Divulgador da ciência e presença assídua nos media, Alexandre Quintanilha procura “um novo desafio” e confessa-se fascinado pela arquitectura. Aos 63 anos, o cientista considera que a divulgação é “obrigação de quem tem conhecimento em cada uma das áreas científicas”. Uma das muitas frases a reter numa entrevista que estreia o “UP sob investigação”, um ciclo de entrevistas que, até Junho, dá a conhecer alguns dos principais rostos da investigação feita na Universidade do Porto.

Depois de 20 anos na Universidade da Califórnia, Berkeley, quais as principais diferenças que encontra entre a investigação feita em Portugal e no estrangeiro?

Eu acho que cada vez mais as diferenças são menos gritantes. Mas a grande diferença é que a investigação em Portugal é uma coisa muito recente. Entre a inquisição e a ditadura houve enormes instabilidades políticas. Portugal só começou verdadeiramente a investir em ciência nos últimos vinte anos. E, vindo de Berkeley, onde a aposta na ciência já é uma coisa que tem cem anos, obviamente que o choque foi enorme. Mas também foi interessante perceber como é que uma sociedade que não tinha a tradição da ciência a passou a ter.

Ser um investigador português ainda é um handicap no meio científico internacional?

Não, não acho que seja handicap nenhum. Ainda há poucos portugueses a fazer a sua carreira científica toda lá para fora. Ainda há muita gente que acha que ir lá para fora deve ser uma coisa de dois anos ou três, e depois voltam. É importante que as pessoas voltem para criar a ciência, mas eu espero que um dia a dinâmica e a robustez da ciência seja tal, que haja tantos portugueses a escolher viver o resto da vida lá fora, como estrangeiros a escolher viver a sua vida cá. Eu não sei os números, mas imagino que, de certeza, muito mais do que 90% dos docentes nas faculdades do Porto são portugueses. Eu gostava de ter uma comunidade de estudantes e professores muito mais diversificada. O Porto ainda tem uma longa trajectória a fazer, que é internacionalizar-se, não só nos seus alunos, mas também nos seus docentes e investigadores.

No caso concreto do IBMC, há uma grande aposta na formação de cientistas. Também existe a preocupação em captar cientistas estrangeiros?

Há. Nesta altura, eu acho que provavelmente 20% dos investigadores que estão cá não são portugueses. Tenho pena que não sejam mais. Continua a ser difícil atrair as melhores pessoas lá de fora [porque] o Porto não tem a reputação de Cambridge ou de Berkeley. Ainda há um trajecto importante a fazer, mas eu acho que, em relação ao que éramos há vinte anos, não há comparação. Hoje em dia o impacto desse trabalho a nível internacional já começa a ser significativo. Mas, em vinte anos, não se pode fazer o que muitos países levaram um século ou dois a construir.

Perfil

De Moçambique, que o viu nascer em 1945, Alexandre Quintanilha partiu para a África do Sul, onde se licenciou e completou o Doutoramento em Física do Estado Sólido, em 1972. O passo seguinte foi a Universidade da Califórnia, Berkeley, já como docente. Durante quase 20 anos, Quintanilha ensinou e aprendeu nos Estados Unidos, até que, no final dos anos 80, o “desafio” de criar uma escola biomédica no Porto falou mais alto e decidiu que “era altura para explorar as raízes europeias”. Desde 1991 que Alexandre Quintanilha dirige o IBMC.

É um divulgador da ciência por natureza. Acha que a ciência ainda tem uma “linguagem só para alguns”?

Eu acho que a obrigação de quem tem conhecimento em cada uma das áreas científicas é tentar dar a conhecer aos outros qual é o fascínio do trabalho. Porque pode não ter aplicação hoje, mas pode vir a ter daqui a vinte ou trinta anos. A divulgação não só é importante para que as pessoas percebam onde é que estão as fronteiras do conhecimento hoje em dia, como é uma obrigação das pessoas que estão a trabalhar nessas áreas. Eu acho que as universidades têm duas funções principais. Uma é ajudar a criar profissionais de grande qualidade, fazer com que uma pessoa saiba do seu métier. A outra, que é um bocadinho mais difícil, é explorar a fronteira do conhecimento actual e do que vai ser o conhecimento daqui a dez ou vinte anos.

O IBMC tem essa preocupação da divulgação da ciência ou do tal conhecimento de que falava?

Eu acho que foi, provavelmente, uma das primeiras instituições a ter essa preocupação. Nós temos aqui várias pessoas que tentam aproximar os investigadores do público, das escolas, dos liceus, de várias comunidades que muitas vezes estão fascinadas com o que se está a fazer, porque a biologia hoje em dia toca em assuntos muito quentes. Trabalhar em engenharia genética ou em células estaminais são coisas que fascinam e, às vezes, preocupam o público, que quer saber o que a gente anda para aqui a fazer. Também é uma área que se presta, de uma forma muito interessante, à divulgação e ao debate com o público em geral. E, como eu, ainda por cima, gosto de fazer divulgação e não sou muito mal a fazê-la, o facto de o director dar o exemplo faz com que os outros se empenhem.

Tem consciência do impacto que a divulgação da ciência, do que se passa dentro dos laboratórios, tem na sociedade em geral?

Isso é muito mais difícil de medir: como é que se calcula o impacto de um esforço destes? Agora, o que eu sei é que as pessoas apreciam muito isso. Ainda há dois ou três dias fui à exposição das camélias no Palácio de Cristal e houve duas ou três pessoas que vieram ter comigo e que me agradeceram o facto de eu estar em programas de discussão e debate na televisão. Portanto, eu acho que tem impacto. Eu tento ir às escolas que me convidam para falar e os meus colegas fazem a mesma coisa; portanto há aqui um esforço. Agora, é muito difícil de medir; era preciso saber qual era a cultura científica antes, há vinte anos, e qual é a actual. Mas eu creio que, até por parte do próprio Governo, a importância da divulgação de projectos como o Ciência Viva e coisas do género é uma coisa assumida.

Projectos como o Ciência Viva, que visam aproximar a ciência dos mais jovens, assumem um papel importante na formação de novos investigadores?

Eu não dou aulas a mais ninguém a não ser aos alunos do primeiro ano. Começo a aperceber-me que muitos destes miúdos vieram para estas áreas porque ouviram alguém ou visitaram centros de investigação. Eu vejo algumas caras que já vi nalgum sítio: ou porque estive nalguma escola ou porque eles vieram aqui ao IBMC/INEB passar umas semanas no Verão. Já começa a haver um impacto desse esforço junto das gerações que estão a chegar à universidade e, daqui a uns anos, se calhar, àqueles que estão a sair da universidade.

O que pode a Universidade do Porto fazer para potenciar a investigação em Portugal, de modo a exportar académicos?

Uma das coisas que a Universidade do Porto faz, e tem que continuar a fazer, é valorizar imenso a importância da investigação científica em todos os domínios. A razão de ser de uma universidade é produzir bons profissionais e pessoas curiosas, com imaginação, com formas de perceber o que são os problemas. A Universidade do Porto irá continuar a encorajar e a valorizar aquilo que é essa divulgação e o aprofundar dos conhecimentos actuais, a forma de produzir os melhores profissionais, para tentar chegar ao público em geral e explicar qual é a sua razão de ser: porque é que existe uma universidade e o que é que ela faz na nossa cidade. E eu acho que a grande maioria dos docentes e dos responsáveis da Universidade leva isso muito a sério.

O Alexandre Quintanilha colecciona prémios internacionais na carreira. O que ainda o move? Qual a próxima meta a alcançar?

Eu costumo dizer que, de vinte em vinte anos, preciso de ter um desafio novo. E eu já estou em Portugal há quase vinte anos, e portanto, muito provavelmente, estou à procura de um desafio novo, muito em breve. Mas os desafios têm todos a ver com curiosidade sobre aspectos do conhecimento que eu ainda não domino. Eu comecei na Física Teórica, depois mudei para a Biologia, interessei-me por questões de Ecologia. Mas também tenho um interesse muito grande por questões relacionadas com a Arquitectura. Às vezes até sonho que, um dia, quando me reformar, vou fazer o curso, porque foi sempre uma coisa que me fascinou bastante. Portanto, aquilo que ainda me move é o facto de eu sentir que ainda sou muito ignorante em muitas áreas do conhecimento e que gostava de aprender mais. Gostava de ser capaz de continuar a transmitir a importância de as pessoas serem curiosas. Para se avançar nas fronteiras do conhecimento não se pode estar satisfeito com as respostas. E eu acho que é isso que se tem de transmitir às pessoas: não termos medo de percebermos que somos diferentes. Felizmente que o facto de sermos diferentes é enriquecedor para a sociedade em que vivemos, não é empobrecedor.

Qual o caminho que a UP deve seguir?

A Universidade tem dois desafios muito grandes. Um é perceber que, se quiser, efectivamente, marcar posição como universidade de investigação, tem que continuar e amplificar ainda o seu objectivo: trazer quem for necessário para fazer a melhor ciência, investir muito naquilo que é a parte do novo conhecimento, de explorar as fronteiras. Porque, se não o fizer, não vai fazer parte das poucas universidades europeias que vão ser consideradas universidades de investigação. Nós temos que decidir que é isso que queremos fazer e andar para a frente. O outro grande desafio é perceber que, apesar de termos uma parte de investigação muito forte, uma das outras funções muito importantes na universidade é criar óptimos profissionais, respeitar e valorizar muito o trabalho que é feito na produção desses profissionais. São dois desafios muito diferentes, em que as pessoas que estão envolvidas têm que ser igualmente valorizadas. Não é fácil de fazer, mas há universidades que o conseguiram. Berkeley consegue. Mas isso leva tempo a construir-se.