Agustina Bessa-Luís esteve ontem na Feira do Livro do Porto. Perante um público fascinado, a escritora falou dos seus livros e fez outras confissões.

Quando a autora d´”A Sibila” chegou, vestida com a discrição elegante de quem sempre pertenceu a uma espécie de aristocracia, fez-se silêncio no café literário do Pavilhão Rosa Mota. Era óbvia a admiração dos presentes pela mulher e pela escritora. A sua estatura pequena, o seu andar passarinhado e o brilho infantil dos olhos que traía os seus 83 anos causaram forte impressão.

Bessa-Luís começou por falar do seu primeiro livro: “O ‘Mundo Fechado’ foi escrito enquanto a minha filha, bebé então, dormia. Era o único tempo que tinha livre”. Aos 14 anos, a jovem Agustina leu “A Selva”, de Ferreira de Castro. O pai dissera-lhe que era o melhor livro de um escritor português. Agustina respondeu: “Se isto é o melhor livro de um escritor português, eu vou fazer o melhor livro de um escritor português”. Assim, a boa recepção do seu romance de estreia não a surpreendeu, já que a escritora debutante estava “muito segura daquilo que tinha escrito”.

“Há que gerir o Mal de forma a torná-lo impraticável”

“Antes do Degelo”, publicado em 2004, foi também tema de conversa. “O enigma da culpa é a chave do livro”, explicou Agustina, que escreveu o seu mais recente romance inspirada na obra “Crime e Castigo” de Fiódor Dostoievski. “O homem vive da culpa, precisa da culpa para criar. A mulher é aquilo que é, tem esse dom criador, ao ser mãe. O homem usa a culpa como modo de superar esse dom da mulher. É pela culpa que se dão os grandes feitos da humanidade”, defendeu.

A problemática do Bem também mereceu a atenção de Agustina: “Cinco séculos de moralidade, de pregação do Bem, não deram resultado. A questão é agora gerir o mal de modo a que ele se torne impraticável”, considera. Para a escritora, “o Mal é um excitante. Quando perde a natureza de trangressão, de mistério, deixa de ser excitante e de interessar as pessoas”.

“A palavra do crítico não define o destino do escritor”

Questionada por uma leitora sobre a faceta perversa enquanto escritora e carinhosa enquanto pessoa, Bessa-Luís disse que a perversidade sempre a acompanhou: “sempre tentaram aplicar-me esse adjectivo como modo de travar a minha vivacidade, a viscosidade do talento. A civilização é perversa, o ser humano é perverso no modo como tenta adestrar a Natureza. É assim para sobreviver”.

Durante esta conversa informal com os seus leitores, a escritora confessou que recebe muitas obras de jovens escritores que lhe pedem opinião. Nem sempre responde: “sou generosa em coisas profundas e, mesmo quando leio um livro na diagonal, se percebo que tem qualquer coisa sou a primeira a dirigir-me a essa pessoa”.

Mesmo sendo uma das mais importantes escritoras contemporâneas, Agustina Bessa-Luís é uma mulher presa à sua geração e por isso não dá grande atenção ao que de novo se vem fazendo na literatura portuguesa. “Se calhar injustamente, leio pouco novos livros, mas não é a palavra de um crítico que define o destino de um bom escritor”, reconheceu.

Andreia C. Faria
Foto: Ricardo Fortunato (Arquivo JPN)