Segunda-feira vai ser um dia especial para a exploração espacial europeia. Vai ser lançada a “ExoMars”, missão de exploração a Marte. Desenvolvida em conjunto pela Agência Espacial Europeia (ESA) e pela Roscosmos – a Agência Espacial Russa – a missão estima chegar a Marte em outubro. Os objetivos são investigar a possibilidade de vida em Marte e preparar futuras missões com robots ou tripulação humana.

Manuel Paiva, responsável por diversas missões cíentificas da NASA e da ESA, é um espectador atento da missão e explicou ao JPN os objetivos e desafios da “ExoMars”. “Segunda-feira, um foguetão “proton” russo vai transportar dois módulos de exploração desenvolvidos pela ESA para explorar Marte”, contextualiza o professor.

O primeiro módulo, o “Trace Gas Orbiter” ou TGO,  vai orbitar o planeta vermelho durante vários anos “analisando a constituição da sua atmosfera e focando-se nos níveis de metano” – gás que pode servir para evidenciar atividade biológica ou geológica – ou seja, formas de vida em Marte. O segundo, de nome “Schiaparelli”, vai pousar na superfície do planeta, com o objetivo de perceber as condicionantes da aterragem e preparar missões futuras, com “robots” e, possivelmente, seres humanos.

O especialista Manuel Paiva relembrou que a existência de metano em Marte é uma descoberta recente – de dezembro de 2014 – e que a “ExoMars” poderá ajudar a retirar ilações sobre a evidência. “Os cientistas pensam em duas possibilidades: a primeira e mais espetacular é que ainda haja formas de vida no subsolo de Marte, do tipo bacteriano, que sabemos são dos principais produtores de metano. A segunda, e talvez mais plausivel, é que a existência de metano seja devido a uma atividade vulcanica em Marte, o que também é interessante porque se pensava que Marte era um planeta morto por dentro, do ponto de vista geológico”, explicou ao JPN.

A contribuição portuguesa

Para além de destacar a importância da missão para a Europa no geral, Manuel Paiva, autor do recém-publicado livro “Portugal e o Espaço”, destaca o papel de duas empresas portuguesas: “A primeira é a Critical Software, uma das empresas mais conhecidas no domínio espacial. E a High Performance Space Portugal, que está na FEUP. Foi no Porto, nesta pequena empresa, que fabricaram a cobertura térmica do módulo de descida em Marte, o que é extraordinário.” O JPN foi conhecer ambas as empresas.

A equipa da "Critical Software" trabalhou em parceria com a ESA e a Thales Alenia Space na implementação dos sistemas de controlo a bordo do satélite

A equipa da “Critical Software” trabalhou em parceria com a ESA e a Thales Alenia Space na implementação dos sistemas de controlo a bordo do satélite Critical Software

Da Critical Software, que vai celebrar o lançamento da missão com uma iniciativa na segunda-feira na sua sede, em Coimbra,  falámos com Gonçalo Quadros, o CEO. A empresa de “software” crítico, fundada há 17 anos, especializou-se no setor espacial: “uma bizarria na altura, pois não havia indústria espacial em Portugal”, recorda o fundador.

A empresa coimbrã está a trabalhar desde 2013 no projeto e é responsável por “desenvolver e validar o ‘software’ que controla a missão europeia a Marte e os seus respetivos instrumentos de bordo, bem como por validar o sistema implementado no satélite e proceder aos testes do funcionamento do equipamento real, garantindo que não existem quaisquer falhas, e que todos os componentes dos vários fabricantes estão de acordo com os requisitos”, explicou Gonçalo Quadros. Trocando por miúdos, a empresa desenhou, desenvolveu e testou exaustivamente o software que controla a sonda “TGO” que vai estar exposta a condições atmosféricas imprevisíveis.

A HPS Portugal foi responsável pelo isolamento térmico do módulo “Schiaparelli”

A HPS Portugal foi responsável pelo isolamento térmico do módulo que vai pousar em Marte, o “Schiaparelli” HPS Portugal

A segunda empresa portuguesa envolvida na “ExoMars” é a HPS – High Performance Structures Portugal. Criada numa “joint venture” entre a “HPS” alemã e o  Instituto de Engenharia Mecânica e Gestão Industrial (INEGI), sedeado na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP).

O papel da empresa portuense foi o de “projetar, desenvolver, fabricar e aplicar na estrutura final o “MLI” – isolamento térmico em camadas múltiplas – que cobre o módulo de descida em Marte, o ‘Schiaparelli'”, avançou a diretora da organização, Celeste Pereira. Também fizeram o revestimento do “CASSIS” e o “NOMAD”: instrumentos de medição que estão colocados no corpo do módulo “TGO”.

Homem em Marte: o objetivo do século?

O JPN desafiou Manuel Paiva a prever a data de chegada de uma missão tripulada a Marte:  “Isso está a ser estudado essencialmente pela NASA e o principal problema para já é o custo – que varia entre 200 e 400 mil milhões de dólares”, contextualiza o professor.

Também importante, é continuar a estudar o impacto de permanência por longos períodos no espaço – neste momento prevê-se que uma viagem a Marte demore seis a sete meses. A duração da viagem é muito relevante, adianta Manuel Paiva: “os astronautas que foram à Lua demoraram poucas horas a lá chegar. Os primeiros que chegarem a Marte irão demorar meses na viagem e os efeitos de aterrar no planeta após tanto tempo no espaço são ainda imprevisíveis”.

O professor aponta o caso do astronauta Scott Kelly, que regressou recentemente de uma estadia de um ano no espaço a avaliar o impacto no organismo humano, como exemplo dos esforços para “melhorar o conhecimento sobre a adaptação do ser humano em ponderabilidade”, explicou.

Por fim o prognóstico: “Atualmente, a comunidade científica prevê que [a chegada do homem a Marte] apenas aconteça nos anos 30 ou 40, pode ser a chegada à lua deste século!”, mas o professor relembra que ainda há “um grande percurso até lá chegarmos”.

O dia 14 de março vai ficar marcado por um pequeno passo nesse percurso, mas um grande salto para a exploração espacial europeia.

 

Artigo editado por Filipa Silva