto fisicamente, onde conseguimos distinguir materiais, técnicas, processos e maneirismos do artista”, diz o curador, que ainda assim realça que “ter o acesso das imagens online é uma vantagem para se poder evoluir com a investigação”, especialmente em tempos de pandemia, e ainda por poder permitir o acesso a obras inacessíveis para requisição.

As noções de espaço, dimensão e escala ainda não são reproduzidas fielmente por meios tecnológicos. “É aquela velha história da Mona Lisa”, conclui o curador Luís Pinto Nunes. Foto: Inês Loureiro Pinto

Formação nos e para os museus

“Os museus nunca estiveram todos fechados ao mesmo tempo e por tanto tempo em todo o mundo” – 93% desde meados de março, segundo a NEMO. É uma observação que Luís Raposo encara como uma oportunidade de (re)aprendizagem.

Para o museólogo, deve ser alterado o foco, em termos de fonte de receita, do turismo para o serviço educativo. “Os públicos nacionais, quer os adultos em contexto familiar ou individual ou as escolas, sempre foram e são a razão de ser dos museus, por parte daqueles que o tinham deixado em nome do turismo”, considera Luís Raposo.

Alexandre Matos apoia a aliança entre a cultura e a educação “não com o que foi feito agora à pressa, mas no sentido de darmos às novas gerações certas competências digitais cada vez mais importantes”, sendo a relação entre museus e escolas profícua “de um lado e do outro”, devido à “integração e partilha de recursos”, refere o professor da FLUP.

Para reforçar esta colaboração não pode faltar a transformação digital, que, segundo Alexandre Matos, “não passa só por definirmos programas que nos ensinem a utilizar um determinado software, mas que ensine outras competências que não as que temos de momento”. Ensinar informática do ponto de vista do criador e não só do utilizador fará parte das sociedades do futuro e será também uma nova forma de pensar os museus.

Já para os profissionais, a pandemia mostrou que mais do que nunca é preciso reformar os perfis de trabalho. Nas palavras de Alexandre Matos, “o que os museus estão a fazer com a digitalização é promover a criatividade, mas ela pode estar limitada às competências que temos para desenvolver os processos criativos”.

As implementações digitais nas exposições dos museus são por vezes delegadas a empresas externas, as chamadas indústrias criativas. O novo paradigma, diz Luís Raposo, vai obrigar a que haja novos profissionais orientados apenas para o desenvolvimento digital – “senão os museus são como uma espécie de belas adormecidas à espera dos príncipes encantados que os venham salvar”, brinca o arqueólogo.

Alexandre Matos alerta que “é muito raro ter num museu um gestor de redes sociais e isso no futuro vai ser uma necessidade”. Devido ao abalo da crise, o setor, que se caracteriza pela falta de pessoal de um lado e o envelhecimento dos quadros de outro – ” um peso”, diz o investigador -, não espera contratações ou novos recursos de digitalização tão cedo. Luís Raposo admite que podem passar “dois anos até [os museus] recuperaram a fonte de receita”.

Até lá, a aposta na formação continua. Juntamente com Alexandre Matos, Paula Menino Homem representou a Universidade do Porto e o país no projeto Museum Sector Alliance (Mu.SA), uma formação para profissionais de museus que decorreu desde 2016 e terminou no passado mês de abril, “em plena pandemia e confinamento social”, remata a investigadora.

Alexandre Matos explicita que o projeto trabalhou a “aquisição de competências digitais que vão do processo de digitalização até à gestão das redes e estudo de públicos online”, novas valências para os profissionais “que facilitarão no futuro o trabalho e a ligação dos museus com o universo digital”, completa o investigador.

“Temos neste momento a melhor geração em termos de preparação e formação, que está pronta a trabalhar, mas seria bom podermos contar ainda com o contributo de uma geração mais velha e com experiência notável que deve ser passada. Uma conjugação de gerações seria o melhor dos dois mundos”, admite Alexandre Matos.

O digital pode entrar nos museus para democratizar a arte e a forma de a experienciar – sem a deturpar. “Quando procuramos fazer reconstituições arriscamo-nos a dar por adquiridas as visões do passado”, avisa Luís Raposo. Foto: British Museum

Entre o real e o digital, a harmonia

Perante o futuro imprevisto, uma coisa é certa: os museus vão tornar-se cada vez mais digitais. Como serão implementados os novos recursos é a pergunta chave para uma harmonia entre o património cultural, os públicos e os meios de contacto entre eles.

Alexandre Matos carrega diferentes opiniões consoante o tom da previsão: “se quiser que eu seja realista, não imagino que os próximos cinco anos serão muito diferentes do que temos atualmente. Mas se me pedir para pensar no que gostaria, sugeria uma mudança radical na forma como muitos museus atuam”, revela o investigador da FLUP.

“Não quero generalizar, porque há museus que estão a olhar para o futuro, mas há muitos outros que continuam e continuarão numa letargia que não será mudada nos próximos tempos”, por razões financeiras, refere Alexandre Matos, que defende uma maior ação política no setor.

Já Luís Raposo idealiza um “back to basics” para se “restabelecer a relação com os públicos nacionais”. Para o presidente do ICOM europeu, os museus precisam de repensar o seu foco, “regressar à missão da cidadania, o alargar do olhar sobre o mundo, o fornecer de ferramentas críticas”.

Para a professora Paula Menino Homem, o digital deve ser pensado para os públicos “com o intuito de conseguir atrair de uma forma que garanta a sua satisfação e cative a sua fidelização, na forma de uma oferta de experiências o mais possível personalizadas e inesquecíveis”.

“O perigo contrário dos museus é o elitismo, concebidos de tal modo que só quem está muito por dentro do assunto é que consegue entender”, erro cometido por muitos museus atualmente, admite Luís Raposo.

Neste aspeto, o digital pode ajudar a democratizar a arte e a forma de a experienciar – sem a deturpar. “Quando procuramos fazer reconstituições arriscamo-nos a dar por adquiridas as visões do passado, e a reconstituição ao nível da Disneyland não é o negócio dos museus”, vinca o investigador.

A reconstituição faz parte do trabalho de um museu, mas deverá ser respeitosa, para ser possível “recuar e fazer ver às pessoas que elas têm que fazer um esforço de aproximação e fazer a interpretação do passado à sua maneira”, explica Luís Raposo.

Para Paula Menino Homem, os museus já não são “organismos tão elitistas, estáticos e passivos”, mas antes, em consonância com o tema do Dia Internacional dos Museus deste ano – “Museus para a Igualdade: Diversidade e Inclusão” – “agentes de mudança”.

“[Os museus] debatem-se pela promoção do conhecimento e da felicidade, do respeito pela diferença e diversidade, pela participação ativa e crítica na e com a sociedade, pelo acesso verdadeiramente inclusivo, democratizado, pela apropriação identitária”, considera a investigadora.

Um museu é uma cápsula de identidade. Guarda e conserva o real e torna-o passado. Nas palavras de Luís Raposo, “o que temos do passado não são vasos inteiros que parecem ter sido comprados numa loja, são cacos, fragmentos, e é com eles que procuramos reconstituir o passado”. Inevitável e prometedoramente, o passado reconstrói-se nos museus com o digital do futuro.

Artigo editado por Filipa Silva.