O anfiteatro 2 da FLUP acolheu o Colóquio de Comunicação Desportiva nos dias 22 e 23 de fevereiro. Carlos Flórido e Fernando Eurico, jornalistas experientes na área do desporto, lideraram a conversa do primeiro dia do colóquio que se debruçou sobre a evolução do jornalismo face às modalidades. Houve ainda tempo para debater outras questões, como as recentes declarações de Bruno de Carvalho sobre a relação que os adeptos leoninos devem ter com os meios de comunicação.

“Qual a naturalidade de João Sousa? Porque razão os Warriors se chamam Golden State? O que é jogar em power play?”. Foram estas algumas das perguntas que os oradores começaram a dirigir ao público. Os jornalistas não ficaram surpreendidos por apenas alguns dos presentes terem resposta para algumas das questões que colocaram.

Os profissionais revelaram que, muitas vezes, nem os jornalistas que centram a sua atividade na área do desporto sabem responder a perguntas relacionadas com modalidades, por uma questão de desinteresse.

Quando nasceu, “O Jogo” dedicava 50% do espaço às modalidades e 50% ao futebol

Carlos Flórido, que trabalha no jornal “O Jogo” desde o ano de fundação – exceto por um período de quatro anos, durante o qual trabalhou no “Comércio do Porto” – esclareceu ao JPN que o desinteresse pelas modalidades foi o que levou à diminuição da cobertura das mesmas, por parte do diário desportivo.

“Quando abriu [“O Jogo”] dedicava 50% do espaço às modalidades e 50% ao futebol. Tínhamos situações incríveis, como uma notícia muito curtinha sobre o treino do FC Porto e páginas inteiras sobre judo e tiro”, relata o jornalista.  Flórido contou que, com o tempo, se foi percebendo que esse não era o caminho e, por isso, “a aposta no futebol foi crescendo até ao que é hoje”.

O jornalista de “O Jogo” adiantou que a situação atual não é da “responsabilidade” ou “desejo” do diário, mas sim um “reflexo da crise”, que obriga os jornais a “fazer as notícias que vendam mais jornais, ou seja, aquelas que as pessoas querem e não as que nós queremos”. Flórido concluiu que os jornais atuais “são reflexo daquilo que os leitores querem e de uma crise”.

Ainda se “pode e deve ir mais além”

Fernando Eurico, apesar de reconhecer a menor cobertura das modalidades, acredita que “já foi muito pior”. O jornalista salientou que hoje em dia, as modalidades também cresceram: “Os atletas tornaram-se mais visíveis e há mais resultados desportivos em termos internacionais”.

Esta situação faz com que a comunicação social tenha “um outro olhar e atenção” sobre os desportos que não o futebol, concluiu o jornalista da Antena 1. Eurico não deixa de realçar, contudo, que ainda se “pode e deve ir mais além”.

Questionado pelo JPN, sobre se o facto de se cobrir menos as modalidades não é umas das razões pelas quais o interesse pelas mesmas não aumenta, Carlos Flórido adiantou que “infelizmente, não”. O antigo jornalista do “Comércio do Porto” explicou que as soluções para este problema são “extremamente complexas” e que já se está “a pensar e a tentar algumas”.

Flórido mencionou que “a solução passa sempre por um investimento de quem está nas modalidades para ajudar os jornais”, porque estes sozinhos não o conseguem fazer. Exemplifica que já ensaiaram várias vezes “fazer capas só com modalidades e nos dias em que isso acontece as vendas baixam”, pelo que não podem “continuar a apostar nisso se as vendas baixam”, porque esse percurso leva ao que ninguém quer, o fecho das publicações.

Atitude dos clubes e das federações das modalidades é importante para lhes dar mais destaque

Na impossibilidade de dar o destaque que desejam às modalidades, o que fazem é ter essa secção organizada “para tentar, dentro do pouco espaço, dar o máximo possível de informação e aquilo que as pessoas gostam”, esclareceu Flórido.

O jornalista refletiu que esta situação “obriga a critérios”. Diariamente tem de decidir se o pouco espaço que tem vai para a modalidade A ou B. Sabe que se optar pela A, a B não vai ser notícia no dia seguinte e “isso é extremamente triste”, concluiu. Carlos Flórido contou que as escolhas que tem de fazer o “amarguram”, mas não há outra solução, além de “publicar os excedentes na internet”.

O público aproveitou a oportunidade para sugerir formas de combater o pouco destaque dado às modalidades como, por exemplo, dar um maior relevo às mesmas nos dias em que, normalmente, não há notícias tão relevantes sobre o futebol: como a terça e a quarta-feira, dias em que normalmente não há jogos, nem antevisões ou rescaldos.

Outra opção seria colocar junto das notícias sobre os clubes os artigos relativos às modalidades desses mesmos clubes, isto é, colocá-las lado a lado com o futebol. Assim, quem compra os jornais pelas equipas, sobretudo pelos três grandes – segundo Flórido a maioria dos consumidores – ao ver que se relacionava com o clube podia interessar-se por outros desportos.

Os dois oradores acreditam, contudo, que a solução mais efetiva seria existir uma outra atitude por parte das federações e dos clubes face às próprias modalidades, um maior investimento e um acesso mais fácil à informação por parte dos jornalistas.

Declarações de Bruno de Carvalho também foram alvo de discussão

O pedido que o presidente do Sporting dirigiu aos adeptos leoninos para que estes não comprassem jornais desportivos, nem vissem qualquer canal de televisão, a não ser o do clube, gerou debate no colóquio sobre comunicação desportiva.

Antes do começo da palestra, Fernando Eurico – primeiro narrador televisivo de futsal – já tinha adiantado ao JPN que, no fundo, a situação reflete um “pouco o espectro do país e, sobretudo, dos chamados principais clubes desportivos – não só futebolísticos – que é a centralização, a coerção, a diminuição da comunicação que os clubes [para com os jornalistas fora dos canais oficiais dos clubes]”.

“Os clubes não comunicam, não produzem informação, fazem propaganda”

O jornalista da Antena 1 – que fez mais de 200 transmissões televisivas de andebol – explicou que a “criação das televisões, das direções de comunicação e dos jornais dos clubes afunila cada vez mais a informação”.

De acordo com Fernando Eurico, o problema é que “aqueles que são o reflexo da maioria dos consumidores de informação de desporto em Portugal estão remetidos à propaganda, porque os clubes não comunicam, não produzem informação, fazem propaganda”.

O jornalista realçou que é nesse aspeto que os jornalistas têm uma grande responsabilidade e necessidade de combatividade, porque o que se está a instalar em Portugal é um estado de “antidemocracia e totalitarismo dos principais clubes em termos de informação”.

Fernando Eurico: Jornalistas que trabalham para os meios de comunicação dos clubes não deviam ter carteira profissional

O jornalista de rádio acredita que os profissionais que trabalham nos órgãos de comunicação dos clubes, independentemente da qualidade que tenham, não deviam ter carteira profissional. A questão, segundo Eurico, já lhe valeu algumas discussões com colegas, mas não altera o seu ponto de vista.

Jornalistas estão mais ou menos preparados quando chegam às redações?

Ao ser questionado pelo JPN, sobre se pensa que os jornalistas estão mais preparados na hora de entrar nas redações, em comparação com o tempo em que começou, Flórido respondeu negativamente.

Quando o jornalista começou a trabalhar no meio as pessoas cresciam como colaborador “e não com um curso, o que obrigava a que estivessem às vezes uma década a aprender no ativo, na prática”.

“Uma coisa é estar na faculdade e treinar, outra é estar no jornal e já estar a jogar”, concluiu Carlos Flórido.

Fernando Eurico pensa diferente, que os jornalistas estão “claramente” mais preparados. Agora “há imensos cursos, faculdades, maneiras de qualquer jornalista poder – mesmo fora da educação profissional que teve – se enriquecer e ter maior conhecimento”.

O jornalista deve construir o seu estilo próprio

Fernando Eurico relatou que quando começou, para se preparar, “ouvia aqueles que tinha como referência, que achava que eram os melhores e tentava não copiar, mas pelo menos absorver as coisas que achava que eram boas e isso foi um desafio terrível”.

Atualmente, quando lhe dizem que tentam seguir a mesma linha de trabalho, diz para não o fazerem “porque têm meios que não tinha há 30 anos”. Nesse sentido, desde que o jornalista faça o que está definido, cada um tem de construir o seu estilo.

“Eu quando comecei tentei seguir outros, porque não tinha outra maneira de ter conhecimento. Hoje em dia é diferente”, remata.

Artigo editado por Sara Beatriz Monteiro