Domingo de manhã, após a celebração de mais uma missa na paróquia da Capela, em Penafiel, e depois de todos os fiéis se retirarem em segurança da igreja, o pároco Marílio Faria senta-se à conversa com o JPN para falar sobre o momento que vivemos e como a igreja respondeu a ele.

Por entre a alegria do regresso às celebrações e a recordação de alguns episódios “terríveis” durante a pandemia, Marílio Faria acredita que as circunstâncias aproximaram as igrejas das comunidades que servem.

Após 78 dias de suspensão das celebrações de fé nas igrejas, os párocos puderam, a 30 de maio, retomar a atividade presencial junto dos fiéis nas paróquias.

Aos 80 anos, Marílio Faria é padre em quatro paróquias (Capela, Canelas, Rio Mau e Sebolido, no concelho de Penafiel) e procurou que os novos horários das celebrações permitissem a todos os fiéis participar nas missas de modo a cumprir “o preceito dominical”.

O padre Marílio Faria é pároco em quatro paróquias de Penafiel Foto: Joana Rodrigues

Para o pároco, a pandemia não abalou a fé dos católicos, pelo contrário, acabou por reforçá-la: “quando houve a proibição das missas… as pessoas andavam ansiosas”, descreve ao JPN. Prova disso, recorda, foi o sucesso dos pequenos textos que enviava aos seus fiéis através das redes sociais. Foram tão bem recebidos que as pessoas pediam constantemente para que “enviasse mais”.

O momento “mais terrível”

Mas se para a ansiedade se encontrou algum amparo, para outros momentos não houve forma de contornar a dor. Durante o período de confinamento, Marílio Faria realizou dois funerais cuja causa de morte esteve relacionada com a COVID-19. Foram momentos que, garante, não vai esquecer: “Estavam apenas duas pessoas no cemitério, eu, o cangalheiro e o senhor que faz a campa. Foi terrível, foi o momento mais terrível que existiu.” As famílias viram-se privadas de um fator essencial: “a família não podia despedir-se dos seus familiares, não podiam fazer o seu luto… foi muito difícil”, recorda.

E insiste, porque não esquece: “os funerais foram um problema muito sério… foi muito doloroso”. Conta-nos, a propósito, o momento em que conduziu o funeral de uma senhora de quem gostava muito depois do qual, confessa, teve “um ataque de choro”. “Fui a chorar até casa”, desabafa, por ter sentido a falta de “poder dar um beijinho, uma palavra amiga” antes da despedida.

O regresso às celebrações

Ao JPN, Marílio Faria salienta que tendo em conta as recomendações de segurança decretadas para que as celebrações pudessem ser retomadas, “estão dispensados os mais velhos e os doentes”, porém, as pessoas com mais idade não se têm afastado das igrejas. O pároco sublinha que “o aspeto religioso está muito presente nas nossas aldeias” e acrescenta que para muitas pessoas “faltar às missas ao domingo é um problema muito sério”.

Quando questionado acerca do momento da comunhão, onde a maior proximidade com as pessoas é inevitável, Marílio Faria diz que “tudo é feito com muita segurança”. “A comunhão é dada na mão, nunca na boca e se a pessoa quiser pode pegar na hóstia, não há problema nenhum”, realçando que “quem está a dar a comunhão não toca sequer na pessoa”.

Igreja de Capela no concelho de Penafiel Foto: Joana Rodrigues

Segundo o pároco, o confinamento motivado pela COVID-19 conduziu a comunidade católica a uma maior proximidade: “a Igreja Católica estava a afastar-se um bocadinho, estava a ser muito dogmática e pouco próxima das pessoas”, adverte.

Marílio Faria acredita que toda esta situação ajuda a perceber que “nós não estamos sozinhos, nós vivemos em comunidade” e “esta pandemia veio dizer-nos que devemos estar atentos aos outros e às suas necessidades”.

O pároco realça a importância do papel das igrejas na distribuição de “bens essenciais para cada dia” de modo a auxiliar os mais necessitados e afetados pelo vírus.

“Nunca passamos por uma pandemia como esta”, ressalva o pároco, que elogia a comunidade: “as pessoas estão a reagir muito bem a este confinamento, a esta não presença total” e a cumprir com todas as medidas de segurança implementadas.

Ele mesmo dá o exemplo ao despedir-se no final da conversa com a mais recente versão de cumprimento, o toque de cotovelos. Aos 80 anos, Marílio Faria faz parte do  designado “grupo de risco”, mas abandonar o sacerdócio nunca foi uma opção durante o período de isolamento social: “Não, não. Abandonei quando era mais novo! Nessa ocasião, em que não havia pandemias, nem coisa parecida. Eu sou pessoa de risco, com certeza, mas eu já passei por tantas…”, concluiu.

Artigo editado por Filipa Silva