É tempo da ética regressar ao centro da identidade do jornalismo. Ela “não é um ingrediente que se possa pôr ou tirar da profissão; é um ingrediente constitutivo do próprio jornalismo”, diz Joaquim Fidalgo, autor de uma tese de doutoramento sobre o tema aprovada por unanimidade na semana passada.

No trabalho “O lugar da ética e da auto-regulação na identidade profissional dos jornalistas”, o professor da Universidade do Minho parte da sua experiência como Provedor do Leitor do jornal “Público”, entre 1999 e 2001, para analisar a forma como os jornalistas de três diários portugueses (“Jornal de Notícias”, “Diário de Notícias” e “Público”) vêem esta figura de auto-regulação.

A maioria vê o provedor com bons olhos, apesar de a aceitação diminuir entre os jornalistas mais jovens. O provedor não é um “polícia”, aponta ao JPN Joaquim Fidalgo, ele mesmo um jornalista. “É alguém que está um bocado mais afastado da manobra diária do jornal e que, complementado com o olhar dos leitores, pode fazer um trabalho pedagógico. Os jornalistas sentem-se às vezes um bocadinho mal com isso”.

A figura tem a “vantagem enorme de ser uma porta aberta para os leitores, uma forma de o universo dos leitores e o dos jornalistas conhecerem-se um bocado mais”, diz. “Recebe os comentários dos leitores e depois vai ouvir os jornalistas”. E é uma forma de responsabilizar o jornalista, que deve “prestar contas” ao público que serve com o seu trabalho.

“O jornalismo foi perdendo alguma credibilidade porque não conseguiu sempre ser consequente e levar à prática esta genuína aposta ética e de abertura à prestação de contas ao público”. Por isso, Joaquim Fidalgo defende um “back to basics” na profissão, um “regresso a este compromisso ético”.

Mais ética do que técnica

É a ética que, “no meio de um mar enorme de disciplinas e práticas da comunicação”, “permite estabelecer a marca” específica do jornalismo. Para o recém-doutorado, com a Internet a permitir o acesso às fontes primárias e a acabar com o “monopólio” dos jornalistas sobre a informação sobre a actualidade, o jornalismo deve afirmar-se pelo “como”, “porquê” e “para quê”, mais pela ética do que pela técnica.

O jornalista é cada vez menos um filtro, um “gatekeeper”, e “cada vez mais um ‘sense maker'”, a que cabe “dar sentido, enquadrar, contextualizar e ajudar a compreender” o mundo. “Para isso temos obrigação de conhecer o nosso público-alvo. Ouvir os leitores é uma obrigação ética”.

“O provedor não vai ensinar a ética aos jornalistas – eles sabem-na. O problema é que devido a uma série de constrangimentos podem falhar certas coisas. Uma das grandes vantagens do provedor é introduzir nesta vertigem do trabalho jornalístico uma instância de alguma pausa, de reflexão, que ajude o jornalista a ser mais vigilante sobre si próprio”.

Pedro Rios
prr @ icicom.up.pt
Foto: Ricardo Fortunato/Arquivo JPN