A contestação a este processo de adesão encontra grande resistência mais por parte da população europeia do que propriamente nos governos. Conscientes da diferença cultural, religiosa e histórica, os europeus não estão dispostos a abrir as portas da Europa a um estranho, como é visto o “turco”. E tal como há quem defenda a entrada da Turquia por um vasto rol de razões, também existe um forte movimento “turco-céptico” no seio da União. Porquê dizer não à Turquia?

A Turquia não pertence à Europa

Uma mera questão geográfica de fácil constatação (basta olhar para um mapa para ver que só cerca de um terço da Turquia se encontra em solo europeu), mas que é apresentado como o primeiro argumento de todos aqueles que não estão dispostos a ver a Turquia na família europeia.
Esta mentalidade, apelidada pelo presidente da Assembleia da República, Mota Amaral, como do tempo do “cerco de Viena”, tem muitos adeptos, apesar de ser, na hora de todas as decisões, perfeitamente inconsequente.

Muitos acreditam que a Europa deve crescer primeiro dentro do seu espaço geográfico, especialmente expandindo-se para Leste, em vez de albergar um estado que é mais asiático que europeu. Na verdade, se o núcleo do estado turco se encontra na Anatólia, península asiática, incluindo a sua capital Ancara, também é verdade que desde o século XV que a Turquia sempre representou um papel importante no xadrez europeu. Só que, para os turco-cépticos, a Europa deve pertencer aos “europeus”. Para os turcos ficaria uma “parceria privilegiada”.

O Islão

Esta é a principal razão, especialmente para o cidadão comum, do veto à entrada da Turquia no espaço Europeu. A Europa é um pais maioritariamente cristão e que desde o século VIII vê o Islão com desconfiança. Para muitos europeus, é impossível conciliar os valores e ideais judaico-cristãos, o sustentáculo moral do continente, com uma mentalidade conservadora e arcaica como o Islão. E se as minorias muçulmanas na Europa não conseguem dar o melhor exemplo de integração (os guetos de Marselha e a polémica do véu em França são os casos mais gritantes), mais razões clamam os defensores do “Clube Cristão” para trazer um problema ainda maior para o seio da Europa. E se é verdade que muitos líderes europeus queriam incluir o legado e a herança cristãos na fundação da Europa (algo que não chegou a ser concretizado), então é mais verdade ainda que os cidadãos da Europa não estão com vontade de partilhar o seu mundo com setenta milhões de pessoas com as quais não possuem quaisquer semelhanças. E criar um conflito religioso dentro das muralhas europeias, para quem quer criar uma Europa de valores, seria a estocada final no sonho europeu.

A economia turca

Esta é a preocupação de muitos chefes de Estado (a Áustria lidera o pelotão) e principalmente dos líderes de países pequenos, cuja economia ainda não arrancou de forma clara. Segundo estudos levados a cabo pela própria União Europeia, a adesão da Turquia custaria aos cofres da União entre 19 e 27 milhões de euros por ano. Ou seja, o preço a pagar pela entrada da Turquia na UE custaria anualmente 0.17% do PIB europeu.
Tudo isto porque a Turquia ainda é um país com uma economia bastante atrasada. A agricultura é particularmente arcaica (o que se reflectiria perigosamente na Politica Agrícola Comum) e a industria e comercio não estão suficientemente desenvolvidos para competirem com os parceiros europeus. E deixar entrar um país membro com 70 milhões de habitantes para este salta para a cauda Europa era como ter uma âncora no navio europeu a impedir a Europa de ir mais além. Ancara já prometeu tentar fazer tudo para diminuir o atraso mas os países mais pequenos que vivem dos fundos europeus não vão querer perder a sua fatia do bolo para a Turquia.

Os direitos humanos

O caso Leyla Zana é o espelho da política turca em relação aos direitos humanos. A antiga deputada e militante dos direitos da minoria curda, premiada com o Prémio Sakharov – que só agora recebeu – esteve detida durante dez anos por lutar pelos direitos dos curdos. Só este ano, e graças a fortes pressões de Bruxelas, é que Zana foi libertada, juntamente com três companheiros, pelo governo de Ancara.
O facto de ainda existirem presos políticos na Turquia, da liberdade de expressão não ser ainda um direito garantido e de que todos os dias existam mulheres a serem desrespeitadas impunemente é um dos grandes senãos da adesão turca. Bruxelas já deixou bem claro que se Ancara quer entrar no espaço europeu tem de eliminar definitivamente estes focos de desrespeito pelos direitos do Homem. A própria comissão que recomendou o início do processo de negociações foi contundente ao afirmar que o processo deve ser interrompido se se verificar que a Turquia continua sem se apresentar como um pais onde as liberdades estejam garantidas para todos os seus cidadãos, sejam eles da minoria curda, mulheres, crianças ou membros da oposição. É um dos temas que desperta mais apreensão no seio dos líderes europeus e segundo os especialistas da própria UE, com grande razão.

Chipre

Outro problema grave e de difícil solução. Aliás, cuja solução é necessária para o processo ter lugar. A Turquia ocupa a parte norte da ilha do Chipre, tendo aí instalado uma República reconhecida apenas por Ancara. No sul da ilha está a Republica do Chipre, que em Maio passado se tornou oficialmente membro da União Europeia. Ora, como Jack Straw, ministro dos negócios estrangeiros britânico apontou, é impossível um membro não reconhecer um outro dentro da União. E assim a Turquia tem apenas uma solução. Retirar as tropas do norte da ilha, desfazer a divisão que existe ainda e reconhecer a Republica do Chipre como estado legítimo. Só que o processo tem conhecido complicações. Já este ano um referendo sobre a reunificação da ilha falhou por completo, para notório desagrado de Bruxelas. A própria população turca sempre reclamou o Chipre como seu por direito e não verá com bons olhos a desistência do governo nas pretensões à ilha. E o governo cipriota já ameaçou que vetará o início das negociações no próximo dia 17 se a Turquia não reconhecer oficialmente a Republica do Chipre.

O peso no Conselho Europeu

Talvez a razão que está por detrás do anunciado veto francês. Sem o admitirem, a verdade é que muitos são os países europeus que estão assustados com o facto de a Turquia passar a ser – caso venha a ser aceite como membro – o segundo maior estado da Europa. E como a nova Constituição Europeia – aprovada mas ainda não ratificada – explicita que, para a maior parte das políticas comuns será necessária uma maioria de dois terços dos europeus, então o papel que a Turquia poderá representar no futuro da Europa salta à vista. Muitos dos países de pequena e média dimensão (os mesmos que em Nice se bateram contra a união franco-alemã) acham que é perigoso abrir as portas para um consulado dos grandes países (Alemanha, França, Turquia, Reino Unido). Já os grandes países não estão dispostos a perder a sua influência com a entrada de um membro igualmente poderoso e que, aliado com vários outros estados (Polónia, Espanha, Itália) pode ditar as regras do jogo europeu.
Os mais perspicazes atentam mesmo que a regra da maioria de dois terços qualificados foi uma exigência pessoal de Valery Giscard D´Estaign, um notório oponente da entrada da Turquia, de forma a criar nos europeus a ideia de que uma Turquia na EU será sempre uma Turquia poderosa demais. E há quem já tenha feito as contas de cabeça apontando que uma Turquia de 100 milhões de habitantes nos próximos 30 anos pode controlar muitas das decisões mais importantes do Conselho Europeu aliando-se a países sem expressão politica na comunidade. Um risco que muitos não estão dispostos a correr.

Miguel Lourenço Pereira