Diz-se que um dos principais objectivos de Bolonha é elevar a competitividade internacional do ensino superior europeu. Isto significa que Portugal está ao mesmo nível da União Europeia?
À partida a Declaração de Bolonha não é indício do nível em que cada país se encontra, até porque, mesmo dentro de cada país, há desníveis. Enquanto membro da União Europeia, ou Portugal evolui ou não vai conseguir acompanhar os restantes membros e acabará por ser engolido neste processo de globalização. Essa evolução passa por as instituições de ensino superior e as empresas e o mundo de trabalho fazerem sinergia.

Como pensa que vão ser encarados pelo mercado de trabalho os graduados de 3 anos após a entrada em vigor da Declaração de Bolonha?
Tudo vai depender das alterações que forem feitas ao sistema de ensino superior, da reestruturação que, efectivamente, se fizer. Se for apenas uma questão aritmética, de mudança do número de anos dos cursos, então não acredito que pessoas com menos anos de formação dos que são dados actualmente possam ser mais qualificadas.
Um dos objectivos de Bolonha é reorganizar os cursos em função da aprendizagem dos alunos e não em função do número de aulas leccionadas. Ora, a maioria das nossas universidades não está preparada para agir nesses termos. Ainda se organizam os cursos em função das horas de aulas leccionadas.
O êxito de Bolonha vai depender também da preparação dos graduados que chegarem ao mercado de trabalho, da sua capacidade de resolverem os problemas das empresas e das instituições.

“Governo não pode demitir-se da formação dos estudantes”

Acha que o Governo está a tomar as medidas necessárias para que a reestruturação do ensino universitário seja feita de modo adequado?
Este processo já começou inquinado. Ainda não está definido em que moldes o Governo se demite de financiar as formações? Se o Governo se demite desse financiamento e quer que os alunos paguem do seu bolso os 4º e 5º anos, vai haver um bloqueio na formação. As instituições temem essa demissão de responsabilidades por parte do Governo, e com razão. Se o Governo se desresponsabilizar do financiamento dos mestrados, as universidades passam a querer licenciaturas maiores. Se se desinquinar este processo, temos capacidade de discutir isto abertamente, mas não é admissível que o Governo se demita de pagar os estudos depois dos três anos de formação, correspondentes ao primeiro ciclo de Bolonha.

Acha que os estudantes, futuramente, vão precisar de pós graduação no mercado de trabalho?
Na administração pública, em cargos do Estado, sim. Porque não é admissível que o Estado permita que pessoas com 3 ou 5 anos de formação tenham a mesma carreira. Em termos de mercado de trabalho, os actuais 5 anos de uma licenciatura não poderão corresponder a menos do que o 2º ciclo de Bolonha.
Há questões que a ministra [do Ensino Superior, Maria Graça de Carvalho] disse que estão a ser estudadas. Mas a ministra deve pensar que resolve o problema, formando um grupo de trabalho, liderado por um professor, para discutir e avaliar as consequências de Bolonha para quem já está em exercício.
A FNE, enquanto sindicato, não prescinde de que haja negociações sérias, em termos de redefinição dos horários dos docentes. Se, com Bolonha, o ensino superior se vai estruturar em função da aprendizagem dos alunos e não do número de horas de aulas leccionadas vai ser necessária uma grande disposição dos docentes para acompanhar os alunos.
Vamos ter, com este Tratado, de considerar que o tempo de acompanhamento do mestrado, dado pelo professor ao aluno, vai fazer parte do horário do docente.
No ensino superior privado, talvez seja mais fácil tirar o bacharelato e ir, mais tarde, acrescentando complementos de formação. Com a evolução tecnológica, será imprescindível fazer formação complementar a muito curto prazo.
Em termos de mercado de trabalho, resta saber se é mais útil o 2º ciclo de formação universitária ou fazer, posteriormente, formação complementar nas empresas, formação essa que será reconhecida pelas instituições universitárias. Vai ser nesta dinâmica entre evolução das universidades e mercado de trabalho que residirá o sucesso de Bolonha.

Andreia C. Faria