Esta terça-feira, 23 de junho, celebrar-se-ia a festa grande da cidade, o São João. Pela primeira vez no Porto não haverá festejos. As ruas vazias são o retrato de uma cidade que não se reconhece nesta altura do ano.

Descer a Rua de S. Víctor e passar pela Praça da Alegria para chegar ao Passeio das Fontaínhas, no Porto, não se faz por estes dias da mesma forma que se fazia no ano passado ou nos anteriores. Os portuenses não têm memória de alguma vez a festa de São João da cidade ter sido cancelada. Este ano não há música, não há bailaricos, não há martelos em riste nem alho-porro a roçar as caras de quem passa e os manjericos ficam em casa.

As ruas não estão decoradas, os fogareiros não estão cá fora para assar as sardinhas e o povo, apesar de triste, está já conformado de que a ausência de festa é um mal necessário. Os festejos de São João foram proibidos devido à pandemia da COVID-19 como forma de evitar ajuntamentos de pessoas. Se assim não fosse, a festa teria começado ainda no início do mês, prolongando-se até ao último dia de junho.

“Por esta altura já as ruas estavam apinhadas de gente. Era rusgas de um lado, rusgas do outro. Era tambores. Ali fazia-se o bailarico”, vai contando Joaquim Abreu, reformado com 89 anos, enquanto aponta para os cantos da Praça da Alegria. Os turistas e os locais, continua, “não se distinguiriam no mar de gente” que costuma acorrer ao Porto naquela que é a noite mais longa da Invicta.

Maria Alice e Francisco Castro recordam as festas de São João e os bailaricos da juventude. Foto: Daniela Carmo

No banco ao lado encontramos os vizinhos Francisco Castro e Maria Alice, de 81 e 84 anos, respetivamente. “De que adianta a gente sentir falta se a coisa não está para isso”, questiona Francisco Castro, que admite a necessidade do cancelamento da festa.

Este ano, o São João faz-se de recordações

Já Maria Alice é da opinião de que “havendo bola [o jogo do FC Porto com o Boavista está marcado para esta terça-feira às 21h15], podia haver São João na mesma.” Mas o vizinho Francisco Castro lá lhe vai explicando que o jogo é à porta fechada e a festa ia juntar muita gente.

“Tomara eu bailar”, diz Maria Alice num tom nostálgico. Este ano restam-lhe, a ela e a todos, as recordações e a octogenária vai lembrando a juventude, quando ali se enfeitavam os bairros “de cima a baixo”. “Dançava-se e brincava-se toda a noite e comiam-se as sardinhas assadas”, recorda.  

Para os dois vizinhos, no próximo ano dificilmente se conseguirá uma festa igual à que costumava haver. “Se calhar para o ano ainda estamos na mesma situação”, lamenta Francisco Castro. Seguimos caminho e não encontramos bancas com manjericos, alho-porro ou martelos à venda, como de costume.

Em condições normais, na véspera do São João o Passeio das Fontaínhas estaria cheio de divertimentos e pessoas. Foto: Daniela Carmo

É um São João que não o parece

Chegados ao Passeio da Fontaínhas ninguém diz que estamos no mês de junho: também não há enfeites, nem carrosséis, nem as típicas sardinhas a assar. As pessoas são poucas, uma aqui e outra ali a ver a vista para o Douro e pouco mais. Jorge Oliveira, 68 anos, nasceu e foi criado na atual Calçada das Carquejeiras, “como lhe chamam agora que antigamente tinha outro nome”, diz.

A consternação do portuense por não haver festa este ano é notória: “é um São João como nunca vi tal. Por esta altura, isto era um arraial autêntico. Eram milhares de pessoas, tanto aqui como na Ribeira e noutros pontos do Porto. Hoje é esta miséria que se vê”, lamenta.

Jorge Oliveira diz que todo o ano come sardinhas e que não é preciso ser São João para o fazer, mas tem pena de este ano não lhes sentir o cheiro pelas ruas. “O café tem de fechar às sete da tarde e nem podem pôr o assador na rua. Daqui para baixo, era só sardinhada. Vê aqui alguma coisa? O país parou”, reflete.

Jorge Oliveira e Fernanda Brito nasceram e criaram-se nas Fontaínhas. Nunca viram um São João como o deste ano. Foto: Daniela Carmo

Festa em família pela primeira vez

Atrás do balcão do café Azul e Branco, ali mesmo no Passeio das Fontaínhas, está Fernanda Brito, de 58 anos. Nascida e criada no número 16 daquele Passeio nunca passou um São João, que se lembre, sem trabalhar. “Vamos assar sardinhas em casa. Eu nasci aqui e nunca festejei o São João, foi sempre a trabalhar e este ano vou-me juntar com a família em casa”, explica. Um ano diferente para ela e para a família. “Não acho que seja exagerado, porque quem vem à festa vem para beber e depois esquecem-se das regras de segurança que têm que cumprir para com todos e assim acho muito bem que se cancele a festa”, reflete.

Fernanda Brito não quis deixar passar a data em branco e enfeitou o estabelecimento com alguma decoração. “Nós decoramos muito isto e este ano pusemos só os manjericos para não dizer que não tínhamos nada, a tristeza é muito grande”, lamenta e garante ainda que ali se faz a melhor festa do Porto. “É a nossa festa, a festa das Fontaínhas é a melhor. Aqui é tudo aberto. Abrem-se as portas a conhecidos e a desconhecidos”, conta.

Alguns portuenses lembram a data, enfeitando casas e varandas. Foto: Daniela Carmo

Este ano o São João faz-se dentro de portas. Pelas ruas do Porto estão espalhadas frases como “A festa é como a sardinha, quer-se pequenina”, “Arraial? Só meia dúzia no quintal”, “Grão na asa, festa em casa”, “No São João, fica ao portão” – que integram uma campanha publicitária da responsabilidade do município.

A Ponte Luiz I não vai tremer e vai mesmo estar interdita à circulação, tanto automóvel como pedonal, nos dois tabuleiros. O rio Douro também não vai ser anfitrião de fogo de artifício. Os cafés fecham esta terça-feira às 19h00 e os restaurantes às 23h00. Os transportes vão desaparecer com a noite. O dia mais sentido do Porto vai este ano ser o mais contido. A grande festa dos portuenses vai ter de esperar.

Artigo editado por Filipa Silva.