Helena Vilaça, professora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e especialista em minorias religiosas, crê que modernidade não significa fim da religião, mas agrava expansão de fundamentalismos. A autora acaba de lançar “Da Torre de Babel às Terras Prometidas – Pluralismo Religioso em Portugal”.

No prefácio do livro lê-se “que a modernidade não significa o fim da religião” e que “pluralismo e liberdade de escolha desafiam a integração social”. A modernidade agravou os fundamentalismos religiosos?

Nesta fase da modernidade em que vivemos coexistem fenómenos contraditórios: vemos a diversidade religiosa aumentar em consequência do individualismo e liberdade de consciência de cada um. Ao mesmo tempo, os fundamentalismos religiosos são reacções à própria pulsão da modernidade. Mas não é o fim da religião e as estatísticas mostram-no, porque os ateus não têm aumentado.

Com um cenário de multiplicação de novas religiões e de movimentos religiosos, a afirmação das religiões ditas “clássicas” passa pelo integralismo e fundamentalismo?

Passa também, mas não só. Nunca a liberdade foi tão grande, mas também nunca as reacções foram tão grandes.

Há o perigo da proliferação de “guerras santas” ou caminhamos para aquilo que chama de “terras prometidas”, enquanto sinónimo de pluralismo de movimentos religiosos?

Pode haver o risco de guerras santas, mas também temos movimentos de ecumenismos que são assinaláveis. Nunca o diálogo entre os diferentes ramos do cristianismo foi tão grande e também nunca o diálogo e o esforço de aproximação foi tão grande entre muçulmanos e cristãos.

Nesse caso, onde insere o episódio das caricaturas de Maomé?

Se as caricaturas suscitaram reacções de toda a ordem, muitas comunidades muçulmanas tiveram a oportunidade de dizer que eram contra a violência e que não tinham nada a ver com terrorismo. Tem havido uma oportunidade dos muçulmanos falarem na esfera pública e demarcarem-se daquilo que entendem ser uma má interpretação do Islão.

Pensa que hoje há a tendência de se confundir integralismo religioso com terrorismo?

Há. As pessoas não deixam de ter no seu imaginário o 11 de Março e o 11 de Setembro. De facto, foram grupos fundamentalistas islâmicos responsáveis por isso. Temos tendência de ver o mundo com um olhar maniqueísta, de ver os bons e os maus, e de generalizar.

Há uma reconfiguração da religião na modernidade. Assiste-se à emergência de novos movimentos religiosos e à tentativa de afirmação dos antigos. Estamos perante um “mercado de fé”?

A minha opinião é que na Europa não existe um “mercado religioso” competitivo, enquanto na América Latina já existe. No Chile, 17% das pessoas são protestantes. A Europa é menos plural do que os Estados Unidos. Em termos de competição religiosa, por exemplo, a grande diferença entre os Estados Unidos e a Europa é que aquele país foi criado por pessoas que fugiam da perseguição religiosa e tiveram de se aceitar uns aos outros para sobreviverem. A Europa está marcada por guerras religiosas e uma cumplicidade sempre forte entre Igreja e Estado.

E Portugal?

Em Portugal, fruto do Estado novo, sempre se olhou para o “outro” com muita suspeição, até o “outro” que é diferente na religião.

Como é que se olha para a espiritualidade “New Age” em Portugal?

Há muitos anos que se pode falar em espiritualidade “New Age” no país, basta ver a importância que têm, nos “sites” portugueses, questões como astrologia, numerologia, as pedras, os anjos, o tarot… Cada vez mais, o signo faz parte do cartão de identidade.

Carina Branco
Foto: SXC