Passados 33 anos sobre a Revolução dos Cravos, a liberdade de imprensa tem, ainda hoje, indícios de alguma fragilidade. Luís Humberto Marcos é director do Museu Nacional de Imprensa e foi um dos muitos jornalistas que conheceu as dificuldades de trabalhar num regime ditatorial.

“Só quem sentiu o que era a arbitrariedade do lápis azul é que pode ter a noção de quão saudável é viver em liberdade e pensar em liberdade. Na altura podíamos pensar em liberdade, mas expressar esse pensamento livre nunca se podia”, salienta.

Dos tempos do lápis azul, Luís Humberto Marcos destaca a criatividade e a habilidade em fazer passar as mensagens nas entrelinhas para não serem percebidas pela censura, “mas sempre com medo”, porque “a polícia conseguia penetrar em todos os sítios”. Humberto Marcos menciona a juventude, o feminismo, a revolução, o sexo e a mulher como as temáticas mais predispostas a receber o carimbo da censura.

Em qualquer parte do país, incluindo as ex-colónias, a censura controlava tudo o que pudesse pôr em causa os valores da pátria. A difusão de jornais estrangeiros ou a emissão de informação para fora de Portugal eram proibidas. No caso de haver tentativas, a actuação da polícia era imediata. “Havia uma polícia que tentava fazer com que fosse cor-de-rosa uma realidade que era negra”, afirma o jornalista.

A censura prévia funcionava apenas para a imprensa, já que na rádio e na televisão havia os censores (pessoas que usavam o lápis azul dentro dos próprios órgãos). “Aprovado”, “suspenso”, “aprovado com cortes”, “totalmente proibido” eram os carimbos aplicados.

Para Luís Humberto Marcos, “a máquina da censura era uma marca do génio de Oliveira Salazar, é talvez a melhor criação dele”. Com Marcelo Caetano, “a censura existia mas não se podia dizer”, acrescenta. Nesse período, jornais como “A República” e “O Diário de Lisboa” foram punidos, porque “ousaram publicar apenas o artigo da lei em que se dizia que não era permitido dizer que havia censura”.

“Imprensa foi o sector mais tocado pelo lápis azul”

A acção da censura teve um largo alcance. Televisão, rádio, publicidade, literatura, música, teatro, cinema foram algumas das áreas afectadas, mas para Humberto Marcos a imprensa foi a área que mais sofreu. “A imprensa foi o sector mais tocado pelo lápis azul”, afirma com convicção.

O director do Museu Nacional de Imprensa refere a extensão e a periodicidade dos jornais como factores de preocupação para o regime salazarista. Por isso, os jornais tinham que enviar os textos para análise da censura (incluindo a própria paginação), que decidia qual o material que podia ser publicado. As gráficas também não escapavam à fiscalização.

Com os cortes na paginação e nos textos, por vezes, “havia necessidade de fazer três jornais para sair um”, diz Humberto Marcos. “Todos os jornais, para além de serem censurados, tinham que ter um director tolerado ou aceite pelo regime”, relembra.

Luís Humberto Marcos recorda que, em 1973, fez um trabalho para celebrar os 25 anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Colocou os mesmos direitos e fotografias que eram a sua antítese. Essa página foi “totalmente censurada”.

Relação dos “media” com os poderes

Para o director do Museu Nacional de Imprensa, vive-se “o período histórico mais livre”, o que não significa que hoje não haja “censuras editoriais”. “Mas nada se compara com uma máquina estatal estabelecida para o corte permanente à liberdade de expressão”, sublinha.

A série “Humor de Perdição” do Herman José, o livro “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” de Saramago, o “Caso Marcelo”, e, mais recentemente, as alegadas pressões do Governo junto da comunicação social a propósito do percurso académico de José Sócrates exemplificam situações que ameaçaram o pleno exercício da liberdade de imprensa.

“A liberdade de imprensa corre sempre riscos quanto menos cimentada estiver a consciência democrática. Qualquer poder quer dominar a imprensa e compete à imprensa corrigir essa tentativa de controlo”, diz Luís Humberto Marcos. “A consciência democrática ainda é relativamente frágil em muitos dos que viveram o 25 de Abril”.

O jornalista indica o caminho a seguir: “A afirmação do poder da informação sempre autonomamente dos outros poderes. Só assim é que nós conseguimos aprofundar a democracia”.