A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) recomendou, na última semana, o fim do sistema de exames nacionais em Portugal.

Numa conferência em Lisboa dedicada à autonomia e flexibilização curricular, Andreas Schleicher, diretor do Departamento de Educação da OCDE, defendeu uma reforma do regime de acesso ao ensino superior, de modo a que, entre outros aspetos, este se ajuste aos alunos do ensino profissional.

Ao nível do ensino secundário, a Associação Nacional de Directores e Agrupamentos de Escolas Públicas (ANDAEP), a Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE) e a Confederação Nacional das Associações de Pais (CNAP) já se posicionaram contra a utilização dos resultados dos exames nacionais para a entrada no ensino superior.

O JPN ouviu o que é que a Federação Académica do Porto (FAP), o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) e a Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior (CNAES) têm a dizer sobre o atual sistema de ingresso.

As opiniões divergem entre quem, como João Guerreiro, da CNAES, defende que devia ser dada mais autonomia às universidades na escolha dos seus alunos, e quem considera que o regime de acesso está a funcionar (FAP e CRUP).

No entanto, no que toca ao ensino secundário profissional, as organizações estão de acordo em como o regime tem de ser reformado para que alunos da via regular e da via profissionalizante concorram em pé de igualdade às vagas das instituições.

O ensino profissional

Atualmente, em Portugal, de acordo com dados do Governo, 35% dos alunos estão no ensino secundário profissional e 65% no científico-humanístico.

Todos os alunos do ensino secundário – regular e profissional – fazem as mesmas provas. Os estudantes do ensino científico-humanístico são obrigados a fazer quatro exames nacionais, contando cada um deles 30% para a nota final de cada disciplina.

Na fórmula de cálculo para o acesso a uma universidade ou politécnico, a média final do secundário tem um peso que pode ir dos 65% aos 50%. A percentagem restante é determinada pela nota obtida no exame nacional da prova de ingresso do curso.

“Devem haver outros critérios que as instituições de ensino superior possam conceber para selecionarem os estudantes que melhor se adaptem à sua oferta formativa”, afirma o presidente da CNAES.

O presidente da CNAES acredita que o atual sistema de ingresso prejudica os estudantes do ensino profissional, na medida em que “[os alunos do ensino profissional]  têm que fazer exames de matérias que não deram no seu percurso formativo de ensino secundário”.

Por este motivo, está na mesa uma proposta do Governo que sugere que os alunos da via profissionalizante realizem apenas um exame nacional, de acordo com a prova de ingresso pedida pelo curso pretendido. Mas esta não é ainda uma questão fechada.

Manuel Assunção, vice-presidente do CRUP, realça que apenas uma fatia muito pequena dos alunos do ensino profissional chega às universidades, pelo que é prioritário cativar os estudantes mais do que alterar o regime de acesso.

“É preciso trabalhar esta frente de maneira a que mais estudantes da via profissionalizante encarem o ensino superior como uma continuação natural dos seus estudos. São precisos mecanismos que deem as mesmas oportunidades a uns e a outros, e aí a questão dos exames pode ser algo muito importante. Mas precisamos também de trabalhar a perceção da importância da qualificação”, constata o Reitor da Universidade de Aveiro (UAv).

João Guerreiro, ex-reitor da Universidade do Algarve, defende que deve haver uma separação entre o resultado final do ensino secundário e a entrada na universidade e que “devem haver outros critérios que as instituições de ensino superior possam conceber para selecionarem os estudantes que melhor se adaptem à sua oferta formativa”.

Já do lado dos estudantes, a Federação Académica do Porto é favorável à existência de exames nacionais. João Pedro Videira considera o atual modelo “justo” porque “permite uma equidade no sistema e uma igualdade de oportunidades no acesso”, referiu em declarações ao JPN.

“Seja algarvio, minhoto, transmontano, lisboeta ou portuense, pode concorrer a qualquer curso ou universidade com as mesmas condições e habilitações de entrada”, defende Manuel Assunção

Manuel Assunção também vê vantagens no atual sistema. “Os jovens fazem um conjunto de exames que são válidos para qualquer instituição de ensino superior em Portugal. Seja algarvio, minhoto, transmontano, lisboeta ou portuense, pode concorrer a qualquer curso ou universidade com as mesmas condições e habilitações de entrada”, explica.

“Os exames nacionais têm outra virtude, que é a homogeneização. Valorizar só as notas do percurso do estudante em si parece positivo, mas sabemos que há escolas que valorizam mais os estudantes do que outras”, acrescenta o Reitor da UAv.

“Os estudantes que vão para os exames têm de estar em circunstâncias equitativas, de tal maneira que as oportunidades com que se deparam uns sejam correspondentes às com que se deparam os outros”, conclui Manuel Assunção.

A alternativa

Para o presidente da FAP, a autonomia das universidades traz mais constrangimentos do que vantagens. “Cada instituição ter a sua prova implicaria que o estudante tivesse que fazer diversas provas de acesso, em vez de fazer apenas uma, comum a todas”, explana.

“Provavelmente iriam existir taxas associadas a essas provas de ingresso e os estudantes que tiverem condições económicas e sociais mais favoráveis iriam conseguir ter um maior leque de opções”, conclui João Pedro Videira.

“Não sei se o caminho passa necessariamente por exames deslocalizados”, diz Manuel Assunção.

A OCDE abre o debate sobre “ensinar para o mundo de amanhã ou para o exame nacional?”

“Ter que andar a fazer várias provas em vários sítios do país pode colocar outro tipo de problemas que vão para além do incómodo e da questão financeira. Por isso, optaria por construir um exame que, na medida do possível, coloque em pé de igualdade estudantes que vêm de cada uma das vias”, acrescenta o reitor.

Apesar de concordar com o atual sistema, o presidente da FAP sugere também uma alteração dos moldes dos exames nacionais. “Uma prova diferente, a testar outro tipo de conhecimentos, porque hoje em dia avalia-se o conhecimento técnico e não a capacidade de aprendizagem”, esclarece.

No entanto, João Pedro Videira sublinha que um novo modelo de acesso ao ensino superior só funcionaria após uma alteração do próprio sistema de ensino.

“No que toca ao parecer relativo ao ensino superior, o relatório da OCDE espelha reivindicações que os estudantes já reclamam há muito tempo. O ensino superior carece de uma reforma há cinco anos”, conclui o líder académico.

A organização pede a Portugal que concilie o sistema de exames com o novo modelo de flexibilização e perfil do aluno, que privilegia a aprendizagem em torno de projetos e trabalho colaborativo.

Uma das recomendações da OCDE é precisamente a de que, no próximo ano letivo, o Governo alargue a todas as escolas o projeto de flexibilidade no ensino, embora mantendo o seu carácter voluntário.

Evolução dos regimes de acesso ao ensino superior. Infografia: Mariana Salazar

Artigo editado por Filipa Silva