Acontecimentos como a morte da transsexual Gisberta no Porto ou as perseguições a homossexuais em Viseu trazem as discussões relacionadas com a discriminação em Portugal ao de cima. Apesar de se considerar Portugal como um país desenvolvido, ainda há muito a fazer no campo das mentalidades, o que é consensual entre os dirigentes associativos do movimento LGBT.

Valter Filipe, da Opus Gay, afirma que a pior forma de discriminação que se pode sentir é o “apontar o dedo”. “Aquele é paneleiro, aquele é maricas, são comentários desagradáveis que ninguém gosta de ouvir”. Para o presidente da Opus Gay, António Serzedelo, “Portugal só fará parte da modernidade quando resolver as questões da orientação sexual e das questões de género”. “Nós [os homossexuais] poderemos ser diferentes mas isso não lhes dá direito de faltar ao respeito a quem quer que seja”, afirma Valter Filipe, para quem o mais importante é mesmo “o direito à indiferença”.

Para Eduarda Ferreira, do Clube Safo, as discriminações laborais são “as mais efectivas”. Ideia partilhada por Serzedelo, já que “é onde as pessoas passam oito horas do dia”.

A dirigente do Clube Safo, a única associação exclusivamente dedicada à temática lésbica, afirma que as pessoas “têm dificuldade de assumir a sua orientação sexual no trabalho porque isso tem reflexos graves”, apesar de não querer dizer que sejam despedidos ou que deixem de receber o ordenado. Pode querer dizer que “terão com certeza um ambiente muito complicado e muito difícil”, afirma a responsável.

A dirigente da @t, Jó Bernardo, explica que em primeiro lugar há que conhecer as pessoas e em segundo conviver com elas. “Estou cada vez mais convencida que de facto as diferenças que construimos em relação ao outro esvaem-se a partir do momento em que conhecemos a outra pessoa”, afirma.

Para Fernando Mariano das Panteras Rosa, a questão da transfobia “está no seu auge”. Mariano aponta ainda a “homofobia internalizada” como problemática actual. Sendo essa a homofobia que “vem dos homossexuais” e que “é muito complicado tratar”. “Parece que há uma necessidade extrema de superioridade. Se fores hetero há uma necessidade de dizer ‘aquele é paneleiro’, e eu sou melhor que ele”, explica.

E mesmo dentro da comunidade homossexual gera-se discriminação, segundo este membro das Panteras. Um homossexual pode apontar para outro e dizer que “aquele é uma ‘bicha’ e a ‘bicha’ tem necessidade de dizer qualquer coisa como ‘aquele é uma bicha pobre’. E esses casos de homofobias internas são coisas que o movimento não tem trabalhado”, afirma Fernando Mariano.

A dirigente da rede ex aequo, Rita Paulos, explica que mesmo que haja os meios legais, “é preciso educar-se, procurar-se que as pessoas por si próprias compreendam porque é que está mal discriminar”. Na rede ex aequo, que trabalha muito em escolas e com crianças, depara-se muito com “gente que é mesmo perseguida por motivos homofóbicos ou transfóbicos”, o que é “muito gritante”, considera a dirigente.

Para o dirigente da ILGA-Portugal, Paulo Côrte-Real, há casos “extremos, os chamados crimes de ódio” como o da Gisberta. E há casos não menos chocantes como o caso de Helena e Teresa, que tentaram casar este ano. “Imediatamente depois disso estiveram em dificuldades, quer a nível de vizinhança, quer a nível da escola das filhas, quer em termos de arranjar emprego”, explica Paulo Côrte-Real.

Paulo Vieira, da Não Te Prives, afirma que por muitos avanços que se faça, por exemplo, na questão do casamento homossexual, “a pessoa individual pode continuar a passar na rua e ouvir chamar ‘paneleiro’ e não levar aquela pessoa para tribunal”. E isso é algo que para este dirigente “tem que ser possível”. “Eu tenho que poder levar para tribunal todas as pessoas que escrevam nos jornais a dizer que os homosexuais são todos uns pervertidos. Isto é o direito que eu quero ter”, afirma.