As mulheres portuguesas estão em maioria nas universidades e entre os diplomados, mas são sobretudo os homens que seguem o doutoramento ou investigação científica. A tendência para a feminização do ensino é uma realidade na União Europeia, embora em Portugal a proporção de mulheres seja mais acentuada que nos restantes países da união.

Apesar das mulheres representarem a maioria dos licenciados, a verdade é que a nível do corpo docente nas universidades e na investigação o número de homens é maior. No entanto, este é um dado em mudança. Em 1992, as mulheres doutoradas representavam 33,6% do total, em 2002 eram já 46%, segundo dados do Observatório da Ciência e do Ensino Superior (OCES). Contudo, a predominância do sexo feminino no número de licenciados não acompanha a sua representatividade nos cargos de topo.

É numa perspectiva de combate a esta desigualdade e de qualquer outro tipo de discriminação sexual na ciência que surge hoje, formalmente, a Associação Portuguesa de Mulheres Cientistas (AMONET), que foi apresentada na Universidade Nova de Lisboa. “O país precisa de todas as pessoas qualificadas, não podemos discriminar pessoas que podem vir a dar contributos essenciais”, diz ao JPN Lígia Amâncio, professora catedrática do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) e sócia fundadora da AMONET.

A AMONET planeia organizar um encontro internacional de mulheres cientistas, no início do próximo ano em Lisboa.

Perspectivas de mudança no feminino

Amonet, deusa principal do Baixo Egipto, materializa um primitivo e inextinguível poder. Geradora do vento do norte, sopra nova vida e sabedoria nas mentes das elites e dos governantes, propiciando-lhes o conhecimento de que necessitam para governar. É com a perspectiva de uma mudança que contribua para o acesso das mulheres cientistas a cargos de topo que se orienta a associação com o nome da deusa.

Exemplos da subrepresentação das mulheres em lugares de decisão não faltam. Lígia Amâncio fala de um caso paradigmático que foi, também ele, motivo para a criação da AMONET. “Houve um acontecimento crítico em 2003. As comissões de avaliação das licenciaturas de Ambiente e Química não tinham uma única mulher, isto apesar de nestes campos mais de 50% dos docentes e investigadores serem mulheres”, explica a sócia-fundadora.

Na realidade, como avança Lígia Amâncio, “a maioria dos membros das comissões avaliadoras são homens, tal como acontece em posições de topo nas universidades”. Para completar este quadro basta pensar que só há duas reitoras em Portugal: Maria Helena Nazaré na Universidade de Aveiro e Maria José Ferro Tavares na Universidade Aberta.

Uma voz mais optimista

Este quadro negro é, no entanto, contrariado por Raquel Seruca, investigadora do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP). “As oportunidades para as mulheres são exactamente as mesmas, tanto na obtenção do doutoramento como na progressão na carreira. Aqui no instituto não se verificam desigualdades”, sublinha.

Raquel Seruca não se revê no projecto da AMONET. “Há necessidade de criar uma associação de cientistas, mas esta associação de mulheres cientistas parece-me um bocado como as quotas dos partidos”, afirma. “Se elas não chegam ao topo da carreira não sei se é por elas não serem chamadas ou também por não o desejarem”, remata.

A investigadora não deixa, contudo, de observar que “em termos de posições de topo a verdade é que o IPATIMUP tem três chefes homens mas este é um problema geral do país”, refere.

A subrepresentatividade feminina em postos de chefia é uma realidade visível em quase todos os sectores de actividade, desde os mais altos quadros de empresas públicas até às presidências de junta. Como refere a página de Internet da AMONET, a criação da Asociação Portuguesa de Juristas em 1988 contribuiu para avanços significativos na eliminação da descriminação da mulher. O sucesso desta associação pode ser tida como exemplo de uma forma de representação do sexo feminino e motivo de esperança para as mulheres cientistas portuguesas.

Mariana Teixeira Santos