Maria do Céu Pinto é docente do Departamento de Relações Internacionais e Administração Pública e professora na Universidade do Minho,

Em entrevista ao JPN, Céu Pinto desvaloriza a possibilidade de terroristas obterem arsenal nuclear, mas receia o aumento do número de países com armas deste tipo.

No dia 5 de Agosto, o director-geral da Agência Internacional de Energia Atómica, El-Baradei, disse que “a única maneira de evitar que Hiroxima e Nagasaki voltassem a acontecer é pôr um fim a todas as armas nucleares”. De que maneira se pode fazer isso?

É muito pouco provável dado o clima de incerteza e insegurança reinante no mundo, especialmente em algumas regiões (Médio Oriente e na Ásia) e o facto dos estados que possuem essas armas dificilmente abrirem mão delas, como a África do Sul fez no passado.

Podemos estar a viver num diferente tipo de Guerra Fria, onde a desconfiança ainda reina?

Sim, embora qualitativamente diferente. O fim da Guerra Fria levou ao desaparecimento da ameaça nuclear devido à competição entre os EUA e a URSS, mas não fez desaparecer as tensões e conflitos no mundo – factor que motiva a corrida às armas nucleares. Teve, aliás, o efeito indesejável de multiplicar os conflitos em certas áreas do mundo. Anteriormente, tanto os EUA como a URSS “tutelavam” vastas zonas do globo e podiam exercer sobre elas um efeito estabilizador. O fim da Guerra Fria, em algumas áreas do mundo, foi como o rebentar de uma panela de pressão.

Há 27.000 bombas e ogivas nucleares, a maioria mais potente do que as de Hiroxima e Nagasaki. Há razões para temer o futuro?

A existência de armas nucleares pesará sempre sobre a segurança da humanidade, se mais não fosse pelo facto de serem postas em acção de forma acidental, ou pelo perigo de cairem nas mãos erradas. O factor mais preocupante não é tanto a existência das armas actuais, mas o alargamento progressivo do chamado “clube nuclear”.

Que razões levam os estados a querer juntar-se ao “clube”?

Falando dos novos actores nucleares, veja-se os seguintes casos: o facto do Paquistão se ter dotado da arma nuclear é preocupante porque corresponde à tentativa de atingir o mesmo patamar da Índia – ambos conhecidos rivais envoltos num clima de conflito que poderia levar à utilização das armas nucleares. A Coreia do Norte é outro caso de preocupação que só se pode entender devido à natureza esquizofrénica do regime e à sua igualmente histórica rivalidade com a Coreia do Sul.

Durante a Guerra Fria existia o “equilíbrio do terror”. No caso do Irão desenvolver armas nucleares, pensa que isso poderá contribuir para que se estabeleça um equilíbrio no Médio Oriente ou será um ponto sem retorno para um conflito em larga escala?

Geralmente, os estados que se dotaram das armas nucleares têm tido um comportamento responsável na sua gestão. O facto do Irão se dotar desta arma não significa que tenha intenção de recorrer a ela. O Irão insere-se num contexto regional caracterizado por grandes rivalidades. Receia uma intervenção militar americana e considera que o seu grande adversário no Médio Oriente é Israel – país que é uma potência nuclear consolidada. Com a arma, o Irão pretenderá, acima de tudo, atingir um patamar militar de indiscutível superioridade militar e dissuadir potenciais agressores.

Considera o Irão uma ameaça?

Tratando-se do regime que é e no contexto regional em que se insere, não há dúvida que a posse das armas nucleares pelo Irão suscita muitas inquietudes.

Porque é que os EUA e a Rússia estão a guardar as suas ogivas nucleares em vez de as destruírem? Não deviam ser estes dois países os primeiros a dar o exemplo na não-proliferação?

Depois de se obter a arma suprema, dificilmente se renuncia a ela. Em primeiro lugar, porque são fonte de prestígio, supremacia militar e, logo, segurança. Em segundo lugar, porque ambos os países tem a percepção de que ainda existem um número suficiente de ameças que justifiquem a sua manutenção.

Alguns países, como o Japão e o Reino Unido, exigem que os outros parem a sua produção de armas, mas eles próprios continuam a desenvolver armamento nuclear. Como classifica esta atitude?

“Realpolitik”, interesse nacional e interesses económicos.

Uma questão muito referida recentemente é a possibilidade de terroristas
acederem a armas nucleares. Qual é a probabilidade de algo assim acontecer?

É uma possibilidade, mas não a mais provável. Os terroristas não precisam das armas nucleares para disseminarem o terror e a destruição – veja-se o que estamos a viver actualmente. De qualquer forma, não é fácil aceder a estas armas. Mais provável seria o recurso às chamadas “armas sujas”: armas que usam material radioactivo em segunda mão e que tem um efeito sobretudo contaminante.

Pedro Rios
Tiago Dias
Foto: DR